O que aprendemos com uma escola que busca ser antirracista

Ensaio

O que aprendemos com uma escola que busca ser antirracista
Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

Compartilhe

Temas

Leticia Lyle e Vitor Del Rey


13 de outubro de 2024

Em um país com tanta desigualdade, políticas de inclusão podem trazer uma oportunidade para a sociedade inteira se desenvolver e reduzir barreiras históricas

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

A tarefa de construir, manter e aprimorar espaços de convivência ética, diversa e inclusiva tem se tornado um desafio cada vez mais urgente. Quando esses espaços são escolas, o peso das decisões parece triplicar, especialmente diante do compromisso social de formar cidadãos para o mundo em que vivemos. É interessante perceber que, para atingir esse objetivo, dimensões como o caráter antirracista da escola, parecem se tornar prioritárias. Não se trata de ser uma escola de excelência ou inclusiva, inovadora ou antirracista. Precisamos trabalhar no território do “e”, pois a excelência e a inovação passam, no mundo de hoje, inevitavelmente, pela capacidade de um ambiente educacional ser inclusivo e antirracista.

Para isso, inúmeros esforços precisam ser empreendidos. Construção coletiva de conhecimento, publicação e geração de recursos didáticos, compartilhamento de boas práticas e de aprendizagens coletivas são fundamentais. A representatividade precisa fazer parte de toda a escola, dos estudantes à equipe docente, da gestão à curadoria de recursos, para garantir um programa curricular e formativo que contemple e expanda o trabalho proposto na Lei 10.116 e sustentar uma comunidade de famílias engajadas em apoiar nosso projeto, que se percebem representadas e pertencentes a essa construção.

Transformações significativas não vêm fácil. Os sistemas respondem: quando você insere um material ou mesmo uma formação sobre o tema do antirracismo, por exemplo, as aprendizagens sobre relações raciais na escola são exponenciais, mas com elas, também crescem os números de conflitos, conversas e mediações. Para que uma escola antirracista exista, esses desafios precisam ser encarados como oportunidades para aprender, colocando toda a nossa comunidade no lugar de estudantes. Para que isso aconteça, os desafios precisam ser encarados com a magnitude que têm.

Quando falamos de relações raciais na escola estamos convidando a discussão do racismo para nosso dia a dia. O racismo é inaceitável, mas ele ainda está presente nas nossas vidas. Práticas racistas são tão distantes dos valores sociais modernos e da ciência que precisamos criar leis para combatê-lo e promover uma mudança efetiva. A criação de programas em escolas para conscientizar a sociedade de que devem buscar ser antirracistas é um dos passos essenciais para uma mudança de comportamento de longo prazo.

Para que uma escola antirracista exista, desafios precisam ser encarados como oportunidades para aprender, colocando toda a nossa comunidade no lugar de estudantes

O estudo “Dados Pretos em Branco”, realizado pelo Instituto Guetto , revela disparidades gritantes, como por exemplo, o fato de que em 25 estados brasileiros, as notas de estudantes negros são significativamente menores do que as de estudantes brancos na prova de matemática do 9º ano, ou ainda, de que jovens negros lideram as taxas de evasão escolar. Em escolas particulares não é diferente: preconceito pode estar presente em livros didáticos, práticas docentes, em inferências culturais onde o racismo segue não reportado por estudantes negros que, muitas vezes ingressantes por meio de programa de bolsas, não se sentem confiantes para reportar as ocorrências com medo da repercussão.

Olhar para o racismo dói em todo mundo. Dói em quem sofre o racismo e em quem se vê cometendo racismo, no pai, no aluno, no professor. O racismo estrutural é tão primitivo, insidioso e pernicioso que nos faz questionar a nossa humanidade, nossa criação, nossos hábitos e costumes. Nos faz criar hipóteses, às vezes até contraditórias, para explicar nossos comportamentos e temos dificuldades de lidar com as emoções e sentimentos que emergem de conflitos intencionais e não intencionais. Uma escola antirracista precisa saber que irá lidar com algo maior que apenas os indivíduos e buscar um olhar de construção coletiva, com protocolos claros, livre de pré-julgamento e imbuídos da vontade de mudar algo estrutural do nosso país.

Todos os dias que apostamos na diversidade nós aprendemos. Somos uma organização mais ágil, preparada para lidar com conflitos, corajosa, sem medo de pedir desculpa e seguir adiante quando vivemos algo que ainda não sabemos como lidar. Aprendemos a ser mais humildes, presentes e engajados como escola e educadores – uma homologia com a postura que buscamos em nossos estudantes. Em um país com tanta desigualdade, políticas de inclusão podem trazer uma oportunidade para a sociedade inteira se desenvolver e reduzir barreiras históricas que confrontamos diariamente. Precisamos combater o racismo e precisamos ser antirracistas, pois sem essa ação ativa não conseguiremos fazer essa transformação.

Assine nossa newsletter diária

Gratuita, com os fatos mais importantes do dia para você

John Dewey dizia que a escola não é a preparação para a vida, e sim a própria vida. É, portanto, uma oportunidade segura de experienciar o que vivemos no mundo, promovendo novas formas de nos relacionarmos e construirmos totalidades mais inclusivas e diversas. As práticas escolares antirracistas não são apenas um dispositivo para iniciar diálogos, mas um convite para caminhar com ciência, respeito e responsabilidade.

Leticia Lyle é pedagoga e mestre em Currículo e Educação Inclusiva pelo Teachers College da Columbia University (EUA). É cofundadora da Camino Education e da Cloe e diretora da Camino School. É coautora do livro “Convivência ética na educação”. É conselheira do Instituto Ame Sua Mente. Pedagoga e mestre em Currículo e Educação Inclusiva pelo Teachers College da Columbia University. É coautora do livro “Convivência ética na educação”.

Vítor Del Rey é presidente do Instituto Guetto, professor da Fundação Dom Cabral, consultor no Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais ao lado do ex-ministro da educação José Henrique Paim. Mestre em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas. 

Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.