Como crises econômicas afetam o cinema e suas histórias

Debate

Como crises econômicas afetam o cinema e suas histórias
Foto: Jorge Silva/Reuters

Daniel Guinezi e José Carlos de Souza Santos


21 de julho de 2020

A pandemia exigirá uma reinvenção inédita da indústria cinematográfica, setor historicamente considerado à prova de recessões

A tragédia econômica de 1929 não afastou os americanos das salas de cinema. Mesmo com a renda retraindo 10% e o desemprego dobrando nos EUA, foram mais de 75 milhões de espectadores somente naquele ano e quase 100 milhões em 1930,segundo levantamento de Michelle C. Pautz e dados reunidos no livro “Entertainment Industry Economics: A Guide for Financial Analysis”, de Harold Vogel. O cinema se tornou um reduto de escapismo e alento em meio ao caos, com narrativas que tocavam as aspirações mais profundas de uma geração que, impotente, via suas perspectivas estilhaçadas. Foi o ano de filmes como “Melodia na Broadway”, que abriu caminho para a Era de Ouro do cinema, um período de três décadas de crescimento.

A narrativa de resiliência dos cinemas ao crash se popularizou, criando com ela a ideia de que bilheterias são anticíclicas, ou seja, crescem em momentos de recessão econômica. É uma visão que precisa ser tomada com cuidado, uma vez que depende de condições específicas de cada mercado. Entre os diversos fatores que podem explicar a relativa resiliência pós-crise de 1929 nos EUA estavam o baixo preço dos ingressos, a ausência de substitutos próximos e o surgimento dos filmes falados (“talkies”), inovação que iniciou um ciclo virtuoso de crescimento e criatividade.

A crise financeira de 2008 reforçou essa percepção. Em 2009, enquanto o PIB americano retraía 2,5%, as bilheterias cresceram impressionantes 10%. De fato, avaliando-se empiricamente, as bilheterias americanas apresentaram comportamento anticíclico em 88% dos picos de crescimento econômico e 69% dos vales de recessão entre 1930 e 2010, ainda segundo Vogel . Existe, portanto, evidência de que as pessoas buscam por mais entretenimento em momentos de dificuldade econômica, e que o cinema oferece uma alternativa acessível nesses períodos, por ser mais barato do que outras formas de lazer.

No entanto, a tendência de a demanda por entretenimento nos Estados Unidos seguir na direção contrária do desempenho da economia se baseia, em grande parte, na disponibilidade de poupança das famílias norte americanas, para as quais o cinema funciona como um bem inferior, cuja demanda aumenta à medida que a renda diminui. Por outro lado, para um país como o Brasil, que tem apenas um quinto da renda per capita norte americana, o cinema é um bem de luxo, cuja participação nos orçamentos familiares aumenta quando as famílias enriquecem. Isso significa que por aqui a tendência é procíclica, com bilheterias crescendo em períodos de pujança, na contramão do que ocorre em países ricos.

Intuitivamente, isso significa que, para uma família de baixa renda, a parcela do orçamento reservada para entretenimento tende a ser muito reduzida. Quando a renda diminui, o entretenimento, considerado um bem de luxo, está entre os primeiros a ser cortado. Este fenômeno é conhecido na teoria econômica como curva de Engel.

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