O que acontece quando a falta de decisão é o método de governo

Debate

O que acontece quando a falta de decisão é o método de governo
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Gabriela Lotta


27 de janeiro de 2020

Este ensaio avalia o papel da inoperância do Executivo em 2019. O texto é o sétimo de uma série sobre o primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência – e é parte de uma parceria entre o ‘Nexo’ e a Associação Brasileira de Ciência Política

Em política, a não decisão é também uma forma de decisão. Esta máxima da ciência política, postulada em 1963 por Peter Bachrach e Morton S. Baratz, sugere que, quando um governo decide se omitir sobre determinado assunto público, ele está tomando uma decisão de não aplicar recursos ou dar direcionamento para a questão. À primeira vista o assunto pode parecer trivial, mas a omissão governamental acarreta consequências graves e deve ser tratada como forma específica de decisão política.

É assim quando o governo decide não se posicionar sobre os inúmeros casos conhecidos de abortos ilegais que, pela omissão, decorrem em mortes. Ou sobre casos de trabalho escravo, que acarretam flagrante descaso com direitos humanos. Ou sobre barragens precárias que podem virar grandes catástrofes, desmatamento ilegal que afeta populações e os determinantes das mudanças climáticas, manchas de óleo no mar que geram perdas para economias locais e para os ecossistemas, entre tantos outros temas. “Fingir que não viu” é, portanto, uma decisão deliberada e com consequências.

O primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro representou uma escola inédita para os estudos sobre a não decisão como uma forma de decisão. O “caos como método”, na brilhante definição de Marcos Nobre , se materializa, na prática, em um arsenal de táticas de não decisões que geram caos institucional, paralisia decisória e têm inúmeros efeitos que impactam os direitos da população. Este governo inova ao ensinar que há várias formas possíveis de não decisão.

A primeira é a mais clássica: quando o governo não dá diretrizes claras sobre o que deve ser feito. A ausência de planos, estratégias e metas é uma forma de não tomar decisões sobre o futuro, e inviabiliza a ação política. Isso repercutiu, por exemplo, na fala da deputada federal Tabata Amaral ao questionar o ex-ministro da educação, Ricardo Vélez: “Cadê os projetos? Cadê as metas?”. A ausência de decisão tem sido omodus operandi na Esplanada dos Ministérios. Com raras exceções, não há clareza de quais são as diretrizes governamentais para além da própria destruição das políticas e das instituições – o que também é uma decisão.

Uma segunda forma de não decisão é protelar processos que dependem exclusivamente da anuência governamental. Ela acontece quando o governante “senta em cima das decisões”, retarda pronunciamentos, não libera recursos e, assim, paralisa a cadeia decisória. Em 2019 foram vários os exemplos disso: o atraso ou a não liberação de recursos orçamentários em várias áreas ; a não convocação dos conselhos participativos; a não renovação de bolsas de pesquisa; a demora em aprovar nomeação de reitores, entre outras.

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