Debate
Nilma Lino Gomes
Ambos são difíceis de serem combatidos em um quadro de desigualdades, de desgoverno, de extrema direita e de ascensão dos ideais fascistas. Podem até indignar, mas ainda não retiraram o Brasil da inércia racial
Um olhar para a população em tempos de pandemia revela a alta taxa de letalidade que recai sobre os pobres e, com maior contundência, sobre as pessoas negras (pretos e pardos) e pobres. Essa realidade não pode ser compreendida como uma simples coincidência da relação entre pobreza e raça. Ela é fruto de uma perversidade histórica e estrutural ativamente produzida que, no contexto de exacerbação do neoliberalismo e da crise sanitária, revela a imbricação entre raça, pobreza, saúde pública e Estado.
Diversas organizações do Movimento Negro denunciam o descompromisso do Estado, dos órgãos de saúde e dos veículos da grande mídia em relação aos efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a população negra, e ajudam a comunidade negra a compreender os seus direitos em tempos de crise sanitária. Um grupo de 150 entidades representativas do movimento negro e de periferias do Brasil que compõem a Coalizão Negra por Direitos enviou uma carta ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, pedindo informações a respeito dos dados sobre etnia, raça, gênero e território de pessoas infectadas pelo novo coronavírus e mortas em decorrência da covid-19. Essa ação resultou na publicização oficial dos primeiros dados com recorte racial sobre a doença. Porém, os descaminhos e o autoritarismo do governo federal, que desconsidera a trágica situação da saúde pública brasileira levaram ao abandono da socialização de tais dados. Atualmente, se alguém quiser ter essas informações terá que ir direto aos Boletins Epidemiológicos e interpretar os dados.
Negras e negros estão entre o público mais exposto ao novo coronavírus devido a sua condição de pobreza, de desemprego, de trabalho informal, de residência em regiões periféricas, vilas e favelas sem saneamento básico, de precariedade de postos de trabalho e moradia. Eles também têm maior necessidade do uso dos serviços do SUS (Sistema Único de Saúde). Essa situação possui antecedentes históricos. Ela é consequência do racismo, das heranças colonialistas que privilegiam seus herdeiros em detrimentos de pessoas negras até hoje.
Também é a população negra e pobre aquela que apresenta maior dificuldade de acesso às medidas sanitárias, às informações adequadas, aos recursos financeiros para a compra de produtos de higienização, de garantia de uma vida saudável, com alimentação nutritiva que possa ajudá-la a adquirir imunidade não só à covid-19, mas também a outras doenças.
Como bem apontou Pedro Martins, em texto para a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), as doenças não são entidades democráticas. Diante da atual pandemia, a população negra, em sua diversidade, também é considerada como grupo de risco, obviamente com gradações internas, variando tanto por comorbidades que atingem negras e negros em maior número — caso da hipertensão e da diabetes e, principalmente, da anemia falciforme — ou mesmo pela letalidade social, motivada por questões históricas, políticas e sociais estruturantes de nossa sociedade.
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