Txai Suruí: ‘Sem a Amazônia, não existe amanhã’
Letícia Arcoverde
13 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h41)Ativista fala sobre o que ela espera ver nos próximos anos para os povos indígenas e a região da floresta, e o que fazer hoje para alcançar esse futuro
Temas
Compartilhe
Ativista indígena Txai Suruí
A ativista indígena Txai Suruí ganhou projeção internacional em novembro de 2021 ao ser a única brasileira a discursar na abertura da COP 26 , a Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas), em Glasgow, na Escócia.
Desde então, despontou como uma jovem liderança no ativismo brasileiro, com foco na defesa dos direitos indígenas e na preservação da Amazônia.Txai é filha de Almir Suruí, reconhecida liderança dos povos Suruí, em Rondônia. Aos 25 anos, ela é coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia.
Nesta entrevista, feita na segunda-feira (8), ela respondecinco perguntas à Ponto Futuro , editoria do Nexo dedicada a pensar futuros possíveis, sobre o seu trabalho e os impactos que espera ver nos próximos anos.
Txai Suruí A Amazônia para os povos indígenas é mais do que um lar, é parte de quem nós somos. A jornalista Eliane Brum fala que a Amazônia é o centro do mundo , e eu concordo com ela. Se a gente perde a Amazônia, a gente perde o nosso futuro. Sem Amazônia, a gente não tem perspectiva de um amanhã.
Aquilo que acontece na Amazônia tem consequência para o mundo. A gente já está vendo catástrofes climáticas no mundo inteiro. Isso é uma consequência das ações que o homem vem praticando com a natureza. E a Amazônia tem um papel importantíssimo quando a gente fala de mudanças climáticas. O Brasil, que sempre foi um país principal nas discussões que envolvem o meio ambiente, e que poderia ser o herói, hoje é colocado como vilão, principalmente pela postura que vem tomando em relação à Amazônia.
Que transformações eu espero até 2030 (que na verdade eu gostaria que fosse antes disso)? Primeiro, o respeito e a garantia do direito dos povos indígenas, direitos esses previstos na nossa Constituição. São os povos indígenas, principalmente, que mantêm a floresta em pé. Então respeitar o direito dos povos indígenas significa manter também a Amazônia viva, e a gente precisa entender isso.
Somos nós que estamos cuidando dela há milhares de anos, e mais do que isso, a Amazônia é o que é graças aos povos indígenas. Várias pesquisas dizem que a Amazônia é como se fosse um grande jardim dos povos indígenas porque nós construímos também essa floresta para ela ser o que ela é hoje: a maior floresta tropical do mundo com a maior biodiversidade do mundo.
Eu quero que esse potencial do que a Amazônia realmente representa seja valorizado. E não estou falando de potencial de destruir, mas do potencial que ela tem quando está em pé – o potencial de plantas medicinais, de produtos, de riqueza dos povos que estão lá. Então é isso que eu espero: valorização da nossa floresta.
Garantir que os direitos dos povos indígenas é garantir também que os nossos territórios, que as unidades de conservação, que essas áreas ambientais estejam protegidas. Tudo isso vai nos levar aonde? Na transformação que o mundo inteiro vem falando, que é o desmatamento zero. Eu espero que até lá a gente consiga chegar ao ponto do desmatamento zero.
A gente está vendo cada vez mais as invasões dentro dos nossos territórios, madeira ilegal sendo tirada e indo para os Estados Unidos. A gente tá vendo gado ilegal dentro das terras indígenas. Então, eu espero fiscalização, eu espero que o Brasil esteja comprometido em acabar com essas ilegalidades.
Txai Suruí Hoje a gente vem falando muito de leis. Porque é através das leis que a gente vem sendo atacado, com o PL 490 [projeto de lei que muda a demarcação de terras indígenas], o PL 191, que quer permitir a mineração e grandes empreendimentos dentro dos nossos territórios. A gente vem perdendo no enfraquecimento das nossas leis e no enfraquecimento dos nossos órgãos. Então para alcançar isso, a gente precisa pressionar o nosso governo, pressionar os nossos representantes para que eles pautem leis que protejam a Amazônia.
Mais do que isso, fazer com que as leis funcionem, porque a gente tem leis muito boas, mas a gente tá vendo um desmanche desses órgãos e o desrespeito dessas leis. Então a gente precisa que elas funcionem para que a gente consiga chegar aonde a gente quer chegar.
E para isso a gente está fazendo muita pressão, muito ativismo, pautando e construindo junto aos jovens e aos povos indígenas políticas públicas de qualidade para todo mundo. Para que a gente chegue nesse ponto, a gente precisa também ter representantes que realmente estejam alinhados com a pauta e que nos representam de verdade. Por isso que nesse momento a gente está apoiando candidaturas indígenas, pessoas que acreditam na Amazônia em pé, que entendam o valor da Amazônia, o valor do meio ambiente.
Isso além do trabalho de base que a gente faz, que muitas vezes era para ser feito pelos órgãos de fiscalização, mas quem vem fazendo somos nós, os povos indígenas: a fiscalização, de monitoramento dos nossos territórios, um trabalho de valorização dos produtos da Amazônia. A gente vem trabalhando isso com a juventude e com povos indígenas na construção de política, e na construção de políticas públicas.
Txai Suruí O que mais me preocupa é: por que que a gente ainda continua falando de 2030, quando muita coisa vem acontecendo agora, quando a gente devia estar fazendo agora. Eles estão aproveitando todo esse tempo para destruir cada vez mais a nossa floresta, para atacar cada vez mais os povos indígenas, para ameaçar cada vez mais a nossa vida.
Quanto mais perto chega da eleição, eu sinto que está mais perigoso. Eu fico realmente preocupada pelo meu povo, pela minha família, pelo meu território, porque a Amazônia tá quase no ponto de não retorno. A gente já perdeu muito na Amazônia, partes que não voltam mais. A gente deveria estar reflorestando, cuidando dela, e a gente vê os índices de desmatamento aumentando cada vez mais, a Amazônia se tornando um lugar mais perigoso, com mais conflitos.
Eu me preocupo como ativista que vem passando por tudo isso, eu me preocupo como filha que vejo meus pais que também são ativistas e que estão tendo suas vidas ameaçadas. Eu me preocupo como mulher, porque meu companheiro é jornalista e trabalha na Amazônia e a gente viu o que aconteceu com o Dom [Philips, assassinado com o indigenista Bruno Pereira em junho de 2022]. E eu me preocupo como quem se considera parte da floresta, como mulher indígena que está vendo a nossa Amazônia queimando, sendo perdida. A gente não pode deixar isso acontecer.
Txai Suruí A própria floresta. Os povos indígenas me dão esperança. Porque apesar de tudo isso, desse atravessamento, a Amazônia continua lá, continua resistindo. Nós, como corpos atravessados – como mulher, como indígena – continuamos resistindo também há mais de 500 anos. E também como jovem que vem pegando o bastão dessa luta, mostrando que a gente vai continuar resistindo. Isso me dá esperança: ver outros jovens do meu lado, outras mulheres, outras lideranças.
Txai Suruí Esse é um futuro para todo mundo. Quando a gente fala de Amazônia, eu não estou falando só da minha vida. Eu não estou falando só da vida do meu povo, da vida dos povos indígenas. Estou falando de todo mundo, porque todo mundo vai ser afetado. Eu gostaria primeiro que as pessoas entendessem isso, entendessem a importância da Amazônia e de lutar por ela.
Todo mundo pode contribuir. Eu tenho viajado um pouco, eu converso com pessoas, com governos, com empresas. E as empresas falam que a culpa é do governo, os governos falam que é culpa da sociedade. Eu gostaria que todo mundo entendesse o seu papel nisso tudo. Para a gente conseguir contornar essa crise, salvar a Amazônia, salvar o nosso planeta, a gente precisa do esforço de todo mundo. A gente precisa que as empresas que são as grandes poluidoras entendam isso, se preocupem com suas cadeias de fornecimento.
A gente precisa do compromisso dos governos para que a gente consiga alcançar essas metas que vêm sendo colocadas, por exemplo no Acordo de Paris , que fala de 2030 e de 2050. A gente precisa de governos comprometidos, porque o Brasil está dando um grande exemplo do que acontece quando um governo não se compromete com o meio ambiente: uma grande destruição.
Eu gostaria que as pessoas pensem nos produtos que elas estão comprando, que se preocupem em cobrar os governos, em cobrar as empresas, que tentem ser cada vez mais sustentáveis também. A gente pode fazer a nossa parte, todo mundo pode. E eu espero que a gente consiga ter um futuro, ter um agora, e ter a Amazônia em pé.
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
NAVEGUE POR TEMAS
ponto. futuro
Navegue por temas