‘Bolsonaristas têm mais recursos e centrão se fortalecerá’
Malu Delgado
02 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)Cientista político Carlos Ranulfo Melo analisa ao ‘Nexo’ como deve ficar o perfil da Câmara e do Senado em 2023. Para ele, campo majoritário da centro-direita vai se comportar de formas distintas com Lula ou Bolsonaro
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Rodrigo Pacheco (à esq.), Jair Bolsonaro (ao centro) e Arthur Lira (à dir.) conversam em evento em Brasília
O Congresso Nacional permanecerá com um perfil conservador em 2023, com potencial de crescimento do centrão. “O que indica que [o centrão] pode crescer é o fato de que os candidatos deste campo bolsonarista têm acesso a recursos muito mais amplos do que os outros. O que isso vai significar depende do resultado da eleição presidencial”, afirmou ao Nexo Carlos Ranulfo Melo, cientista político da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ao analisar dois cenários, com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), Ranulfo afirma que o pêndulo do centrão, sempre pragmático, oscilará conforme o resultado da disputa presidencial de 2022. Com Lula no poder, haverá uma cisão no centrão, prevê. “Se Lula vence, a maior parte do centrão não vai estar disposta a embarcar numa oposição extremamente reacionária e autoritária, que seria o bolsonarismo de raiz. A vitória do Lula pode isolar o bolsonarismo na Câmara.” Já a manutenção de Bolsonaro na Presidência funcionará como um ímã para toda a direita, mesmo a mais moderada, analisa o cientista político. “Se Bolsonaro vencer, aí pode acontecer de o bolsonarismo atrair o resto da direita.”
A previsível baixa renovação no Congresso se dá por dois elementos: 88% dos deputados federais tentam a reeleição e, de acordo com Ranulfo, o poder econômico dos parlamentares do centrão é muito superior ao de seus concorrentes. Em primeiro lugar, explica o pesquisador, porque este grupo político hoje domina a máquina administrativa no governo Bolsonaro; além disso, o centrão é privilegiado com recursos do chamado “ orçamento secreto ” e uma enorme fatia do fundo eleitoral. Para 2023, a Lei de Diretrizes Orçamentárias reservou R$ 19,3 bilhões para o “orçamento secreto”, que é a destinação de recursos aos parlamentares por intermédio das emendas de relator ao Orçamento.
Terminada a eleição presidencial, o terceiro turno será a disputa pelo comando do Congresso. Mesmo em um eventual governo do PT, diz o cientista político, é provável que o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por acordo, permaneça à frente do Senado. Na Câmara, o nome forte é o do bolsonarista e atual presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL). Lula, se eleito, só teria chances de derrotar Lira se o seu campo político escolhesse um candidato de centro e com ampla base de diálogo no Legislativo. “Você entra na batalha se tiver chance de vitória. Se não tiver, negocie.” Negociar com Lira e os termos do “orçamento secreto” não é algo impossível, atesta o cientista político. Porém, é inverídico achar que numa canetada o próximo presidente poderá acabar com a prática do “orçamento secreto”, como prometeu o candidato Ciro Gomes (PDT). “Isso é uma bobagem. Qualquer iniciativa nesse sentido, que seria salutar, tem que ser negociada com o Congresso. E aí vai depender muito do resultado da eleição para a presidência da Câmara e da eleição para a presidência do Senado.”
Nesta entrevista ao Nexo , Carlos Ranulfo Melo analisa o provável cenário do Congresso a partir de 2023 e os desafios futuros para a garantia da governabilidade, nesta relação entre Legislativo e Executivo.
CARLOS RANULFO MELO É possível. Ulysses Guimarães dizia isso: o próximo Congresso vai ser sempre pior do que o atual. De fato, o Congresso brasileiro, pelo menos a Câmara dos Deputados, no decorrer das últimas legislaturas, vem perdendo lideranças de qualidade e expressivas. Isso impacta a qualidade do que vai sair dali. E o que está acontecendo? Bolsonaro é um candidato competitivo. Pode ser que não ganhe a eleição, mas ele é um candidato competitivo. A ida do Bolsonaro para o PL fez com que o PL se transformasse no maior partido da Câmara, o que é um absurdo. O PL sempre foi um partido pouco expressivo, e de repente virou o maior da Câmara. E os partidos do centrão, eles controlam boa parte do governo federal.
Na verdade, Bolsonaro terceirizou o governo, passou o governo para os partidos do centrão, que controlam recursos importantes, além do chamado ‘orçamento secreto’. Então é muito dinheiro. Além do fundo eleitoral, além de tudo o que eles já têm, eles têm muito mais recursos – seja via ‘orçamento secreto’, seja via a participação no governo – do que os seus competidores. Isso atraiu essa multidão de candidatos a esses partidos, seja o Republicanos ou o PL. O líder da bancada evangélica quer aumentar esse grupo, que está concentrado no Republicanos. Então é normal esse crescimento [de candidaturas].
A outra coisa é se eles vão ter um bom desempenho. Como o sistema brasileiro não é um sistema em que se vota em partidos, se vota em indivíduos, vai haver muita disputa interna. Em Brasília, por exemplo, a principal adversária da Damares [Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos] é Flávia Arruda [ex-ministra da Secretaria de Governo]. As duas são do campo bolsonarista. Só uma vai se eleger. O simples fato de aumentar o número de candidatos não significa, necessariamente, que o partido vai crescer. Agora, o que indica que pode crescer é o fato de que os candidatos deste campo bolsonarista têm acesso a recursos muito mais amplos do que os outros. Então acho que deve crescer mesmo [o número de candidatos mais conservadores]. O que isso vai significar dependerá do resultado da eleição presidencial.
CARLOS RANULFO MELO O Congresso é majoritariamente conservador há muito tempo. Ele foi também durante o período Lula. O Congresso é majoritariamente de centro-direita desde que ele começou a funcionar. A esquerda no Congresso, historicamente, nunca passou de 30%. Então você sempre tem que dialogar com o centro. Sabemos que o centro, no Brasil, vai muito para a direita, isso não chega a ser uma novidade. Acontece que hoje tem uma diferença entre a direita mais chegada ao Bolsonaro e a direita tradicional, do PSD, do União Brasil. São forças diferentes.
Se o Bolsonaro crescer, o centrão estará forte, mas não será majoritário. A direita pode ser majoritária, mas o centrão não, porque tem uma parte da direita que não é bolsonarista. Se Bolsonaro vencer, aí pode acontecer de o bolsonarismo atrair o resto da direita. Agora, se o Lula vencer, não. A vitória do Lula pode provocar uma cisão no próprio centrão. Se Lula vencer, a maior parte do centrão não vai estar disposta a embarcar numa oposição extremamente reacionária e autoritária, que seria o bolsonarismo de raiz. O bolsonarismo de raiz vai querer fazer uma oposição radical ao Lula. O PP (Progressistas), por exemplo, não faria isso. O Lula coloca uma cunha no centrão. Não quer dizer que parte do centrão vai apoiar o governo Lula, mas esses caras são pragmáticos. O Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil, do PP) foi da base do Lula e cansou-se de elogiar o Lula. Ele não vai embarcar na canoa furada do bolsonarismo derrotado. O Arthur Lira (presidente da Câmara) também. Vão querer negociar. Portanto, a vitória do Lula pode isolar o bolsonarismo na Câmara. O Lula já está sabendo disso. A vinda do Alckmin para a chapa é um claro aceno. Alckmin é centro-direita, sempre foi, não é um cara de esquerda. É o aceno público de que, se o Lula ganhar, não vai ser o governo do PT, será um governo mais amplo. E aí pode atrair uma parte desta direita isolar o bolsonarismo. Neste caso, o crescimento do centrão pode ser naturalizado.
CARLOS RANULFO MELO O Congresso vem recuperando o protagonismo no Brasil, isso é verdade. E é anterior ao Bolsonaro. O marco, talvez, seja a gestão do Eduardo Cunha [MDB-RJ, ex-presidente da Câmara], quando as emendas dos parlamentares foram tornadas obrigatórias, impositivas. Aquele foi um momento importante. O segundo governo da Dilma, o governo Temer e o governo Bolsonaro foram governos fracos. Essa fragilidade do Executivo permitiu um avanço do Legislativo. O centrão não depende do Bolsonaro, é o Bolsonaro que depende do centrão. Isso é um fato, isso vem acontecendo há algum tempo. O Congresso está mais proativo. Até 2008, 2009, o maior número de iniciativas legais aprovadas no Congresso vinha do Executivo. Isso se inverteu completamente. De 2009 para cá, o número de leis aprovadas no Congresso vem majoritariamente do Legislativo. E depois do Cunha isso avançou mais ainda, e avançou no Orçamento.
CARLOS RANULFO MELO O ‘orçamento secreto’ é um absurdo, porque ele é completamente secreto mesmo, você dá para os seus amigos o dinheiro. Ciro [Gomes] diz que, se eleito, no dia seguinte vai acabar com o ‘orçamento secreto’. Isso é uma bobagem. Tem que conversar com o Congresso. Qualquer iniciativa nesse sentido, que seria salutar, tem que ser negociada com o Congresso. E aí vai depender muito também do resultado da eleição para a presidência da Câmara e da eleição para a presidência do Senado. O [Rodrigo] Pacheco é o favorito para o Senado, e o Lira é o favorito para a Câmara. Mas é possível derrotar o Lira. Depende do resultado da eleição presidencial.
CARLOS RANULFO MELO Desde 2015, o orçamento impositivo já impacta essa relação. Antes, o Executivo executava as emendas a quem quisesse. Agora não. É obrigado a executar todas. As emendas eram instrumento poderoso para o Executivo conseguir a adesão de deputados. Isso já era. Não tem volta. O ‘orçamento secreto’ dá ao presidente da Câmara muito poder. Se o presidente da Câmara for alinhado ao governo, eles podem conversar. Se não for, o governo perderá completamente o controle sobre o Orçamento. Isso é importante porque o Brasil está num aperto fiscal muito grande e você permitir que R$ 18 bilhões, pode ser mais até, se corrigir, sejam destinados com critérios que você não sabe quais são. É um desastre.
Em vez de se definir prioridades pelo governo federal, começa-se a definir prioridades pela cabeça desse ou daquele deputado. Ou seja, não tem prioridade. É o que a gente chama de paroquialismo: é tudo para minha paróquia, tudo para minha base, e o Brasil que se dane. Esse tipo de coisa tem que terminar, sem dúvida nenhuma, mas vai exigir uma longa negociação. Não é impossível, porque o ‘orçamento secreto’ não favorece todos os deputados. Favorece alguns. Então é possível derrotar isso, desde que se tenha um presidente que queira fazer isso. Facilitaria muito esse trabalho se o Lira fosse derrotado em fevereiro de 2023. Agora, o Lira é forte. Como o Cunha, tem uma base amplíssima, que se estende inclusive para além do bolsonarismo. Esses caras são profissionais da política.
CARLOS RANULFO MELO É difícil analisar com certeza porque é imprevisível qual vai ser a composição do Congresso. Sabemos que o centrão vai se fortalecer, e eu acho que a esquerda pode se fortalecer um pouco – pero no mucho. Acho também que MDB e PSDB vão continuar caindo. Se Bolsonaro vencer a eleição, o Lira fica na presidência e não tem conversa. Se o Bolsonaro não vencer a eleição, você tem duas alternativas: ou você tem um nome competitivo, ou tenta negociar. O nome que o Rodrigo Maia lançou, o Baleia Rossi, simplesmente não era competitivo, era uma candidatura fraca. Tem que ter uma liderança muito expressiva, com amplo trânsito no Congresso. De esquerda de jeito nenhum. Tem que ser liderança de centro com trânsito amplo.
Lira é pragmático. Se Lula vencer, eles não vão fazer uma oposição a ferro e fogo. Vão vender caro o apoio. É isso. Se o Rodrigo Pacheco vencer, a vida do Lula vai ser mais simples no Senado. E se o Lira vencer na Câmara, vai ser mais complicado. Mas não é impossível: imagine se o Eduardo Bolsonaro fosse presidente da Câmara? Aí era guerra civil. O Lira não. Esse pessoal é político antigo, sempre estiveram em governos e não vão querer entrar em confronto com Lula. Agora, o preço é alto. O Bolsonaro sabe disso. E vão vender caro para o Lula também. O melhor, para Lula, é derrotar o Lira. Mas ele teria que entrar na disputa com alguma certeza de vitória. Quando Cunha foi eleito presidente da Câmara, a alternativa que o PT apresentou era muito frágil. Aí não adianta. O PT perdeu a eleição e ficou fora da mesa diretora, completamente alijado, sem qualquer posto. Você entra na batalha se tiver chance de vitória. Se não tiver, negocie.
CARLOS RANULFO MELO Eu acho que sim. A federação não é uma má ideia, porque vira o partido. Para todos os efeitos, PT-PCdoB-PV são um partido. Cidadania e PSDB, são um partido. Psol e Rede, outro partido. Muita gente não vai conseguir fazer 2% [do total de votos válidos para ter representação no Congresso, como prevê a cláusula de desempenho]. Eu prevejo cerca de 15 partidos na Câmara. Se você considerar que em 2018 chegamos a 30, é um enxugamento radical. Veja na votação de 2018 a quantidade de partidos que não chegou a 2%. Esses partidos não vão chegar agora não, ainda mais porque os grandes partidos estão mais empoderados. A cláusula de barreira já está fazendo efeito e vai continuar a fazer efeito. E qual é o destino das federações? Por exemplo, PSDB e Cidadania. Eles vão se fundir. A Rede não sobrevive sem o Psol. Você vai afunilando. A tendência é uma menor fragmentação. Vamos chegar a menos de dez partidos no Congresso [até 2030]. Não quer dizer que sejam bons partidos. Serão poucos. A coligação da Dilma tinha dez partidos; a do Temer, 12. Isso é uma loucura. Você passa boa parte da energia governativa para acertar uma coligação de dez partidos. Se tivermos dez partidos na Câmara, a sua coligação vai ter quatro, cinco. Fernando Henrique governava com quatro. Era um paraíso.
CARLOS RANULFO MELO Eu acho que podemos ter mais mulheres e mais negros, mas nada que mude a correlação de forças. A bancada do agro já é muito grande, ela não deve crescer muito mais. Uma bancada que pode crescer é a bancada na bala, da segurança. Pelo que percebi dos dados, proporcionalmente foi o tipo de candidatura que mais cresceu. Isso pode acontecer, mas também não será um crescimento que altere o perfil da Câmara. Mesmo a bancada evangélica, se crescer, o projetado não é tão elevado assim. Teremos mais mulheres, mais negros, mas muito menos do que nós gostaríamos. Ainda vai ficar muito abaixo do que é o Brasil.
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