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Carolina Rocha


28 de março de 2025

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A convite da seção ‘Favoritos’, a escritora e historiadora Carolina Rocha, também conhecida como Dandara Suburbana, indica cinco livros para pensar racismo religioso no Brasil

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Fiquei muito feliz com o convite do Nexo para elaborar essa lista porque acabo de lançar “A culpa é do diabo: O que li, vivi e senti nas encruzilhadas do racismo religioso”, pela Editora Oficina Raquel. É urgente falar desse tema de cada vez mais maneiras no Brasil. Os terreiros são alvos históricos de violência e destruição em nosso país, e pensar na encruzilhada entre crime, política, racismo e religião é fundamental para compreender e transformar a conjuntura política em que vivemos. Convido vocês leitoras e leitores a conhecerem meu trabalho e também as cinco obras indicadas abaixo, que, com abordagens distintas, exemplificam o fenômeno. Resolvi fazer uma lista heterogênea, com diferentes gêneros, passando pela literatura acadêmica, lúdica e pelos estudos de caso e experiências de vida. Espero que gostem e façam esse mergulho na nossa própria história. Boa jornada. 

 

Um Exu em Nova York

Cidinha da Silva (Pallas, 2018)

 

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Na minha opinião, Cidinha da Silva é a maior cronista que temos hoje no Brasil. Este livro de contos formidáveis traz Exu, força espiritual Yorubá, para o centro dos debates – não só como personagem, mas também como princípio metodológico e organizador do pensamento e da vida. O conceito de racismo religioso é trabalhado da melhor maneira possível: com exemplos cotidianos. A herança ancestral da contação de histórias é propagada por Cidinha em uma gira de múltiplas temporalidades. Passado, presente e futuro se articulam para (re)contar trajetórias negras. Na escrita da autora, Exu, conhecido por seu caráter irreverente, desafiador, perspicaz e astuto, não poupa linhas para riscar seu nome no fluxo da história. Imperdível. 

 

Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpo-tela

Leda Maria Martins (Cobogó, 2021)

 

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Leda Maria Martins é uma das grandes professoras, dramaturgas e intelectuais negras de nosso tempo, pioneira em trazer para a universidade o conceito filosófico africano de encruzilhada. Segundo ela, a cultura brasileira é o lugar das encruzilhadas porque é formada pelo cruzamento de diferentes culturas e sistemas simbólicos. Em “performances do tempo espiralar”, a autora investiga as conexões entre corpo, tempo, performance, memória e a construção de conhecimentos. Leda consolida a noção de tempo espiralar, um conceito derivado da observação de práticas comunitárias e das bases cognitivas de diversos grupos étnicos africanos. 

 

Esses grupos, ao chegarem às Américas, ressignificaram seus vínculos com a terra e suas tradições. O fenômeno se manifesta, sobretudo, em culturas enraizadas na oralidade e em uma cosmovisão ancestral, na qual as práticas performativas afirmam o corpo como um espaço de preservação e memória. É o que eu sempre (re)afirmo: ninguém foge do corpo. Em uma pesquisa sofisticada, Leda explora as múltiplas contribuições do continente africano à nossa sociedade, sobretudo em relação a espiritualidade, religiosidade e ancestralidade. É um livro fundamental para compreender o Brasil. 

 

Racismo religioso: Histórico e aparato jurídico

Hédio Silva Jr (SaraivaJur, 2025)

 

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Dr. Hédio Silva Jr é um dos grandes juristas que temos no Brasil. O livro acabou de ser lançado e contribui de forma ímpar com o debate conceitual e exemplificativo sobre racismo religioso no país. A obra destaca o papel do direito penal na história, enfatizando como ele tem sido utilizado para controlar corpos, especialmente o cérebro, de africanos e seus descendentes. Aborda a supremacia racial e religiosa legitimada pelo direito até os dias de hoje, que tem como modelo o crime de curandeirismo e seus evidentes vieses religiosos. 

Além disso, o autor apresenta uma análise abrangente do problema crescente do racismo religioso na atualidade, destacando suas principais características e indicando caminhos para enfrentá-lo, tanto no âmbito da violência quanto, principalmente, por meio de políticas de prevenção. 

Dr. Hédio é um dos grandes nomes defensores de pessoas, terreiros e organizações de vítimas de racismo religioso e tem contribuído no debate intelectual em julgamentos públicos famosos, como o feito pelo Supremo em 2018 sobre a criminalização do abate animal ritual feito por algumas tradições de matriz africana no Brasil. Seu livro é uma aula necessária sobre crime, punição, direito e racismo religioso. 

 

Intolerância religiosa

Sidnei Nogueira (Pólen, 2020)

 

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O babalorixá e professor Sidnei Nogueira é um dos grandes nomes no debate sobre racismo religioso no Brasil. Neste livro, publicado na coleção Feminismos Plurais, o autor defende que a violência que acomete povos de terreiro no país é muito mais do que intolerância religiosa, parte do racismo histórico e estrutural que atravessa a construção da nossa sociedade. A obra foi finalista do prêmio Jabuti de 2021 e traz muitas contribuições ao debate. Um manual para iniciar a compreender o assunto. 

 

Exu-mulher e o matriarcado nagô

Claudia Alexandre (Fundamentos de Axé, 2023)

 

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O livro é fruto da premiada tese da autora, que ganhou o Jabuti acadêmico pelo livro em 2024 e foi tema de enredo da escola de samba paulista Pérola Negra, campeã do Grupo de Acesso 2 no Carnaval de 2025. Claudia nos mostra que, na formação dos candomblés de tradição iorubá-nagô, o racismo religioso ganha centralidade a partir da figura de Exu e reivindica seu lado feminino, algo pouco explorado na literatura. Segundo ela, a masculinização e a demonização foram as principais transformações que Exu sofreu na travessia atlântica. 

 

Na África Ocidental, são bem conhecidas as representações ambíguas de Exu, fora dos binarismos de gênero, diferente de como ele foi introduzido nos terreiros brasileiros. A autora traz um trabalho provocativo, ressaltando a importância da força feminina nos terreiros e trazendo a masculinização de Exu como mais uma faceta do racismo religioso no país. Racismo que acabamos reproduzindo sem nos dar conta, pois nossa história foi criminosamente apagada pelo colonialismo. 

 

Carolina Rocha é conhecida também como Dandara Suburbana nas redes sociais. É pesquisadora, militante antirracismo e educadora. Pós-doutoranda em educação pela Universidade Federal de Viçosa, doutora em sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e mestre e graduada em história pela Universidade Federal Fluminense. É autora dos livros: “O Sabá do Sertão: Feiticeiras, demônios e Jesuítas no Piauí colonial” (Paco Editorial, 2015) e “A culpa é do diabo: o que li, vivi e senti nas encruzilhadas do racismo religioso” (Oficina Raquel, 2025). Ministra palestras e oficinas em educação, escrita criativa e literatura negra, tendo incentivado centenas de pessoas a escreverem suas próprias histórias, publicarem livros e textos e a compreenderem o poder das suas narrativas na construção da memória coletiva. Atualmente, também é pesquisadora da área de religião e política do Iser (Instituto de Estudos da Religião).

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