Adriano Silva
A convite da seção ‘Favoritos’, o jornalista Adriano Silva indica cinco livros para refletir sobre qualidade de vida e morte assistida
Se você pode tomar decisões independentes sobre sua vida, por que não pode decidir com a mesma autonomia sobre sua morte?
Todos vamos deixar de viver – isso é inexorável. O único controle que podemos ter é como isso vai acontecer.
Ninguém deveria ser obrigado a morrer em agonia. Todos deveríamos ter a prerrogativa de ir embora de modo digno e sereno. Morrer sem sofrimento é um direito humano fundamental. Trata-se do derradeiro direito civil a ser conquistado.
Alguns livros nos instruem sobre a importância da autodeterminação. E mostram que falar sobre direitos de fim da vida não é falar sobre morte – mas sobre como garantir qualidade de vida até o último instante.
Vitor Hugo Brandalise (Record, 2017)
Em 2014, Nelson Irineu Golla atendeu à súplica da esposa, Neusa, que definhava numa clínica para idosos na zona leste de São Paulo depois de sofrer dois AVCs. Abraçou-se a ela com uma bomba de fabricação caseira entre os dois e a detonou.
Neusa, que tinha 72 anos, não aguentava mais viver daquele jeito. E Nelson, aos 74, com um braço paralisado, não suportava mais vê-la sofrer. O caso, que ficou conhecido na Justiça paulistana como “Romeu e Julieta da terceira idade”, é reconstituído em detalhes pelo jornalista Vitor Hugo Brandalise. E propicia uma série de reflexões sobre o direito à autodeterminação, à morte assistida e à eutanásia a partir de uma perspectiva brasileira.
Jean-Claude Bernardet (Companhia das Letras, 2021)
O cineasta e crítico belgo-brasileiro Jean-Claude Bernadet tece um relato sensível e atroz sobre seu corpo, sua doença e sua vida.
Desde a década de 1990, quando tornou público que era soropositivo, Jean-Claude sofreu de meningite, perdeu parte da visão e foi diagnosticado com câncer duas vezes – na segunda, ele decidiu não tratar a doença.
Jean-Claude, que em agosto completará 89 anos, pondera sobre a obrigatoriedade da cura, imposta pela medicina em detrimento do bem-estar do paciente. O que ele vê como realmente inegociável é o indivíduo se manter sempre em movimento, atuando como agente da própria vida.
Betty Milan (Record, 2022)
A psicanalista Betty Milan aborda o tema da morte assistida e questiona até que ponto é legítimo o prolongamento artificial da vida pela ciência em uma existência esvaziada, na qual a memória e a própria subjetividade já se extinguiram.
“Heresia” é um romance autobiográfico em que a autora, que em agosto completará 81 anos, reflete, a partir da morte da mãe, paciente de Alzheimer, sobre o prolongamento irracional da vida em decorrência da proibição cultural, e legal, da opção pela morte assistida.
Amy Bloom (granta books, 2022)
O mundo da escritora Amy Bloom e do arquiteto Brian Ameche, seu marido, foi alterado para sempre quando uma ressonância magnética revelou que ele, aos 66 anos, tinha a doença de Alzheimer.
Brian já não conseguia trabalhar, nem dirigir. Passou a esquecer do nome das netas, a cair, a deixar de conseguir realizar tarefas simples do dia a dia. Antes que sua mente fosse embora de vez, Brian disse que preferia “morrer de pé, ao invés de viver de joelhos”.
“In Love”, narrativa que Brian pediu que Amy escrevesse, é um livro de memórias comovente, que joga luz sobre uma parte da vida que a gente evita discutir – seu fim.
Sigrid Nunez (trad. Carla Fortino, Instante, 2021)
Uma escritora descobre que sua melhor amiga está internada para o tratamento de um câncer. Ao visitá-la no hospital, é recebida com entusiasmo e afeto. Há muito tempo elas não se viam, mas o afeto entre as duas permaneceu intacto. Entre uma visita e outra, elas vão recuperando as memórias em comum e retomando a intimidade.
Até que a amiga, diante da piora de sua condição e do diagnóstico terminal, decide antecipar a partida e morrer de acordo com seus termos. Como protagonista, e não coadjuvante, da própria morte.
O livro deu origem ao filme “O quarto ao lado”, de Pedro Almodóvar, estrelado por Tilda Swinton e Julianne Moore, vencedor do Leão de Ouro no Festival Internacional de Veneza de 2024.
Adriano Silva, jornalista, está lançando “O dia em que Eva decidiu morrer – Uma reflexão sobre autodeterminação e direitos de fim de vida”, pela Vestígio. O livro narra a história de Eva, filósofa brasileira que, após sofrer um AVC devastador, viu sua qualidade de vida ser drasticamente reduzida. Em busca de dignidade e alívio para seu sofrimento, ela escolheu deixar de viver, viajando à Suíça para realizar um procedimento de morte voluntária assistida.
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