Qual o peso da esquerda na eleição para a presidência da Câmara
Guilherme Henrique
14 de dezembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h01)O ‘Nexo’ conversou com cientistas políticos sobre o papel dos partidos de oposição numa disputa que se organiza em torno da candidatura do centrão, apoiado por Bolsonaro, e o nome a ser escolhido por Maia
Sessão de votação na Câmara dos Deputados sendo presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ)
A eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, marcada para fevereiro de 2021, deve ter entre as duas principais candidaturas parlamentares de direita e centro-direita. A definição dos nomes, porém, também tem passado pornegociações com os partidos de esquerda que, pelo número de deputados, são vistos como um “ fiel da balança ” na disputa.
As possibilidades para as siglas do bloco que lidera a oposição ao presidente Jair Bolsonaro são apoiar um candidato da centro-direita, aderir ao nome da base do governo ou lançar um candidato próprio, mas o caminho ainda não está definido.
Para ser eleito em primeiro turno para presidente da Câmara, o candidato precisa ter a maioria absoluta dos votos, isto é, o apoio de 257 parlamentares. Caso isso não ocorra, os dois mais votados disputam o segundo turno. Se um empate ocorrer, assume o candidato mais velho.
As candidaturas ao comando da Casa ainda estão sendo definidas num arranjo de forças que envolve , por exemplo, negociações por cargos em comissões e troca de apoio. Um dos grupos a lançar um candidato é liderado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM -RJ), que tenta emplacar um sucessor após o Supremo Tribunal Federal barrar sua reeleição no início de dezembro.
A aliança é formada por DEM, MDB, PSDB, Cidadania e fragmentos de PSL e Progressistas. O bloco, que soma cerca de 159 votos, ainda não definiu um candidato, mas despontam como favoritos Baleia Rossi (MDB-SP), Elmar Nascimento (DEM-BA), Luciano Bivar (PSL-PE) e Aguinaldo Ribeiro ( Progressistas-PB).
Outro bloco é liderado pelo deputado Arthur Lira ( Progressistas-AL), candidato apoiado por Bolsonaro e principal articulador do centrão, grupo de deputados adeptos ao fisiologismo que hoje dá sustentação ao Planalto. Além de parte do PP, Lira tem votos de PL, PSD, Solidariedade, Avante, PSC, PTB, PROS e Patriota. O grupo conta com cerca de 171 votos.
O Republicanos retirou apoio ao grupo de Maia e pode lançar o deputado Marcos Pereira (SP), presidente nacional da sigla, em uma candidatura própria. Partidos como Rede, Novo e Podemos ainda não escolheram quem vão apoiar. Parlamentares desses partidos somam 51 votos.
Há ainda a possibilidade de surgirem candidatos menores e que não têm tração para angariar apoio significativo, o que pode levar a uma divisão maior dos votos. Essa fragmentação tende a diminuir em um eventual segundo turno.
Na esquerda, o bloco formado por PT, PSB, PDT, PCdoB e PSOL reúne 132 votos. Ou seja: ter o apoio de parlamentares da oposição será fundamental para que o grupo de Maia ou de Lira consiga vencer a disputa.
Segundo o jornal O Globo, em reportagem publicada na segunda-feira (14), Maia pretende conversar com deputados do PT e PCdoB antes de definirquem será o candidato do seu bloco . Lira também moldou o discurso e se afastou da retórica polarizada de Bolsonaro para tentar atrair deputados da esquerda.
PT
Ex-presidente nacional do PT e deputado federal, Rui Falcão (SP) criticou em uma postagem no Twitter a possibilidade de membros do partido votarem em Lira . Segundo o jornal O Globo, há uma divisão interna na legenda: alguns apoiam Maia, outros defendem o nome de Lira e há o núcleo que almeja uma candidatura própria.
PSB
A direção nacional decidiu vetar o apoio do partido ao nome de Lira após parlamentares da sigla cogitarem apoiá-lo. “Partido de oposição não pode apoiar candidato do governo”, disse o deputado Alessandro Molon (RJ) na sexta-feira (11). Apesar da resolução, a cúpula do partido não vai punir quem votar em Lira , por não se tratar de fechamento de questão. A sigla ainda não definiu se apoiará Maia ou vai integrar uma candidatura à esquerda.
PDT
O partido espera uma definição no bloco de Maia. Presidente nacional do partido, Carlos Lupi disse ao jornal O Globo no domingo (13) que já“ aguardou muito tempo ”. “Se Rodrigo Maia não definir esse nome logo, o PDT vai lançar a candidatura de Mário Heringer (MG)”, afirmou.
PSOL
A adesão do PDT ao bloco de Maia é criticada por deputados do PSOL, que defendem uma candidatura própria do partido ou alguém vinculado aos partidos de esquerda. Glauber Braga (RJ) disse no Twitter que a movimentação de alguns pedetistas é um ensaio para as eleições de 2022. “Priorizar aliança com Maia e DEM para reduzir danos? Nessa esparrela, não caio”, afirmou o deputado na quarta-feira (9).
PCdoB
O partido ainda não definiu o que vai fazer, mas alguns deputados defendem uma união entre os partidos de esquerda em torno de uma candidatura do bloco . Em entrevista ao UOL na terça-feira (8), Jandira Feghali (RJ) afirmou que esse “é o momento em que nós, da esquerda, temos força, e não podemos desperdiçar”.
O Nexo conversou com dois cientistas políticos sobre a disputa pela presidência da Câmara e qual o peso dos partidos de esquerda nessa definição.
Graziella Testa Acontece a partir da relação entre o Legislativo e o Executivo. O presidente da Câmara tem um cargo fundamental , porque ele define a pauta do plenário. Essa articulação do que vai para a pauta, em diálogo com o colégio de líderes das bancadas, precisa acontecer de forma que existam consensos e alguma produção do Legislativo.
Em um contexto como o nosso, em que boa parte do que é decidido no Congresso é iniciado pelo Executivo, esse apoio vai passar pela relação existente entre o presidente da Câmara e o presidente da República. Isso significa que os partidos e os parlamentares que são membros de siglas governistas vão estar preocupados em construir a coalizão e que a agenda do Executivo seja aprovada. Ao mesmo tempo, vão usar essa proximidade para ter mais acesso a recursos. Ter mais emenda parlamentar para os seus redutos eleitorais.
Na oposição, via de regra, lança-se um candidato próprio, mas também existem casos de apoio a candidatos que tenham algum consenso e que poderão abordar a pauta desse campo. A intenção é ter uma agenda a despeito do presidente. Agora, a forma como a esquerda está organizada hoje dificulta ter um nome próprio, inclusive numericamente. É preciso aguardar, portanto, para onde cada partido vai seguir ou se vai existir uma atuação em bloco.
Leon Victor de Queiroz Do ponto de vista do Executivo, certamente é a convicção de que o candidato à presidência da Câmara está disposto a encampar as medidas do governo e, em alguma medida, defender o presidente de eventuais problemas políticos. O presidente da Câmara é mais importante que qualquer ministro, porque um ministro é passível de demissão. O presidente da Câmara, não.
Os congressistas querem ter protagonismo político e também desejam ter influência em seus redutos eleitorais com a liberação de emendas parlamentares. Um candidato à presidência da Câmara precisa dialogar com essas vontades.
O candidato precisa ter um compromisso com essas pautas e os parlamentares levam isso em consideração. Por exemplo: os partidos de esquerda têm uma pauta e vão negociar. Temas ligados à saúde pública, ensino público. A direita está mais ligada em privatizações, menor participação do Estado.
Esses embates, que incluem também a distribuição dos cargos nas comissões, vão sendo colocados ao candidato e ele precisa dialogar, fazer articulações para buscar o lugar comum entre os diversos interesses.
Graziella Testa Uma das questões importantes em 2021 é a fragmentação partidária e ascensão que o presidente da Câmara tem nesses momentos. É o presidente que precisa dialogar com líderes dos partidos para votar projetos e decidir o que vai para o plenário. Em uma Câmara fragmentada como a nossa, com a participação de diversos partidos, a figura do presidente ganha relevância. Ele precisa resolver os problemas de ação coletiva.
Há também um fortalecimento dos partidos do centrão, que têm lideranças diferentes, mas que estão se unindo em torno da eleição para presidente da Casa. É um nome que vai concentrar muito recurso e muita prerrogativa se eleito, além da proximidade com o Executivo.
Na esquerda, algo que particulariza essa eleição de 2021 é que esses partidos estão em um momento de inflexão. Eles vão precisar decidir se vão construir projetos com partidos da centro-direita, mas denotam uma oposição ao governo Bolsonaro, ou se vão focar na agenda própria. Seria uma união entre centro-direita e esquerda que tornaria esse campo no Congresso mais forte contra o governo Bolsonaro.
Isso, de alguma forma, pode nos ajudar a entender quais são as possibilidades de isso acontecer em uma arena eleitoral mais ampla, como por exemplo nas eleições presidenciais de 2022.
Leon Victor de Queiroz Nós temos um governo que não avançou nas reformas. Fazer reformas são complexas, elas demandam um nível de articulação que envolva a presidência da República, ministros, deputados, senadores. A coordenação desses elementos é delicada, e o Planalto não avançou nesse sentido. A pandemia travou ainda mais esse processo, porque exigiu políticas públicas que não estavam previstas.
O governo vai conseguir avançar nas reformas? Vai conseguir passar a reforma tributária? Vai dialogar e fazer um trabalho articulado para isso? Não vejo esse processo sendo feito. O presidente da Casa vai precisar trabalhar no sentido de observar como o Executivo está planejando avançar com os temas que são do seu interesse e, ao mesmo tempo, criar pontes de contato com as siglas de oposição. Em um momento polarizado, isso fica cada vez mais difícil.
Isso significa que o próximo presidente da Câmara precisa vencer com uma ampla margem de votos, porque só assim ele poderá legislar dialogando com o governo e, ao mesmo tempo, conseguindo pautar temas que são de interesse dos partidos de esquerda. Isso demanda articulação.
É claro que essa maioria pode ser conquistada depois, mas ela exige um trabalho posterior. Muito provavelmente a esquerda estará nesse processo de articulação que vai acontecer com mais força depois da eleição, já que ela não tem maioria para lançar um candidato. Mas ainda assim conta com um bom número de deputados e tem peso na Câmara.
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
Navegue por temas