O alto potencial de transmissão de covid em festas e baladas
Camilo Rocha
28 de dezembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h03)De comemoração de Ano Novo em Mangaratiba a raves clandestinas, eventos reúnem centenas de pessoas pelo Brasil. Mesmo com tentativas de seguir protocolos, risco de contágio é grande
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Cena da pista de dança da casa noturna The Week, no Rio de Janeiro
Com mais de 190 mil mortos na pandemia de covid-19 e em meio a um repique do contágio, o Brasil vive um fim de ano marcado por eventos com aglomerações de centenas de pessoas, na contramão das recomendações de autoridades sanitárias e, algumas vezes, da lei local.
Um encontro em especial se tornou um dos assuntos mais comentados das redes. É a festa de cinco dias que o jogador de futebol Neymar Jr. estaria promovendo em Mangaratiba, litoral do estado do Rio de Janeiro. Na noite de segunda-feira (29) , a assessoria do jogador disse que “não existe festança na casa do Neymar” e que ele apenas foi convidado para uma festa da Agência Fábrica, produtora do evento.
Com início no sábado (26), a comemoração está programada para seguir até 1º de janeiro, sexta-feira. Segundo a imprensa, a festa receberia 500 convidados. O número foi corrigido para 150 posteriormente , em comunicado da Agência Fábrica, que não confirmou se a festa é de Neymar. Atrações musicais incluem os cantores Wesley Safadão, Ludmilla e Alexandre Pires. O uso de celulares durante o encontro estaria proibido.
Outra reunião que repercutiu foi a festa do humorista e influenciador digital Carlinhos Maia, realizada entre 24 e 25 de dezembro. Em um evento para centenas de pessoas em Penedo, Alagoas, artistas como Calcinha Preta e Dennis DJ fizeram apresentações. Depois da data, diversos funcionários e convidados teriam pegado covid-19, segundo o colunista Erlan Chaves, do site Observatório dos Famosos .
Em nota, Maia negou que os empregados tivessem pegado a doença. Declarou também que os trabalhadores usavam máscara e luvas no serviço. Em uma rede social, afirmou também que “aglomerar é errado do começo ao fim, mas não dá pra gente tapar os olhos para uma classe que não está trabalhando”.
A imprensa e as redes sociais trazem informações sobre dezenas de baladas e shows acontecendo pelo Brasil. Em Ribeirão Preto, a polícia e a Vigilância Sanitária interditaram no sábado (26) uma rave chamada Epidemia Trance. O nome do evento foi classificado como “deboche” pelo promotor de Justiça Wanderley Trindade. Para o representante do Ministério Público, a referência à pandemia na denominação do evento “agrava a pena, porque a pessoa está querendo confrontar os órgãos de fiscalização, um total desrespeito”.
Na madrugada de 26 de dezembro, a Polícia Militar de São Paulo fechou uma balada com mais de mil pessoas , o maior evento entre diversos flagrados pela fiscalização na mesma noite. Segundo os agentes, a maior parte das pessoas na balada não usava máscara. Na data, o estado de São Paulo se encontrava dentro da fase vermelha, de 25 a 27 de dezembro, a faixa mais restritiva do plano de combate ao coronavírus do governo estadual.
Carro de polícia em local onde seria realizada rave Epidemia Trance, em Ribeirão Preto
Segundo o Plano SP, estratégia do governo estadual para o enfrentamento da covid-19, festas e baladas estão vetadas em qualquer uma das fases, mesmo na mais branda, a verde.
Na segunda-feira (28), viralizou um vídeo da boate The Week, uma das maiores do Rio de Janeiro, onde se vê imagens de uma pista de dança dividida em cercadinhos, todos lotados e próximos uns dos outros. A cidade cancelou sua festa oficial de Réveillon e proibiu festas em quiosques na praia de Copacabana, mas liberou o funcionamento dos estabelecimentos na noite de Ano Novo.
No Nordeste, diversas localidades litorâneas que promovem concorridas festas de Réveillon tiveram boa parte de suas programações canceladas. Entre elas, estão Jericoacoara (CE), Carneiros (PE), São Miguel dos Milagres (AL) e Barra Grande, Itacaré e Trancoso (BA). Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) declarou que vai colocar a polícia para fiscalizar as entradas das cidades, que contam com estrutura insuficiente de atendimento médico.
Festas e baladas, assim como shows musicais, são eventos com alto potencial de transmissão da covid-19, segundo especialistas. Entram na categoria conhecida como “super spreader”, ou supertransmissores .
Ao longo da pandemia, cientistas se debruçaram sobre o fenômeno dos indivíduos ou eventos que têm um papel decisivo no espalhamento da doença.
Em maio de 2020, em Seul, capital da Coreia do Sul, um único homem foi considerado o responsável por infectar 102 pessoas em baladas. Segundo as autoridades de saúde locais, o indivíduo teria ido a cinco locais diferentes na mesma noite.
Profissionais atendem paciente com covid-19 em UTI do hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre
“Basta uma pessoa infectada para transmitir para várias outras, não precisa ter mais que um”, afirmou ao Nexo o infectologista Wladimir Queiroz, que é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Segundo o especialista, as pessoas contaminadas em um evento não transmitem para outras pessoas no mesmo dia. Devido ao tempo que leva para o vírus se replicar dentro do corpo, os novos infectados só conseguirão passá-lo para outros no espaço de alguns dias.
De acordo com o especialista, diversos fatores tornam um evento mais propício para a transmissão da covid-19, como número de pessoas, ventilação do ambiente, aderência ao uso de máscaras e distanciamento entre frequentadores.
Falar mais alto, um comportamento comum em locais cheios de gente, também contribui para a exposição viral. Uma análise publicada em 2019 na revista Nature afirmou que a emissão de partículas de saliva tende a subir conforme o volume da voz fica mais alto.
É possível então fazer um evento seguro, seguindo protocolos, como muitos promotores de festa alardeiam? Segundo Queiroz, mesmo que algumas regras consigam reduzir o risco, ele sempre existirá. Além do mais, de acordo com o especialista, é impossível fazer com que as pessoas mantenham a máscara a o distanciamento o tempo todo.
De acordo com o infectologista, as festas e baladas em dezembro devem contribuir para aumentar o número de casos a partir de janeiro de 2021 junto com diversas situações de aglomeração registradas no mesmo mês, incluindo aeroportos, rodoviárias, ruas comerciais e shopping centers.
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