7 pontos-chave para entender a nova variante do coronavírus
Estêvão Bertoni
05 de janeiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h53)Mutações fizeram vírus aumentar capacidade de contágio e levaram Reino Unido a adotar novo lockdown. Dois casos já foram identificados no Brasil
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Pessoas caminham perto da Tower Bridge, em Londres
Uma nova variante do novo coronavírus, descoberta em setembro de 2020 no Reino Unido, tem se espalhado mais rapidamente do que as demais, colocando as autoridades sanitárias em alerta devido ao risco de colapso dos sistemas de saúde e do aumento no número de mortes causadas pela covid-19. Até terça-feira (5), ela já tinha sido identificada em ao menos 30 países , incluindo o Brasil.
Como o objetivo de tentar conter a disseminação do vírus e evitar sobrecarga nos hospitais, o Reino Unido anunciou na segunda-feira (4) um novo lockdown no país , o terceiro desde o início da pandemia. Os britânicos estão impedidos de sair de casa — a não ser para exercer atividades essenciais como ir ao mercado.
No dia em que endureceu as restrições de circulação da população, o país bateu recorde de casos de covid-19 em 24 horas: 58.784. Mais de 50% das novas infecções são causadas pela B.1.1.7, como foi batizada a variante. Desde o final de dezembro, cerca de 40 países decidiram suspender o fluxo de voos com o Reino Unido na tentativa de barrar a entrada do vírus. Os voos para o Brasil foram suspensos no Natal .
Na segunda-feira (4), o governo de São Paulo confirmou dois casos da nova variante no estado. Um deles é o de uma moradora da cidade de São Paulo de 25 anos que teve contato com pessoas que viajaram para o Reino Unido. Ela recebeu o diagnóstico de covid-19 em 22 de dezembro, após apresentar os sintomas da doença. O outro infectado é um homem de 34 anos, mas os detalhes do seu caso ainda estão sob investigação.
A seguir, o Nexo lista sete pontos-chaves para entender a nova variante do coronavírus.
As mutações fazem parte da evolução natural das epidemias virais, e acontecem principalmente nos vírus de RNA, como os coronavírus. Os vírus invadem as células para poder se multiplicar no organismo e, durante o processo de cópia, podem acontecer erros que alteram as “letras” do código genético. Quando há uma quantidade significativa de mutações, surgem novas cepas, ou seja, grupos de microrganismos da mesma espécie mas com características genéticas distintas. Os termos linhagens ou estirpes são usados como sinônimos para cepas. Os resultados dessas mutações são imprevisíveis: os vírus podem tanto se fortalecer e, assim, sobreviver melhor, quanto se enfraquecer. Essas variantes ocorridas ao longo do tempo são, portanto, esperadas.
Embora as mutações do novo coronavírus ocorram de maneira mais lenta do que o observado em outros tipos de vírus, como o da gripe comum, há muitas variantes do Sars-CoV-2, que causa a covid-19, em circulação no mundo. Em junho, pesquisadores americanos identificaram uma alteração que aumentou o número de espinhos da “coroa” que reveste o coronavírus, o que poderia, em tese, potencializar a capacidade de infecção, já que são essas as estruturas usadas pelo vírus para se conectar e invadir as células, mas isso não foi comprovado. Em outubro, outra variação surgida na Espanha espalhou-se rapidamente pela Europa durante as férias de verão — não por ser mais contagiosa, mas devido ao relaxamento das quarentenas. Não havia evidências de que essas variantes tenham causado quadros mais graves de infecção.
A variante B.1.1.7 surgiu em setembro, mas passou a chamar a atenção das autoridades britânicas em dezembro. Ao mapear seu genoma, pesquisadores identificaram 23 mutações, número considerado pouco usual. As mudanças ocorreram principalmente na proteína de espinhos que reveste o vírus, chamada de proteína S (ou spike). Pesquisadores do Imperial College, de Londres, estimaram com base em dados epidemiológicos que essa variante tem uma capacidade de 50% a 70% maior de ser transmitida em comparação às outras. Estudos em laboratório ainda estão sendo feitos para confirmar a maior capacidade de contágio. Mas os resultados práticos apontam para ela – a pandemia se acelerou muito mais no Reino Unido do que no Brasil, por exemplo. Na segunda-feira (4), o país europeu registrou 88 novos casos de covid-19 para cada 100 mil habitantes, enquanto o Brasil teve apenas nove (em relação à mesma proporção). Os números levaram o governo britânico a decretar novo bloqueio do país.
Especialistas ainda tentam descobrir os motivos para isso. Segundo pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, um dos fatores que tornam o vírus mais transmissível está na capacidade da proteína de espinhos (que forma a estrutura de coroa que reveste o novo coronavírus) de estabelecer uma maior força de interação com o receptor ACE2, encontrado na superfície das células humanas e com o qual o Sars-CoV-2 se liga. O aumento na força dessa interação da nova variante com as células humanas foi causada por uma mutação específica na proteína que reveste o novo coronavírus.
Não há evidências, por enquanto, de que a nova variante cause sintomas mais graves da covid-19. A maior capacidade de transmissão, porém, é vista como algo preocupante em termos de saúde pública, já que um maior contágio poderia levar a um aumento exponencial de casos de infecção, lotando hospitais e causando ainda mais mortes. Na África do Sul, outra mutação ocorrida em outubro de forma isolada da identificada no Reino Unido, mas com algumas alterações genéticas também encontradas no B.1.1.7, gerou uma variante que também se espalha rapidamente, mas com uma carga viral maior — o que está associado em infecções virais ao aparecimento de sintomas mais graves.
Apesar de dois casos terem sido identificados em São Paulo no começo de janeiro, ainda não há dados que mostrem que a variante esteja circulando no Brasil. Uma portaria do governo federal de dezembro determinou que, para entrar no país a partir de agora, todos os passageiros de procedência internacional devem apresentar o resultado negativo de testes do tipo PCR. Todos os viajantes que passaram pelo Reino Unido duas semanas antes de chegarem ao Brasil por outros voos que não os diretos deverão ficar em quarentena por 14 dias . A transmissão, qualquer que seja a variante do vírus, ocorre da mesma forma: por meio de gotículas de salivas ou partículas suspensas no ar. Portanto, as recomendações continuam sendo as de manter o distanciamento social, evitar aglomerações (especialmente em lugares fechados), usar máscaras e lavar as mãos com frequência.
Pesquisas ainda estão sendo feitas para determinar se haverá impacto nas vacinas que estão sendo desenvolvidas e usadas de forma emergencial nos países. Muitos cientistas acreditam que as mutações não devem interferir na eficácia, porque os imunizantes enganam o sistema imune forçando a produzir uma variedade de anticorpos que torna difícil para o vírus escapar do sistema de defesa do organismo. O que pode mudar é a estratégia de vacinação, como vem ocorrendo no Reino Unido, devido à gravidade da crise sanitária. Como ainda há uma quantidade limitada de vacinas, o país cancelou a aplicação da segunda dose para aumentar o número de pessoas que receberá a primeira. O objetivo é ter um grupo maior de pessoas imunizadas (mesmo que com uma dose só) para tentar conter a disseminação do vírus.
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