Expresso

Enem da pandemia: alta abstenção e estudantes barrados

Cesar Gaglioni

18 de janeiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h54)

Primeiro dia do exame teve mais da metade dos inscritos ausentes. Em quatro estados, candidatos que chegaram no horário acabaram impedidos de fazer a prova por causa da capacidade das salas

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FOTO: ANDRÉ COELHO/GETTY IMAGES

Estudante conferindo prova na saída do Enem 2020. Uma mulher branca, cabelos negros, usa máscara e observa atentamente um pedaço de papel

Estudante conferindo prova na saída do Enem 2020

Marcado por incertezas, adiamentos e disputas judiciais, a primeira parte do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 foi aplicada no domingo (17) e registrou registrou o maior número de abstenções desde sua origem, em 1998.

Diante do agravamento da pandemia da covid-19, 51,5% dos 5,8 milhões de inscritos não compareceram ao local de realização. São Paulo foi o estado que mais registrou ausentes: acima de 475 mil, o equivalente a 54% dos inscritos. Na segunda e na terceira, em números absolutos, ficaram Bahia (226 mil) e Pará (166 mil).

Desse total, cerca de 8.000 faltaram por apresentarem sintomas de doenças contagiosas. Eles poderão realizar uma nova prova nos dias 23 e 24 de fevereiro.

À falta de quorum, houve um problema logístico em quatro estados: alunos barrados poucos minutos antes do início da prova. Quando esses candidatos chegaram ao local, mesmo dentro do horário, foram impedidos de fazer a prova porque a capacidade máxima das salas já tinha sido atingida.

A promessa é de que esses inscritos poderão realizar o Enem também nas datas reservadas em fevereiro, mas, como não receberam nenhum documento ou comprovante nesse sentido, há preocupação sobre como o estudante vai provar que estava lá no dia e hora marcado, diante da possibilidade do surgimento de algum problema nos registros dos inscritos.

O Ministério da Educação admitiu que a prova contou com uma série de entraves , que serão averiguados. “No meio dessa pandemia houve alguns ruídos”, afirmou o ministro Milton Ribeiro, durante visita a um colégio de Goiânia nos momentos finais da aplicação da prova.

A aplicação da segunda parte do Enem 2020 está marcada para o dia 24 de janeiro. Uma versão digital do exame será realizada nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro, com cerca de 96 mil alunos das 26 capitais somadas ao Distrito Federal.

Os alunos barrados

Em 11 locais de prova, divididos entre os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, alunos foram barrados pouco antes do início do exame sob a justificativa de que as salas tinham atingido sua lotação máxima.

Dada a pandemia, as salas que abrigaram o Enem podiam operar com até 50% de sua capacidade, com o objetivo de diminuir os riscos de contágio, já que tratam-se de ambientes fechados, onde algumas dezenas de pessoas ficariam aglomeradas por longas horas.

No entanto, o Ministério não garantiu as condições necessárias para a aplicação. Na véspera da prova, a Defensoria Pública da União entrou com um pedido na Justiça federal para tentar barrar o Enem, alegando que a organização do exame mentiu ao dizer que garantiria a lotação reduzida, já que locais como a Universidade Federal de Santa Catarina contava com salas que operariam em 80% de sua capacidade. A tentativa foi infrutífera.

“Cheguei super cedo no lugar mas quando entrei na fila para entrar me disseram que não tinha lugar para todo mundo na sala”, disse ao G1 a estudante gaúcha Tayná Bampi, de 21 anos, impedida de realizar o Enem em Porto Alegre.

“Eu estava na fila para entrar na sala, e quando chegou a minha vez, me falaram que tinham atingido o limite”, afirmou, também ao G1, a estudante paranaense Mariana Ribeiro, de 25 anos, que tentou fazer o Enem em Curitiba.

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), autarquia ligada ao Ministério da Educação e organizador da prova não tinha divulgado o número exato de alunos barrados até a manhã do dia 18 de janeiro.

Os alunos não receberam nenhum comprovante que relatasse o que aconteceu, e temem que surja algum problema nos registros do Inep que impeça-os de realizar a prova nos dias 23 e 24 de fevereiro. Segundo relatos, o único controle feito diante do ocorrido foi a anotação dos nomes dos candidatos em papéis separados.

O posicionamento do governo após a prova

Por meio de nota, o Inep afirmou ao Nexo que nenhum dos alunos barrados será prejudicado, e que todos poderão realizar o Enem em fevereiro. Ainda não se sabe como o órgão vai diferenciar aqueles que foram barrados daqueles que, por algum motivo, perderam o horário da prova.

No domingo (17), o ministro da Educação afirmou que o medo da contaminação pela covid-19 explica a abstenção histórica. Além disso, afirmou que a imprensa contribuiu para a falta de quórum. “Este ano tivemos uma abstenção maior, parte pela dureza e a questão do medo da contaminação, parte por um trabalho de mídia contrário ao Enem”, disse a jornalistas durante a visita.

Desde o primeiro anúncio de que o exame seria realizado independentemente da pandemia, a imprensa vem informando a população de que a decisão ia na contramão de falas de especialistas da área sanitária .

O ministro Milton Ribeiro disse que o Enem 2020 foi marcado por “alguns ruídos” acerca da realização ou não da prova, mas que acredita que, em termos gerais, o saldo do exame foi positivo.

Segundo o Inep, ainda é necessário investigar mais a fundo os motivos pelos quais o Enem registrou abstenção histórica, mas que alguns deles já estão claros.

Com os efeitos econômicos da pandemia, o Inep flexibilizou as regras que previam a isenção do pagamento da taxa de inscrição, de R$ 85, o que resultou em menos pagantes.

Para Alexandre Lopes, presidente do Inep, as mudanças podem ter sido uma das razões para a ausência de 51,% dos inscritos, aliadas ao medo do contágio.

“No Enem deste ano tivemos recorde de participação de não pagantes, que chegou a 70% ou 80%. A média do ano passado foi de cerca de 50%. Esse incentivo dado para a inscrição, com a isenção de ofício, pode ter levado a aumento significativo de inscrições. São estudos que faremos depois”, afirmou. Segundo ele, o pagamento da taxa é um incentivo a mais para garantir a presença do candidato.

O Enem 2020 foi o segundo sob o governo do presidente Jair Bolsonaro. O primeiro, em 2019, também foi marcado por problemas , com o principal sendo um problema na gráfica que imprimiu a prova, resultando em erros na contagem de notas de cerca de 6.000 candidatos.

As reaplicações da prova

Nas 56 cidades do Amazonas – estado que passa por um colapso em seu sistema de saúde – e em dois municípios de Rondônia (Espigão D’Oeste e Rolim de Moura), que apresentam alta nos casos e mortes de covid-19, a primeira parte do Enem não foi realizada no domingo (17).

A previsão é que nesses lugares a prova seja aplicada nos dias 23 e 24 de fevereiro, data em que os barrados e os ausentes por doença também poderão realizar o exame.

Perdi o Enem, e agora?

Como solicitar a reaplicação da prova?

Aqueles que moram em um dos 56 municípios do Amazonas ou em Espigão D’Oeste e Rolim de Moura, em Rondônia, não precisam solicitar a reaplicação do Enem 2020, já que o registro será feito automaticamente. Para aqueles que não compareceram na prova por apresentarem sintomas de doenças infecciosas (covid-19, varicela, rubéola, sarampo, gripe, poliomielite, varíola, meningite, difteria, coqueluche e infecção pelo vírusHaemophilus influenzae), a solicitação da reaplicação poderá ser feita no site do Inep . Não se sabe como o órgão diferenciará aqueles que estavam doentes de outros que simplesmente perderam o horário da prova.

Qual o prazo para solicitar a reaplicação?

As solicitações para a reaplicação da prova poderão ser feitas entre os dias 25 e 29 de janeiro.

Quais documentos preciso enviar ao Inep?

No momento da solicitação, o candidato deverá enviar um documento que apresente seu nome completo e foto. Também será necessário apresentar um laudo médico que comprove quadro de doença infecciosa entre os dias 11 e 24 de janeiro. O arquivo precisa estar em formato PDF, PNG ou JPG. Até a tarde de 18 de janeiro, o Inep não tinha esclarecido quais documentos os barrados teriam de enviar.

Um Enem de disputas e incertezas

A pressão para o adiamento das provas que geralmente ocorrem em novembro começou no fim de março de 2020, mês em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a pandemia de covid-19. Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que a data da prova seria mantida e que todos os alunos teriam condições iguais de realizar o exame.

“O coronavírus atrapalha um pouco, mas atrapalha todo mundo. Como é uma competição, tá justo”, disse. Em seguida, o MEC lançou uma campanha publicitária em que reafirmava que o exame ocorreria em 2020. Em uma das propagandas, jovens falavam: “estude, de qualquer lugar, de diferentes formas. As provas serão no final do ano. Até lá, estude”.

A campanha foi ridicularizada nas redes sociais, com estudantes questionando o MEC sobre o aumento da desigualdade na educação. A resistência da pasta em postergar o Enem apesar de alertas de especialistas sobre o perigo de contágio seguia a cartilha do governo de minimizar a gravidade da pandemia.

Somente em maio, contra sua vontade, Weintraub confirmou o adiamento da prova após pressão social. Na época, o MEC fez uma enquete para os concorrentes decidirem a nova data do exame. Durante a sondagem, a pasta da educação ficou à deriva. Em junho, Weintraub foi demitido. Em seguida, Carlos Alberto Decotelli, que assumiu em seu lugar, pediu demissão após ficar menos de uma semana no cargo.

Em julho, o resultado da enquete apontou que a maioria dos estudantes escolheu que a prova fosse realizada em maio de 2021, em detrimento das outras opções que eram dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Apesar disso, o MEC resolveu marcar o Enem para janeiro, sem apresentar argumentos ou dados epidemiológicos para corroborar a escolha. Dias depois de anunciar a data, o novo ministro, Milton Ribeiro, assumiu o ministério e ficou encarregado da realização da prova.

Nos meses que antecederam a realização da prova, a posição do Ministério da Educação e do Inep foi a mesma: o Enem deveria ser mantido e não seria adiado de novo, mesmo com a alta no número de casos e mortes pela covid-19 em todo o Brasil.

Na terça-feira (12), a Justiça Federal de São Paulo rejeitou o pedido da DPU (Defensoria Pública da União) para postergar o exame. A juíza Maria Claudia Gonçalves Cucio defendeu a decisão afirmando que o adiamento causaria “certamente prejuízos financeiros” e prejudicaria a formação acadêmica dos participantes. A defensoria recorreu, mas o tribunal manteve a decisão.

Na sexta-feira (15), vereadores protocolaram ações nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, Aracaju e Recife pedindo o adiamento da prova até que fossem “garantidas condições sanitárias adequadas e seguras para não alavancar o contágio pelo novo coronavírus em seus municípios e regiões”.

No Distrito Federal, o Ministério Público Federal enviou ofício ao Ministério da Educação e ao Inep na quinta-feira (14) pedindo para que os órgãos avaliem a alteração das datas do exame na capital. Nenhuma dessas iniciativas obteve êxito.

O aumento da desigualdade

O aumento na desigualdade da educação foi singular em 2020, ano marcado pela defasagem educacional causada pela pandemia. Cerca de 48 milhões de estudantes foram obrigados a estudar em casa, sendo que 81% deles são de escolas públicas. A desigualdade de acesso à internet fez com que parte desses alunos não conseguissem acompanhar as aulas oferecidas a distância.

No documento em que pedia o adiamento do Enem, a Defensoria Pública da União ressaltou que o exame existe para reduzir a desigualdade do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar essa desigualdade.

O Ministério da Educação, no entanto, afirmou que um novo adiamento poderia prejudicar o calendário letivo das faculdades e os candidatos que se preparam durante o ano todo.

Os temas do Enem de 2020/2021

No domingo (17), o Enem aplicou a prova que avalia o conhecimento dos inscritos em linguagens e ciências humanas, além de propor a elaboração de uma redação argumentativa.

A redação teve como tema “o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” . A partir dessa proposta e de textos de apoio, os candidatos precisavam criar um texto defendendo um ponto de vista dentro da discussão.

Na prova de múltipla escolha, o Enem apresentou questões sobre temas como a Revolução Francesa, a independência dos Estados Unidos e as reformas macroeconômicas do governo de Fernando Henrique Cardoso.

No dia 24 de janeiro, o Enem vai avaliar o conhecimento dos candidatos em matemática e outras ciências da natureza.

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