Enem da pandemia: alta abstenção e estudantes barrados
Cesar Gaglioni
18 de janeiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h54)Primeiro dia do exame teve mais da metade dos inscritos ausentes. Em quatro estados, candidatos que chegaram no horário acabaram impedidos de fazer a prova por causa da capacidade das salas
Estudante conferindo prova na saída do Enem 2020
Marcado por incertezas, adiamentos e disputas judiciais, a primeira parte do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 foi aplicada no domingo (17) e registrou registrou o maior número de abstenções desde sua origem, em 1998.
Diante do agravamento da pandemia da covid-19, 51,5% dos 5,8 milhões de inscritos não compareceram ao local de realização. São Paulo foi o estado que mais registrou ausentes: acima de 475 mil, o equivalente a 54% dos inscritos. Na segunda e na terceira, em números absolutos, ficaram Bahia (226 mil) e Pará (166 mil).
Desse total, cerca de 8.000 faltaram por apresentarem sintomas de doenças contagiosas. Eles poderão realizar uma nova prova nos dias 23 e 24 de fevereiro.
À falta de quorum, houve um problema logístico em quatro estados: alunos barrados poucos minutos antes do início da prova. Quando esses candidatos chegaram ao local, mesmo dentro do horário, foram impedidos de fazer a prova porque a capacidade máxima das salas já tinha sido atingida.
A promessa é de que esses inscritos poderão realizar o Enem também nas datas reservadas em fevereiro, mas, como não receberam nenhum documento ou comprovante nesse sentido, há preocupação sobre como o estudante vai provar que estava lá no dia e hora marcado, diante da possibilidade do surgimento de algum problema nos registros dos inscritos.
O Ministério da Educação admitiu que a prova contou com uma série de entraves , que serão averiguados. “No meio dessa pandemia houve alguns ruídos”, afirmou o ministro Milton Ribeiro, durante visita a um colégio de Goiânia nos momentos finais da aplicação da prova.
A aplicação da segunda parte do Enem 2020 está marcada para o dia 24 de janeiro. Uma versão digital do exame será realizada nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro, com cerca de 96 mil alunos das 26 capitais somadas ao Distrito Federal.
Em 11 locais de prova, divididos entre os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, alunos foram barrados pouco antes do início do exame sob a justificativa de que as salas tinham atingido sua lotação máxima.
Dada a pandemia, as salas que abrigaram o Enem podiam operar com até 50% de sua capacidade, com o objetivo de diminuir os riscos de contágio, já que tratam-se de ambientes fechados, onde algumas dezenas de pessoas ficariam aglomeradas por longas horas.
No entanto, o Ministério não garantiu as condições necessárias para a aplicação. Na véspera da prova, a Defensoria Pública da União entrou com um pedido na Justiça federal para tentar barrar o Enem, alegando que a organização do exame mentiu ao dizer que garantiria a lotação reduzida, já que locais como a Universidade Federal de Santa Catarina contava com salas que operariam em 80% de sua capacidade. A tentativa foi infrutífera.
“Cheguei super cedo no lugar mas quando entrei na fila para entrar me disseram que não tinha lugar para todo mundo na sala”, disse ao G1 a estudante gaúcha Tayná Bampi, de 21 anos, impedida de realizar o Enem em Porto Alegre.
“Eu estava na fila para entrar na sala, e quando chegou a minha vez, me falaram que tinham atingido o limite”, afirmou, também ao G1, a estudante paranaense Mariana Ribeiro, de 25 anos, que tentou fazer o Enem em Curitiba.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), autarquia ligada ao Ministério da Educação e organizador da prova não tinha divulgado o número exato de alunos barrados até a manhã do dia 18 de janeiro.
Os alunos não receberam nenhum comprovante que relatasse o que aconteceu, e temem que surja algum problema nos registros do Inep que impeça-os de realizar a prova nos dias 23 e 24 de fevereiro. Segundo relatos, o único controle feito diante do ocorrido foi a anotação dos nomes dos candidatos em papéis separados.
Por meio de nota, o Inep afirmou ao Nexo que nenhum dos alunos barrados será prejudicado, e que todos poderão realizar o Enem em fevereiro. Ainda não se sabe como o órgão vai diferenciar aqueles que foram barrados daqueles que, por algum motivo, perderam o horário da prova.
No domingo (17), o ministro da Educação afirmou que o medo da contaminação pela covid-19 explica a abstenção histórica. Além disso, afirmou que a imprensa contribuiu para a falta de quórum. “Este ano tivemos uma abstenção maior, parte pela dureza e a questão do medo da contaminação, parte por um trabalho de mídia contrário ao Enem”, disse a jornalistas durante a visita.
Desde o primeiro anúncio de que o exame seria realizado independentemente da pandemia, a imprensa vem informando a população de que a decisão ia na contramão de falas de especialistas da área sanitária .
O ministro Milton Ribeiro disse que o Enem 2020 foi marcado por “alguns ruídos” acerca da realização ou não da prova, mas que acredita que, em termos gerais, o saldo do exame foi positivo.
Segundo o Inep, ainda é necessário investigar mais a fundo os motivos pelos quais o Enem registrou abstenção histórica, mas que alguns deles já estão claros.
Com os efeitos econômicos da pandemia, o Inep flexibilizou as regras que previam a isenção do pagamento da taxa de inscrição, de R$ 85, o que resultou em menos pagantes.
Para Alexandre Lopes, presidente do Inep, as mudanças podem ter sido uma das razões para a ausência de 51,% dos inscritos, aliadas ao medo do contágio.
“No Enem deste ano tivemos recorde de participação de não pagantes, que chegou a 70% ou 80%. A média do ano passado foi de cerca de 50%. Esse incentivo dado para a inscrição, com a isenção de ofício, pode ter levado a aumento significativo de inscrições. São estudos que faremos depois”, afirmou. Segundo ele, o pagamento da taxa é um incentivo a mais para garantir a presença do candidato.
O Enem 2020 foi o segundo sob o governo do presidente Jair Bolsonaro. O primeiro, em 2019, também foi marcado por problemas , com o principal sendo um problema na gráfica que imprimiu a prova, resultando em erros na contagem de notas de cerca de 6.000 candidatos.
Nas 56 cidades do Amazonas – estado que passa por um colapso em seu sistema de saúde – e em dois municípios de Rondônia (Espigão D’Oeste e Rolim de Moura), que apresentam alta nos casos e mortes de covid-19, a primeira parte do Enem não foi realizada no domingo (17).
A previsão é que nesses lugares a prova seja aplicada nos dias 23 e 24 de fevereiro, data em que os barrados e os ausentes por doença também poderão realizar o exame.
Como solicitar a reaplicação da prova?
Aqueles que moram em um dos 56 municípios do Amazonas ou em Espigão D’Oeste e Rolim de Moura, em Rondônia, não precisam solicitar a reaplicação do Enem 2020, já que o registro será feito automaticamente. Para aqueles que não compareceram na prova por apresentarem sintomas de doenças infecciosas (covid-19, varicela, rubéola, sarampo, gripe, poliomielite, varíola, meningite, difteria, coqueluche e infecção pelo vírusHaemophilus influenzae), a solicitação da reaplicação poderá ser feita no site do Inep . Não se sabe como o órgão diferenciará aqueles que estavam doentes de outros que simplesmente perderam o horário da prova.
Qual o prazo para solicitar a reaplicação?
As solicitações para a reaplicação da prova poderão ser feitas entre os dias 25 e 29 de janeiro.
Quais documentos preciso enviar ao Inep?
No momento da solicitação, o candidato deverá enviar um documento que apresente seu nome completo e foto. Também será necessário apresentar um laudo médico que comprove quadro de doença infecciosa entre os dias 11 e 24 de janeiro. O arquivo precisa estar em formato PDF, PNG ou JPG. Até a tarde de 18 de janeiro, o Inep não tinha esclarecido quais documentos os barrados teriam de enviar.
A pressão para o adiamento das provas que geralmente ocorrem em novembro começou no fim de março de 2020, mês em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a pandemia de covid-19. Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que a data da prova seria mantida e que todos os alunos teriam condições iguais de realizar o exame.
“O coronavírus atrapalha um pouco, mas atrapalha todo mundo. Como é uma competição, tá justo”, disse. Em seguida, o MEC lançou uma campanha publicitária em que reafirmava que o exame ocorreria em 2020. Em uma das propagandas, jovens falavam: “estude, de qualquer lugar, de diferentes formas. As provas serão no final do ano. Até lá, estude”.
A campanha foi ridicularizada nas redes sociais, com estudantes questionando o MEC sobre o aumento da desigualdade na educação. A resistência da pasta em postergar o Enem apesar de alertas de especialistas sobre o perigo de contágio seguia a cartilha do governo de minimizar a gravidade da pandemia.
Somente em maio, contra sua vontade, Weintraub confirmou o adiamento da prova após pressão social. Na época, o MEC fez uma enquete para os concorrentes decidirem a nova data do exame. Durante a sondagem, a pasta da educação ficou à deriva. Em junho, Weintraub foi demitido. Em seguida, Carlos Alberto Decotelli, que assumiu em seu lugar, pediu demissão após ficar menos de uma semana no cargo.
Em julho, o resultado da enquete apontou que a maioria dos estudantes escolheu que a prova fosse realizada em maio de 2021, em detrimento das outras opções que eram dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Apesar disso, o MEC resolveu marcar o Enem para janeiro, sem apresentar argumentos ou dados epidemiológicos para corroborar a escolha. Dias depois de anunciar a data, o novo ministro, Milton Ribeiro, assumiu o ministério e ficou encarregado da realização da prova.
Nos meses que antecederam a realização da prova, a posição do Ministério da Educação e do Inep foi a mesma: o Enem deveria ser mantido e não seria adiado de novo, mesmo com a alta no número de casos e mortes pela covid-19 em todo o Brasil.
Na terça-feira (12), a Justiça Federal de São Paulo rejeitou o pedido da DPU (Defensoria Pública da União) para postergar o exame. A juíza Maria Claudia Gonçalves Cucio defendeu a decisão afirmando que o adiamento causaria “certamente prejuízos financeiros” e prejudicaria a formação acadêmica dos participantes. A defensoria recorreu, mas o tribunal manteve a decisão.
Na sexta-feira (15), vereadores protocolaram ações nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, Aracaju e Recife pedindo o adiamento da prova até que fossem “garantidas condições sanitárias adequadas e seguras para não alavancar o contágio pelo novo coronavírus em seus municípios e regiões”.
No Distrito Federal, o Ministério Público Federal enviou ofício ao Ministério da Educação e ao Inep na quinta-feira (14) pedindo para que os órgãos avaliem a alteração das datas do exame na capital. Nenhuma dessas iniciativas obteve êxito.
O aumento na desigualdade da educação foi singular em 2020, ano marcado pela defasagem educacional causada pela pandemia. Cerca de 48 milhões de estudantes foram obrigados a estudar em casa, sendo que 81% deles são de escolas públicas. A desigualdade de acesso à internet fez com que parte desses alunos não conseguissem acompanhar as aulas oferecidas a distância.
No documento em que pedia o adiamento do Enem, a Defensoria Pública da União ressaltou que o exame existe para reduzir a desigualdade do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar essa desigualdade.
O Ministério da Educação, no entanto, afirmou que um novo adiamento poderia prejudicar o calendário letivo das faculdades e os candidatos que se preparam durante o ano todo.
No domingo (17), o Enem aplicou a prova que avalia o conhecimento dos inscritos em linguagens e ciências humanas, além de propor a elaboração de uma redação argumentativa.
A redação teve como tema “o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” . A partir dessa proposta e de textos de apoio, os candidatos precisavam criar um texto defendendo um ponto de vista dentro da discussão.
Na prova de múltipla escolha, o Enem apresentou questões sobre temas como a Revolução Francesa, a independência dos Estados Unidos e as reformas macroeconômicas do governo de Fernando Henrique Cardoso.
No dia 24 de janeiro, o Enem vai avaliar o conhecimento dos candidatos em matemática e outras ciências da natureza.
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