Quais as investigações contra o governo para além da CPI da Covid
Estêvão Bertoni
18 de abril de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h04)Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal miram ações e omissões do Ministério da Saúde. Presidente é alvo apenas de procedimentos preliminares
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Então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello participa de entrevista em Brasília, em março
Aberta na terça-feira (13) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), após determinação do Supremo, a CPI da Covid vai investigar as ações e omissões do governo Jair Bolsonaro na pandemia, assim como os repasses federais a estados e municípios.
Com poder de polícia, comissões parlamentares de inquérito têm potencial de minar politicamente o governo. Seu relatório final, após a conclusão dos trabalhos, pode ser usado também juridicamente, ao ser encaminhado para o Ministério Público para eventuais providências.
Para além da CPI da Covid, cujo funcionamento ainda não começou e cuja duração é de 90 dias prorrogáveis, o governo federal já é alvo de outras frentes de investigação. Abaixo, o Nexo lista as principais delas e mostra em que fase estão.
Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, deve se tornar um dos principais focos da CPI da Covid no Senado. O general da ativa esteve à frente do combate à pandemia por dez meses, de maio de 2020 a março de 2021. Quando assumiu, o Brasil tinha 14.817 mortos pela doença. Ao deixar o cargo, o número era de 279.286.
No final de janeiro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, que é alinhado ao governo Bolsonaro e vinha sendo pressionado a endurecer as fiscalizações das ações do governo federal em relação à crise sanitária, determinou a abertura de um inquérito para investigar o então ministro da Saúde por sua atuação em Manaus.Bolsonaro virou alvo apenas de procedimentos preliminares que pouco andaram.
O general deixou o cargo de ministro em 15 de março, perdeu o foro privilegiado, e o ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski, enviou o caso para a primeira instância — com isso, o caso também deixou de ser atribuição da Procuradoria-Geral da República.
Na quarta-feira (14), o Ministério Público Federal no Amazonas moveu uma ação por improbidade administrativa contra o ex-ministro e outros cinco integrantes do Ministério da Saúde por omissão na crise sanitária no estado. A ação diz que a pasta retardou ações, não supervisionou o fornecimento de oxigênio antes do colapso em 14 de janeiro em Manaus e divulgou um suposto “tratamento precoce” com remédios ineficazes.
Pazuello, mesmo fora do governo, será defendido pelo advogado-geral da União, André Mendonça. Uma lei de 1995 permite que a AGU (Advocacia-Geral da União) represente judicialmente autoridades pelos atos praticados durante a gestão, mesmo após deixarem os cargos.
Falta de oxigênio
A ação movida pelo Ministério Público Federal mostra que o governo foi avisado em 7 de janeiro pela Secretaria de Saúde do Amazonas de que a fabricante de oxigênio White Martins estava com dificuldades de atender a demanda no estado. Mesmo alertado do problema, o governo federal só procurou outros três fornecedores para comprar o insumo uma semana depois do aviso, quando a crise estourou.
Lentidão nas ações
Ainda no final de dezembro de 2020, o governo do Amazonas relatou ao Ministério da Saúde um aumento súbito de internações por covid-19 logo após o Natal. Apenas em 4 de janeiro uma equipe da pasta se reuniu com representantes do estado e da prefeitura de Manaus para discutir a situação. No encontro, o governo federal foi alertado sobre um possível colapso no sistema de saúde entre 11 e 15 de janeiro. Os governos locais também falaram das dificuldades de comprar insumos hospitalares, contratar profissionais de saúde e da necessidade de abrir novos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Aposta em tratamentos ineficazes
Uma das ações do Ministério da Saúde no Amazonas foi incentivar o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19. O órgão lançou no começo de janeiro o aplicativo TrateCov, de uso exclusivo de médicos. A iniciativa indicava o uso de remédios como a hidroxicloroquina. Segundo o Ministério Público Federal, o governo enviou 120 mil comprimidos da substância ao estado em 14 de janeiro, quando houve o colapso hospitalar por falta de oxigênio. Equipes da pasta visitaram 13 unidades de saúde entre 11 e 12 de janeiro para difundir o chamado “tratamento precoce” contra a doença, que não existe.
Transferência de pacientes
O Ministério da Saúde e o governo do Amazonas também trataram da possibilidade de transferência de pacientes para outros estados numa reunião em 12 de janeiro. O órgão federal decidiu, porém, que isso só ocorreria em situação “extremamente crítica”. Apenas em 14 de janeiro, quando surgiram os relatos de mortes de pessoas sem oxigênio, o ministério consultou a disponibilidade de vagas em hospitais federais para realocar pacientes, e as transferências só foram feitas no dia seguinte.
Outro complicador para o ex-ministro é um relatório produzido pelo TCU (Tribunal de Contas da União), cujo conteúdo foi divulgado pelo jornal O Globo na quinta-feira (15). Um dos pontos levantados no documento foi uma alteração feita pela pasta no final de 2020 no Plano de Contingência Nacional para Infecção pela Covid-19.
A alteração no texto excluiu a responsabilidade do governo federal em garantir os insumos para testar e diagnosticar doentes e para abastecer os estoques de medicamentos. Com a mudança, o ministério iria apenas “subsidiar a rede laboratorial quanto aos insumos” ou dar apoio nos processos de compra. O órgão, portanto, teria como papel apenas apoiar a execução das ações de estados e municípios. Para o TCU, a mudança no plano indica uma tentativa do Ministério da Saúde de reduzir o escopo de atividades de gestão e logística.
O relatório também considera que o ministério manteve uma atitude reativa aos problemas da pandemia, sem agir com planejamento prévio em relação a possíveis complicações nos cenários.
“O governo não se preparou para uma possibilidade de piora da pandemia, no início de 2021, mesmo diante das experiências de outros países que enfrentavam um aumento no número de casos da covid-19, após redução de medidas restritivas anteriormente adotadas e do aumento da circulação de pessoas no Brasil, em virtude das festas de fim de ano e do verão”
O tribunal identificou ainda um processo licitatório para a compra de testes PCR que demorou mais de cinco meses para ser publicado, em meio à escassez no estoque de exames. E apontou que não houve rapidez e transparência do ministério na divulgação de medidas como o uso de máscaras, higienização das mãos, regras de distanciamento e isolamento, além de uma coordenação nas ações de comunicação com os estados para um “discurso unificado” de combate ao vírus.
Na quarta-feira (14), o ministro Benjamin Zymler, relator no TCU do processo que apura a conduta do ministério na pandemia, defendeu a abertura de um processo separado para avaliar as omissões de Pazuello e outros funcionários da pasta. Em seu voto, ele disse que uma segunda onda de covid-19 já era anunciada, mas não houve “medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde”.
Bruno Dantas, também ministro do TCU, afirmou já haver argumentos para impor “condenações severas” ao ex-ministro e membros de sua equipe. “Nos envergonha a gestão que o Ministério da Saúde vem realizando com relação a esse quadro tenebroso da crise da covid-19 no Brasil”, disse.
A produção pelo Exército e a distribuição de cloroquina pelo governo federal aos estados para uso em pacientes com covid-19 também são alvo de ao menos três processos no TCU. Eles ainda não foram apreciados pelo tribunal.
Os processos apuram possíveis irregularidades na compra de insumos e na dispensa de licitação para produção do medicamento, além do destino dado a 2 milhões de comprimidos recebidos do governo dos Estados Unidos.
Em audiência no Senado, em fevereiro, Pazuello negou que tenha recebido relatos de falta de oxigênio no Amazonas às vésperas da crise que afetou o estado em janeiro. Segundo ele, o ministério estava focado na compra de vacinas e foi surpreendido com “números inacreditáveis de casos e óbitos” por covid-19.
Ele também negou que o governo incentivasse o uso de remédios ineficazes. “Nós orientamos por atendimento imediato, ou atendimento precoce. É atendimento. E é o médico que faz o diagnóstico; ele, sim, prescreve os medicamentos e define o tratamento. Queria deixar isso de forma clara. O Ministério da Saúde não define qual remédio é usado para protocolo de remédio, define o atendimento imediato”, afirmou, embora exista um documento assinado em 2020 orientando sobre o uso da cloroquina.
Já pressionado por uma possível CPI à época, o general pediu aos senadores que não abrissem uma nova frente de guerra paralela aos esforços de combate à covid-19.
“Se abrir uma segunda frente, política e técnica, vamos apertar. Se nós entrarmos numa nova frente nessa guerra, que é a frente política, nós vamos ficar fixados. Se fixarmos a tropa que está no combate, vai ser mais difícil ganhar a guerra (…). O resultado disso é morrer mais gente”
Em março, também em resposta às críticas, o então ministro minimizou a responsabilidade do governo federal no fornecimento de oxigênio . “O que o Ministério da Saúde tem a ver com produção, o transporte e a logística de oxigênio?”, questionou. Segundo ele, o papel da pasta é repassar a verba para as secretarias estaduais e municipais comprarem o insumo. “Não é nossa obrigação, mas ajudamos”, disse.
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