Expresso

A trajetória de Osmar Terra, do comunismo ao ‘ministério paralelo’

Tatiana Farah

12 de junho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h10)

Deputado federal pelo MDB tornou-se conselheiro fiel de Bolsonaro na pandemia. Ele foi convocado pela CPI da Covid para explicar o discurso anticientífico e a participação em gabinete informal

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FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

O deputado Osmar Terra (MDB-RS)

O deputado Osmar Terra (MDB-RS)

Convocado para depor na CPI da Covid, no Senado, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) é um dos principais conselheiros do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da covid-19. Desde o início da pandemia, ele adota posições anticientíficas e fez previsões que passaram longe de se concretizar, como a de que a crise sanitária duraria apenas 14 semanas e causaria poucas mortes no Brasil.

Fiel apoiador do governo, Osmar Terra é médico por formação e sempre atuou nas questões de Estado sobre saúde. Tem origem política na luta contra a ditadura, mas, em sua longa carreira no MDB, seguiu um viés conservador anterior à aliança com o presidente. Agora, se revela como um articulador do gabinete informal que teria assessorado Bolsonaro na pandemia e que é investigado pelos senadores.

Neste texto, o Nexo mostra como foi a trajetória do deputado, da origem no PCdoB a um lugar ao lado do presidente de extrema direita. Também detalha as atitudes e ideias negacionistas do deputado na pandemia e quais questões poderão surgir em seu depoimento na CPI.

O início da carreira política

Nascido em Porto Alegre, Terra era estudante de medicina na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) quando se filiou ao PCdoB, o Partido Comunista do Brasil, nos anos 70. Militante destacada de esquerda, sua então namorada (hoje ex-esposa), Monica Tolipan, foi presa mais de uma vez pelo regime militar. Perseguido pela ditadura , o casal teve de se abrigar na Argentina.

Meio século depois, Osmar Terra, aos 71 anos, é defensor do presidente que rende homenagens a um dos principais torturadores da ditadura, o coronel falecido Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado afirmou que “não há contradição, mas sim convicção”. “A própria Folha de S.Paulo e outros veículos deram apoio ao regime militar e hoje condenam. Por que mudar de opinião só pode ser prerrogativa de quem acusa?”, escreveu em nota.

Com a abertura política e seu retorno ao Brasil, Osmar Terra filiou-se ao PMDB em 1986. Nunca deixou o partido, hoje MDB, e segue em seu sexto mandato como deputado federal pelo Rio Grande do Sul. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do governo gaúcho (2003-2010), nas gestões de Germano Rigotto (MDB) e Yeda Crusius (PSDB).

Um ministro breve

No impeachment de Dilma Rousseff (PT), o deputado mostrou proximidade com Michel Temer (MDB), que assumiu a Presidência em 2016. Terra foi seu ministro de Desenvolvimento Social de 2016 a 2018. Quando venceu as eleições, Bolsonaro anunciou que Terra seria o ministro da Cidadania, nova pasta que englobava o Desenvolvimento Social, Esporte e Cultura. A indicação foi comemorada nas redes sociais pelo então presidente Temer. “Bela escolha”, escreveu ele no Twitter.

A “bela escolha”, no entanto, durou um ano. Em fevereiro de 2020, Osmar Terra foi demitido, sem receber nenhum afago. Cogitou-se que ele seria o líder do governo na Câmara, mas a ideia não prosperou.

FOTO: WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL

Ao lado da ministra Damares Alves, Bolsonaro cumprimenta Osmar Terra

Ao lado da ministra Damares Alves, Bolsonaro cumprimenta Osmar Terra

A volta ao núcleo bolsonarista

A chegada da pandemia no início de 2020 acabou levando Osmar Terra de volta para o núcleo de conselheiros do governo, mas sem cargos oficiais. Quando demitiu Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde em abril, Bolsonaro chegou a considerar colocar o deputado à frente da pasta, mas rejeitou a ideia. A avaliação do Planalto à época era de que o discurso de Terra contra o isolamento social era tão veemente que poderia ampliar a crise com os estados.

Osmar Terra seguiu como conselheiro e é considerado pelos senadores da CPI como um dos articuladores do “ministério paralelo” da Saúde. Levantamento feito pela Globo News mostra que o deputado foi recebido oficialmente por Bolsonaro 17 vezes desde o início da pandemia. Em quatro desses encontros, estava acompanhado de outros médicos e representantes de uma associação que defende o chamado tratamento precoce, que reúne remédios que não funcionam contra a covid-19.

O deputado está sentado ao lado do presidente numa reunião em setembro com profissionais de saúde que defendem o tratamento precoce e o fim das regras de isolamento social e uso de máscaras. A reunião foi registrada em vídeos divulgados pelo site Metrópolis no dia 4 de junho de 2021.

Diante das imagens, Terra escreveu em sua página no Twitter que a notícia era “fake news”. “É a maior forçação de barra que já vi! A fake seria cômica se não ocorresse num período trágico da vida brasileira”, escreveu ele, dizendo que as audiências eram públicas e transmitidas ao vivo.

Não é só o discurso negacionista da pandemia que aproxima Bolsonaro de Osmar Terra. A posição do deputado como parlamentar e médico é conservadora nas questões de saúde pública, como a defesa de técnicas mais rígidas de tratamento da dependência química e o combate à legalização do uso da cannabis medicinal.

As previsões que negam a gravidade da doença

No depoimento do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na terça-feira (8), o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) exibiu um vídeo protagonizado por Osmar Terra. É uma sucessão de gravações do deputado com previsões que se mostraram erradas sobre a doença. Foram declarações que alimentaram o discurso de Bolsonaro ao longo da pandemia.

Em março de 2020, Terra disse: “Esta epidemia, em minha opinião, vai ser menor e com muito menos dano do que a epidemia do H1N1, por exemplo.” E continuou: “No H1N1 a gente não fechou um restaurante. Ninguém pediu uma quarentena, matou muito mais gente do que o coronavírus vai matar”.

A pandemia de H1N1 ocorreu entre março de 2009 e agosto de 2010, matando 18.449 pessoas em todo o mundo. Até sábado (12), a pandemia de covid-19 matou, apenas no Brasil, cerca de 486 mil pessoas.

As datas para o suposto fim da crise sanitária foram se sucedendo mês a mês. Em abril de 2020, Osmar Terra disse que o pico da doença seria atingido em duas semanas. Em maio de 2020, disse: “Vamos entrar junho sem epidemia no Brasil.” Em julho, afirmou que a epidemia estava “indo pro fim” e que iria acabar sem vacina.

“Inventaram que no Amazonas vai ter uma segunda onda, tudo uma bobagem, não vai ter”, afirmou em setembro. E, em 21 de dezembro, fez nova previsão: “É bem provável que, em algumas semanas, cheguemos à imunidade coletiva ou à imunidade de rebanho. E o surto epidêmico termine.” A tese da imunidade de rebanho propõe umestágio a partir do qual a transmissão do vírus estaria controlada devido a existência de uma quantidade significativa de pessoas infectadas. Essa ideia implica um alto número de mortos.

Osmar Terra aparece como um das principais fontes citadas pelos bolsonaristas, segundo os analistas de engajamento em redes sociais. A agência de checagem de informações Aos Fatos relatou que ele foi o parlamentar que mais divulgou desinformação sobre a covid-19 em 2020.

A ida de Osmar Terra à CPI

A convocação de Terra na CPI da Covid foi aprovada em sessão na manhã de quarta-feira (9), mas ainda não tem data para ocorrer. O deputado não se pronunciou sobre o depoimento, mas sua assessoria afirmou ao Nexo que ele deve comparecer.

Os senadores querem saber sobretudo da participação do deputado em decisões e discursos do presidente Bolsonaro. Também buscam confirmações de que o grupo paralelo atua na elaboração das políticas do Ministério da Saúde para a pandemia.

“Será perguntado na CPI por que ele errou em todas as previsões que fazia. Em número de mortes e na data para acabar a pandemia. E, mesmo assim, ele continuou defendendo a mesma tese, de que a maneira mais segura e rápida de enfrentar a pandemia é permitindo a imunidade de rebanho”, adiantou o senador Humberto Costa (PT-PE), ao Nexo .

Na reunião com o ministério paralelo divulgada pelo jornal Metrópoles, Terra é chamado de “padrinho” pelos médicos que auxiliam Bolsonaro. É ele quem dá a linha dos discursos de minimização da gravidade da pandemia, da teoria não constatada de imunidade de rebanho, do uso do chamado tratamento precoce, do combate ao isolamento social e às regras sanitárias.

É ele também que afirma que a imprensa faz um trabalho de “desinformação que faz parecer que estamos dependendo da vacina para terminar essa pandemia”.

Com base no que os senadores têm falado sobre a participação de Osmar Terra no governo Bolsonaro na pandemia, estas são algumas questões que poderão ser feitas ao deputado:

  • Qual o papel do gabinete paralelo nas medidas adotadas pelo governo no enfrentamento à covid-19?
  • Qual foi o papel de Osmar Terra na demora do governo em assinar acordo de compra de vacinas ? Suas declarações de que o país venceria a doença antes de uma vacina pesaram na decisão do presidente?
  • Por que o deputado segue defendendo imunidade de rebanho ?

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