Expresso

Quais as condições da Turquia para novas adesões à Otan

João Paulo Charleaux

17 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h31)

País se opõe à entrada de Finlândia e Suécia na aliança militar ocidental. Situação abre brecha para Erdogan aumentar perseguição interna a adversários políticos

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FOTO: UMIT BEKTAS/REUTERS – 05.11.2022

Erdogan gesticula diante de um microfone enquanto discursa, tendo atrás de si um fundo azul claro

Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, discursa a apoiadores em IStambul

O Parlamento da Finlândia aprovou nesta terça-feira (17) a entrada do país na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A Suécia tem a intenção de fazer o mesmo. Mas um país da aliança militar ocidental se diz contra a chegada de novos membros: a Turquia, sócia desde 1952 . Para que a Otan abra as portas, é preciso uma aceitação unânime de todos os 30 membros atuais.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reclama do fato de esses dois países nórdicos manterem relações com grupos políticos que o governo turco classifica como organizações terroristas. Como a adesão à Otan não ocorre sem apoio unânime de seus membros, Erdogan pode barganhar politicamente com suecos e finlandeses, tanto quanto pode manter o veto até o fim, buscando agradar à Rússia, uma vez que o governo turco vem tentando desempenhar um papel de mediador equidistante na guerra da Ucrânia.

Neste texto, o Nexo mostra quais são as origens do impasse político entre turcos, suecos e finlandeses, e de que maneira esse impasse se converte num trunfo inesperado para o governo Erdogan na política doméstica e em seus intentos de protagonismo internacional.

Quais as queixas da Turquia

O ponto central é o fato de os governos da Suécia e da Finlândia terem imposto um embargo de venda de armas à Turquia em 2019. Esse embargo foi imposto porque o governo Erdogan desempenhava à época um papel ambíguo na guerra da Síria. Com o embargo, esses países nórdicos queriam evitar que a Turquia recebesse armas e munições do exterior para interferir no conflito sírio de uma maneira oposta a seus interesses.

A Síria tinha entrado em guerra civil em 2011. O conflito era entre forças leais ao presidente sírio, Bashar al-Assad, e rebeldes que queriam tomar o poder no país.

O caos criado pelo choque entre os rebeldes e as forças de Assad fez da Síria um território fértil para um elemento inesperado: a migração do Estado Islâmico, um grupo terrorista que tinha surgido anos antes no vizinho Iraque, mas que passou a ter na Síria sua principal base se ação, de onde o grupo passou a planejar e a executar atentados terroristas em solo europeu.

Todos eram contra o Estado Islâmico. Mas finlandeses e suecos eram contra a permanência de Assad no poder, assim como os EUA e as potências europeias. Já a Turquia mantinha uma posição ambígua, ora se alinhando aos interesses de europeus e americanos contra Assad, ora basculando para o campo da Rússia, cujo presidente, Vladimir Putin, era o maior fiador da permanência de Assad no poder.

Essa ambiguidade turca se explica pelo fato de Erdogan ter uma agenda cruzada na guerra na Síria. Para ele, o maior problema no conflito em questão não estava no destino de Assad nem do Estado Islâmico em si, mas no papel desempenhado por um terceiro ator: os curdos.

Qual o peso dos curdos nas negociações

Os curdos são uma minoria étnica que reivindica a criação de um território autônomo numa área que inclui pedaços não apenas da Turquia, mas também da Síria, do Irã, do Iraque e da Armênia, como mostra o mapa abaixo.

Na Turquia, os curdos fundaram nos anos 1970 um partido político de raiz marxista-leninista chamado PKK , que é o Partido do Trabalhador Curdo. Em 1984, o PKK passou a se envolver em ações armadas contra o governo turco. Até os anos 1990, eles reivindicavam a criação de um país independente. A partir de então, passaram a tentar negociar a criação de uma região autônoma.

O governo da Turquia considera o PKK um grupo terrorista, assim como os EUA e a União Europeia também. Os militantes curdos são acusados por Erdogan de participação num fracassado golpe de Estado contra o governo dele, em 15 de julho de 2016.

FOTO: DELIL SOULEIMAN/AFP – 06.10.2019

EUA_curdos

Curdos cercam tropas americanas na fronteira entre a Turquia e a Síria

A condenação internacional aos curdos seria total, não fosse o papel eficiente que eles passaram a desempenhar contra os terroristas do Estado Islâmico na Síria. Como o Estado Islâmico era naquele momento uma prioridade na agenda de segurança de europeus e americanos, ambos passaram a relativizar a condenação ao movimento curdo, o que criou pontos de atrito com a Turquia de Erdogan, que queria sufocar o movimento.

Os governos da Finlândia e da Suécia não têm uma posição forte a respeito da questão curda. O envolvimento desses dois países nórdicos com o assunto é apenas circunstancial: ambos castigaram a Turquia por ela perseguir um movimento curdo que, naquele contexto, desempenhava papel estratégico no combate ao Estado Islâmico na Síria.

A questão do Hizmet e de Gülen

Curdos ligados ao PKK foram acusados por Erdogan de envolvimento no que ele diz ter sido uma tentativa frustrada de golpe de Estado contra o governo dele, em 15 de julho de 2016. Além de apontar o dedo para os curdos, Erdogan também acusou o Hizmet, um movimento fundado por Fethullah Gülen, líder carismático turco que vive no exílio, nos EUA, de onde, segundo Erdogan, trama para tomar o poder na Turquia.

A oposição turca diz que a história do golpe foi uma farsa criada por Erdogan com o intuito de justificar uma perseguição a todos os seus adversários políticos internos e, com isso, se encastelar de forma inconteste no poder.

Esse expurgo interno teve a intenção de liquidar o Hizmet e o que ainda pudesse ter sobrado do PKK. Muitos dos membros desses grupos tiveram de fugir da Turquia. Suécia e Finlândia foram dois dos países em que membros desses movimentos buscaram se estabelecer e construir uma nova vida.

Oportunidade de negociação

A invasão da Rússia à Ucrânia, em 24 de fevereiro, despertou o temor em suecos e finlandeses de terem o mesmo destino que os ucranianos. Daí a decisão de buscar proteção na Otan, uma aliança militar criada em 1948, que prevê um mecanismo de autodefesa coletiva, segundo o qual um ataque dirigido contra um de seus membros pode ser respondido por todos os demais.

FOTO: ALEXEI DRUZHININ/REUTERS – 08.01.2020

Putin e Erdogan em cerimônia em Istambul

Presidentes da Rússia, Vladimir Putin (esq), e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em Istambul

Como a entrada de novos membros na aliança depende de aprovação unânime, Erdogan tem no episódio uma oportunidade valiosa para obter lucros políticos inesperados. Ele mesmo não explicitou quais seriam suas condições ou exigências, mas analistas que acompanham o setor veem no episódio sinais de barganha .

A primeira menção ao veto turco à entrada de finlandeses e suecos na Otan foi feita nesta sexta-feira (13). “ Não temos ideias favoráveis ” a essas adesões, limitou-se a dizer o presidente turco a jornalistas na ocasião.

Na sequência, ambos os governos responderam dizendo que pretendiam enviar emissários a Ancara, capital da Turquia, para tentar destravar a oposição de Erdogan. Mas o presidente turco voltou à carga: “Eles estão vindo para nos convencer? Desculpa, mas eles não deveriam nem se esforçar .”

FOTO: MATT DUNHAM/REUTERS – 15.03.2022

Magdalena Andersson diante de uma bandeira da Suécia

Primeira-ministra da Suécia. Magdalena Andersson, do Partido Social-Democrata

Em reportagem sobre o tema, publicada nesta terça-feira (17), o jornal americano The Washington Post diz que “os comentários dele [Erdogan] provavelmente são, pelo menos em parte, dirigidos à audiência doméstica , que têm premiado frequentemente uma atitude mais agressiva em relação à minoria curda”.

A publicação lembra que a Turquia terá eleições parlamentares nacionais em junho de 2023. O trâmite de adesão de novos membros pode durar ao redor de um ano, o que arrastaria o desfecho desse impasse até as portas desse momento importante para o governo Erdogan.

O presidente turco pode tanto inflacionar o preço de seu apoio à adesão de suecos e finlandeses – exigindo, por exemplo, a deportação de desafetos políticos que estejam nesses países nórdicos – quanto pode, em caso de fracasso nas negociações, buscar fortalecer laços com a Rússia de Putin, apresentando sua atitude como um sinal de equidistância entre os interesses conflitivos em jogo no mundo hoje.

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