Expresso

Quais os efeitos da forma e do conteúdo do marketing de Ciro

Isadora Rupp

24 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Na tela, pré-candidato à Presidência tenta rejuvenescer imagem. No discurso, aposta em ataques tanto em Lula quanto em Bolsonaro. Pedetista cresce no ambiente digital, mas pouco se mexe nas pesquisas

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FOTO: REPRODUÇÃO /YOUTUBE CIRO GOMES 26.01.2022

Ciro Gomes no "React do Cirão", quadro inspirado no streamer Casimiro: ele usa camiseta cinza, está sentado em uma cadeira gamer e fala em um microfone. Ao fundo, quadro com a frase "cirão das massas"

Ciro Gomes no ‘React do Cirão’, quadro inspirado no streamer Casimiro

Em sua quarta disputa pela Presidência da República, Ciro Gomes busca rejuvenescer sua forma de fazer política, com lives e reacts nas redes sociais, cercado por um cenário que emula o universo dos games. O pré-candidato do PDT chegou a fazer um debate na sexta-feira (20) com o humorista Gregório Duvivier na tentativa de fazer seu discurso extrapolar o círculo fiel de apoiadores.

No conteúdo, seja em aparições na internet, em entrevistas ou peças publicitárias, o foco de Ciro é se apresentar como o “único” nome que tem um projeto de país, além de atacar os primeiros colocados das pesquisas, tanto o ex-presidente Lula (PT) quanto o presidente Jair Bolsonaro (PL), dando vazão à contestada tese dos “dois extremos” , já bastante difundida desde 2018.

Sob coordenação do marqueteiro João Santana, que trabalhou no passado em campanhas petistas, essa estratégia foi incapaz de colocar o pré-candidato do PDT na casa dos dois dígitos de intenção de votos até o momento, a pouco mais de quatro meses das eleições. Ciro, porém, diz que estará no segundo turno contra Lula.

Neste texto, o Nexo analisa os impactos das estratégias de campanha de Ciro nos meios digitais e traz análises sobre a possibilidade de elas surtirem algum efeito até a votação de 2 de outubro.

O ataque aos líderes

Em abril de 2021, o PDT contratou João Santana para atuar na comunicação do partido e do pré-candidato, que usa como slogan “a rebeldia da esperança”.

Santana trabalhou nas campanhas eleitorais vitoriosas de Lula em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. O jornalista e publicitário baiano também foi responsável pelo marketing de Hugo Chávez em 2012, na Venezuela, de Mauricio Funes em El Salvador, em 2009, entre outros.

Condenado a sete anos de prisão na Operação Lava Jato por lavagem de dinheiro (recebeu pagamentos com recursos de caixa dois dos petistas), Santana cumpriu pena em regime fechado por um ano e seis meses após um acordo de delação premiada, em que admitiu o recebimento do dinheiro.

A entrada do marqueteiro na campanha de Ciro teve como objetivo apresentar o pré-candidato como um nome preparado, firme e capaz de romper a polarização. Na prática, Ciro dobra a aposta em um discurso que foi desenhado em 2018, quando ficou em terceiro lugar.

Ciro diz ainda ser um candidato com propostas claras. Cita de forma recorrente seu PND (Projeto Nacional de Desenvolvimento), trabalho que o pré-candidato define como umavisão de país, publicado em livro em 2020.

O léxico do político segue um tom agressivo que caracteriza sua trajetória. Chama Bolsonaro de “boçal genocida” , entre outros adjetivos, e Lula de “ignorante corrupto” , entre outros adjetivos. Já chegou a dizer que o ex-presidente é melhor do que o atual presidente, mas com ressalvas no seguinte tom: “é a mesma coisa de você votar no sub-Hitler para derrotar o Hitler ”. Sua campanha nomeia ambos comoos mesmos de sempre.

Afastados desde 2018, Lula e Ciro romperam politicamente após o PT travar uma aliança entre PDT e o PSB naquelas eleições. No segundo turno entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad, Ciro viajou para Paris após dizer ele não” – slogan anti-Bolsonaro – e seu partido declarar apoio crítico ao petista, que acabou derrotado.

A teoria dos dois extremos, apesar de repetida por Ciro e por pré-candidatos alinhados à centro-direita, é rechaçada por cientistas políticos sob o argumento de que Lula, ao governar, nunca flertou com o autoritarismo. Já Bolsonaro, sim .

O clima digital

Em 2018 Ciro já tinha entrada nas redes sociais e uma militância orgânica bem organizada: a hashtag #ViraViraciro ficou nos trending topics do Twitter um dia antes das eleições, em 6 de outubro, uma tentativa de levá-lo ao 2° turno.

A entrada do marqueteiro João Santana na equipe cirista em 2021 iniciou com testes e formatos de conteúdos. Um dos primeiros trabalhos foi um vídeo com Ciro segurando a Constituição e a Bíblia nas mãos com o argumento de que os dois livros não são conflitantes, em um aceno claro aos eleitores evangélicos.

Em setembro vieram as lives semanais de Ciro, a #CiroGames, quando ele passou a aparecer numa cadeira gamer para conversar com convidados. Em janeiro de 2022 vieram os Reacts do Cirão. O candidato reage à temas e entrevistas de adversários inspirado no streamer carioca Casimiro .

A #CiroGames costuma ter 200 mil visualizações em média; a live com Duvivier já ultrapassa 1 milhão de visualizações. Os reacts têm uma audiência maior, de 300 mil em média. Um dos principais sucessos foi Ciro reagindo a entrevista do ex-juiz e ex-presidenciável Sergio Moro (União Brasil-SP), que ultrapassou 600 mil visualizações. As reações do streamer Casimiro sobre qualquer assunto costumam ter 1 milhão de views.

9%

é a intenção de voto em Ciro na faixa etária de 16 a 24 anos, segundo pesquisa Quaest/Genial . Nas outras faixas etárias, excluindo os mais jovens, Ciro tem 7% e 6%

O resultado do debate

O debate com Duvivier tentava buscar engajamento na internet para além de seus apoiadores fieis. Em seu programa GregNews, no canal a cabo HBO, o humorista tinha defendido que ciristas abandonassem o pré-candidato do PDT para votar em Lula ainda no primeiro turno, a fim de garantir a vitória do petista e afastar riscos de golpe por parte de Bolsonaro.

FOTO: REPRODUÇÃO /YOUTUBE CIRO GOMES

Gregorio Duvivier e Ciro Gomes na live semanal de Ciro em seu canal do YouTube. A imagem de ambos está dividida na tela

Gregorio Duvivier e Ciro Gomes na live semanal de Ciro, no canal do YouTube do pedetista

Ciro fez um react ao programa e depois convidou Duvivier para debater, dizendo que o humorista não estava sendo democrático ao pedir voto em Lula no primeiro turno para os ciristas. O debate foi confuso.Duvivier reclamou por ser interrompido a toda hora.

O assunto somou mais de 170 mil menções apenas no Twitter e surtiu um efeito negativo para Ciro. Análise de Pedro Bruzzi, sócio da consultoria Arquimedes, mostrou que a live repercutiu mais entre lulistas e bolsonaristas do que entre os ciristas.

Os ataques de Ciro ao PT e Lula, a quem ele chamou de ladrão ignorante, viraram alvo da esquerda . Também ajudou bolsonaristas a criarem conteúdo e memes para as redes de apoiadores reforçarem o antipetismo.

A deputada estadual Juliana Brizola, do PDT do Rio Grande do Sul, saiu em defesa de Ciro nas redes, e disse que o erro de Ciro foi falar de projeto com quem [Duvivier] estava mais preocupado em lacrar, escreveu no Twitter.

Redes em alta, pesquisas na mesma

Antes da contratação de Santana, Ciro tinha cerca de 7% das intenções de voto, em fevereiro de 2021, segundo o agregador de pesquisas eleitorais do UOL. Chegou a ter um pico de 10% em junho de 2021, dois meses após o início do trabalho do marqueteiro, mas recuou e se mantém entre 6% e 8%.

O alcance nas redes aumentou: em dois meses, de acordo com levantamento da revista Veja, a audiência de Ciro no Twitter cresceu 66% . O lançamento dos React do Cirão em janeiro de 2022, segundo dados da consultoria Bites, levou 25 mil novos inscritos no YouTube (hoje com 445 mil inscritos), 6.300 no Instagram (1,2 milhão de seguidores) e 8.500 no Twitter (1,3 milhão de seguidores).

‘Campanha se perdeu no filtro digital’

O exagero na linguagem do embate na comunicação de Ciro de forma geral é uma estratégia que só reforça a polarização, disse ao Nexo a cientista política Mariah Sampaio, professora de Comunicação da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora do CEL (Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral da UFPR).

Isso ficou explícito na live com o humorista Gregório Duvivier.A campanha dele se perdeu no filtro digital. O debate com o Duvivier virou um caça-like e não foi nada frutífero”, afirmou.

Sampaio disse que o marketing de Ciro acerta ao mirar no jovem que não tem a memória do saudosismo do PT nem se alinha à Bolsonaro, mas erra no tom. Ele tenta pegar um voto crítico, mas coloca todos os outros como acríticos. Ele vira um opositor de todos.

Atacar todos os lados é algo que beneficia as redes dos adversários, segundo a pesquisadora Beth Saad, professora titular da Escola de Comunicação de Artes da USP. Ciro alimenta a sua autoimagem, só isso. Enquanto candidato, as polêmicas não oferecem nada, e essa ênfase no discurso duro ajuda bolsonaristas no ataque ao campo progressista, disse Saad ao Nexo .

Cirotambém se aproxima do campo conservador e se distancia de pautas identitárias para atingir eleitores arrependidos de Bolsonaro, segundo a professora Monalisa Torres, de Teoria Política na UECE (Universidade Estadual do Ceará). Mas esse movimento dificilmente surtirá efeito nas urnas em 2022, afirmou ela. Ciro construiu uma trajetória dentro do campo progressista e agora tenta ir mais à direita. Isso traz um custo na transação política, porque soa como oportunismo ao eleitor. Não parece sincero.

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