Por que o preço dos combustíveis está caindo no Brasil
Marcelo Roubicek
26 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)Gasolina e etanol puxam redução na bomba em julho. O ‘Nexo’ ouviu economistas para entender o impacto do cenário internacional e das recentes medidas do governo nesse movimento
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Posto de gasolina no Rio de Janeiro
Preços de gasolina e etanol recuaram com força nas bombas nas primeiras semanas de julho de 2022. Diesel e gás de cozinha também diminuíram com menor intensidade nesse período.
Trata-se da primeira queda relevante dos preços de combustíveis no Brasil em 2022. O movimento ocorre após a redução do preço da gasolina pela Petrobras em 19 de julho e após a aprovação de mudanças na cobrança de impostos sobre esses produtos.
Neste texto, o Nexo ouve economistas que explicam o que está por trás dessa queda e até onde ela é sustentável. A avaliação é que os preços não devem continuar caindo com a mesma força, e afetam de maneira heterogênea parcelas diferentes da população.
O preço de combustíveis recuou no Brasil no período entre 25 de junho e 23 de julho de 2022. É o que mostraram dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), resumidos no gráfico abaixo.
O gráfico mostra a variação dos preços médios ao consumidor no Brasil nesse período. Ou seja, mostra quanto o preço variou na bomba entre o fim de junho e o fim de julho.
A queda mais expressiva nesse período foi da gasolina, que recuou pouco mais de 20%. Em 25 de junho, um litro custava em média R$ 7,39 no Brasil. Em 23 de julho, R$ 5,89.
O etanol também teve queda forte, na casa dos 11%. Diesel e gás de cozinha também recuaram, mas em proporção menor.
Economistas ouvidos pelo Nexo afirmaram que há dois motivos por trás desse alívio nos preços dos combustíveis. Um deles vem do exterior.
A escalada dos preços no Brasil entre meados de 2020 e meados de 2022 foi causada pelo aumento dos preços internacionais do petróleo . Como a Petrobras manteve a política de acompanhar os movimentos globais do barril, também elevou os preços praticados nas refinarias.
Além disso, como o produto é negociado em dólar, a desvalorização do real frente à moeda americana também ajudou a impulsionar os preços no Brasil.
O petróleo já vinha subindo desde meados de 2020, mas, no início de 2022, disparou após a invasão da Ucrânia pela Rússia, no final de fevereiro. A partir de junho, o preço do barril passou a cair, estabilizando em julho em torno de US$ 100. O gráfico abaixo ilustra esse movimento.
Essa queda e estabilização são reflexo da piora das projeções com relação à economia mundial. Os temores de uma recessão global esfriam a demanda pelo produto, levando o preço a cair. Além disso, Alexandre Chaia, economista e professor do Insper, afirmou ao Nexo que “a incerteza da guerra na Ucrânia diminuiu, então já há um cenário de acordos de energia”.
Em 19 de julho, a Petrobras anunciou uma redução de quase 5% nos preços de venda de gasolina nas refinarias da estatal. A justificativa foi justamente “acompanhar a evolução dos preços internacionais de referência”. O professor do Insper também disse que a melhora do câmbio no Brasil em relação ao início de 2022 ajudou a criar espaço para a Petrobras reduzir o preço.
Jovens correm em frente a tanques da Petrobras em Brasília
Para André Braz, economista do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o principal fator que explica a queda dos combustíveis é a redução do ICMS cobrado sobre esses produtos. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é o mais importante tributo estadual. “O ICMS mais baixo levou a essa queda generalizada em praticamente todos os estados”, disse ao Nexo .
O Congresso aprovou em junho uma lei complementar que coloca um teto no ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação e transporte público. Na prática, o texto força os estados a reduzirem o imposto para a faixa de 17% a 18%.
Antes, alguns estados cobravam ICMS de mais de 30% sobre a gasolina, por exemplo. A lei foi sancionada por Bolsonaro em 23 de junho.
Após uma série de contestações na Justiça (ainda em andamento), os estados começaram a aplicar essas alterações a partir do final de junho. Todos os estados aderiram ao teto do ICMS até o dia 8 de julho de 2022.
A lei aprovada no Congresso definiu que o ICMS sobre combustíveis não pode ser maior que 17% ou 18%, a depender do estado. Mas a alíquota aplicada antes da mudança não era a mesma para os diferentes combustíveis.
Um levantamento feito em junho de 2022 pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, na mediana dos estados, apenas gasolina e etanol tinham cobranças acima do limite imposto pela lei. O gráfico abaixo ilustra esse fenômeno.
Nesse sentido, portanto, era esperado que os preços na bomba de gasolina e etanol fossem mais afetados pela redução do ICMS.
Além disso, a gasolina foi o único entre os derivados de petróleo a sofrer uma redução pela Petrobras nesse período de junho e julho de 2022. A decisão de diminuir os preços nas refinarias em 4,9% foi comunicada em 19 de julho e ainda não foi plenamente captada pelos dados da ANP.
Os economistas ouvidos pelo Nexo também apontaram especificidades nos mercados dos combustíveis que ajudam a explicar essa diferença da gasolina e do etanol para o diesel e o gás de cozinha.
Chaia, do Insper, disse que o momento de escassez mundial de diesel – relacionada à alta demanda em meio aos problemas globais de logística – limita o espaço para a redução de preço pela Petrobras, mesmo com a queda do preço do petróleo. O Brasil importa cerca de um quarto de todo o diesel consumido no país.
Braz, do FGV-Ibre, também disse que o mercado de etanol é diferente dos outros combustíveis, porque os preços não estão ligados ao poder de mercado da Petrobras. “O etanol é sujeito a condições de safra. Você pode baixar o imposto, mas há outras flutuações no preço, derivadas da lei da oferta e da procura. Por exemplo, se o setor sucroalcooleiro produzir mais açúcar que etanol, isso pode provocar um aumento do etanol”, disse o economista.
Tanto Chaia como Braz afirmaram que o efeito da redução do ICMS não deve se estender para além de julho. Isso porque o imposto não deve continuar caindo – embora a queda a partir do final de junho tenha sido o principal motivo da redução dos preços de combustíveis na bomba.
“Uma vez que a queda do ICMS é captada, não tem como continuar captando essa queda. Quando você for coletar o preço da gasolina em agosto, vai perceber que ele vai continuar no mesmo patamar de julho. Acontece uma queda de junho para julho, e depois, de julho para agosto, não tem mais queda”, disse Braz.
O economista também afirmou que os preços de combustíveis no Brasil seguem sujeitos às flutuações do mercado internacional do petróleo. Ou seja, a queda do ICMS não impede que a Petrobras decida por novos aumentos, dependendo da trajetória do barril e da cotação do dólar.
“O ambiente global ainda é de incerteza. A guerra entre Rússia e Ucrânia, que foi pivô desses aumentos que aconteceram nos combustíveis neste ano [2022], ainda não foi resolvida. Se houver algum agravamento desse conflito, é provável que novas pressões em torno do petróleo apareçam”, disse. O economista da FGV também afirmou que a chegada do inverno na Europa pode aumentar a demanda por petróleo e pressionar o preço internacional, por causa do maior consumo de combustíveis para calefação.
Bombas de exploração de petróleo no sul da Argentina
Chaia, por sua vez, entende que o petróleo não deverá aumentar tão cedo. “A tendência é o petróleo não voltar a subir, e há espaço para cair. A partir do momento em que a pandemia continue melhorando e as cadeias de produção voltarem a funcionar direito, a tendência é que o petróleo se estabilize”, disse.
O economista afirmou, no entanto, que “existe um potencial risco de o dólar disparar, se houver um estresse maior na época eleitoral, com uma fuga de capitais do Brasil”. Esse movimento está relacionado ao aumento do risco fiscal brasileiro e às ameaças antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro às vésperas do pleito de outubro. Um aumento do dólar elevaria o preço do barril de petróleo em reais, pressionando novamente os combustíveis no Brasil.
A expectativa dos economistas é que a redução dos preços de combustíveis se reflita em uma inflação menor no país como um todo. Ou seja, o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, principal medidor da inflação no Brasil – deve ter um alívio por causa desse movimento. A prévia da inflação de julho , divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na terça-feira (26), desacelerou, já captando os primeiros efeitos dessa queda.
Mas Braz afirmou que não necessariamente essa inflação será sentida de maneira uniforme pelas diferentes parcelas da população brasileira. “De fato, o IPCA vai ser menor, mas isso não significa que as famílias de baixa renda percebam uma inflação menor. Quanto menos se ganha mais se gasta do orçamento com alimentos. Em geral, a gasolina não faz parte da cesta de consumo do mais pobres – só usa gasolina quem tem carro”, disse.
“Os mais pobres percebem queda na inflação quando ela acontece entre os alimentos. E o grupo alimentação é um dos grupos que mais teve inflação neste ano [2022]”, disse.
Gasolina saindo de bomba em posto em Brasília
Nesse sentido, Braz afirma que “uma política pública que fosse voltada para baratear o preço do diesel teria um benefício social maior do que o da gasolina”. Isso porque o diesel é usado no transporte de carga que leva alimentos às cidades brasileiras. Uma queda mais expressiva no diesel poderia se refletir em preços menores de alimentos .
O economista da FGV não descarta, no entanto, que a redução dos preços de combustíveis gere ganhos eleitorais para Bolsonaro, que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Lula. “O benefício para eleição pode ser grande porque a inflação geral vai ser um pouco menor”, disse. “Mas a percepção de inflação alta vai continuar entre a população mais carente”, afirmou Braz.
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