Expresso

A era dos debates acabou? O que o eleitor perde com isso

Isadora Rupp

27 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h37)

Eventos devem ficar na ‘UTI’ em 2022 pelo perfil da disputa, e formato precisará ser repensado pelas emissoras, dizem analistas ao ‘Nexo’

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FOTO: NACHO DOCE /REUTERS

Presidenciáveis em púlpitos brancos lado a lado em um estúdio de televisão em 2018 no debate da TV Record

Presidenciáveis em 2018 no debate da TV Record

Os debates para as eleições presidenciais nem começaram em 2022, e já sofrem a ameaça de ficar à parte no jogo político: a emissora CNN Brasil, que realizaria o primeiro evento com candidatos no dia 6 de agosto, cancelou o encontro entre os presidenciáveis.

A TV Bandeirantes, que tradicionalmente abre o calendário das emissoras abertas, transferiu o debate do dia 14 para 28 de agosto.

O motivo das duas emissoras é o mesmo: falta de resposta das campanhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois são os principais adversários e os mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto. Ambos fazem exigências para garantir suas presenças. Os demais candidatos na disputa reclamam.

Neste texto, o Nexo mostra se a era dos debates inflamados na televisão acabou, e analisa com especialistas o que o eleitor perde caso eles não ocorram em 2022.

Se Lula for, eu vou. E vice-versa

Os núcleos de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro já vêm colocando o assunto do debate na televisão em pauta há mais de um mês: no dia 1° de junho, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos integrantes da campanha petista, disse que Lula quer limitar o número de debates no primeiro turno para poder participar de todos. Bolsonaro declarou um dia antes que só participaria dos encontros em um eventual segundo turno.

FOTO: SUAMY BEYDOUN/REUTERS 09.07.2022

O ex-presidente Lula segura uma bandeira do Brasil e fala em um microfone durante ato de pré-campanha em Diadema, São Paulo. Ele usa camisa vermelha e está ao lado de outras pessoas no palco

O ex-presidente Lula em ato de pré-campanha em Diadema, São Paulo

Para participar dos debates antes do primeiro turno, marcado para o dia 2 de outubro, os candidatos favoritos colocam uma série de exigências para as emissoras. Segundo a coluna da jornalista Malu Gaspar, no O Globo, Bolsonaro quer ter controle do ambiente e não quer conversar com jornalistashostis. Ele também quer que as emissoras façam um pool, que é quando profissionais de diferentes grupos de comunicação se reúnem para formular as perguntas. E só vai se Lula for – algo que declarou na convenção do Partido Liberal , realizada no domingo (24).

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS -25.JUL.2022

Michelle, de vestido verde, e Bolsonaro, de camisa branca, andam sobre palco e acenam ao público

A primeira-dama Michelle Bolsonaro e o presidente Jair Bolsonaro, durante convenção do PL

Lula também defende essa reunião de emissoras para reduzir o número a três encontros e facilitar a participação, por conta do tempo enxuto de campanha eleitoral e os outros compromissos envolvidos. De acordo com a coluna da jornalista, a autopreservação é outro aspecto relevante: há receio de que o petista possa se tornar alvo preferencial dos adversários e dê munição a eles.

Ainda segundo o jornal, integrantes da campanha do PT também condicionam a participação de Lula à de Bolsonaro. Oficialmente, o partido nega e alega o fator tempo.

Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) criticou os dois adversários sobre o cancelamento do debate da CNN.Silêncio dos culpados, escreveu o pedetista no Twitter. Simone Tebet (MDB), que costuma aparecer na quarta posição nos levantamentos, não se pronunciou sobre o assunto.

Os debates presidenciais no Brasil

O início em 1989

Os debates de TV começaram no Brasil em 1989, primeira eleição com voto direto após o período da ditadura militar. No primeiro turno, foram seis encontros, entre eles o da Bandeirantes, no dia 5 de novembro, quando Paulo Maluf e Leonel Brizola protagonizaram um bate-boca histórico . Fernando Collor de Mello, do nanico PRN, não compareceu a nenhum. No segundo turno, foram dois debates entre Collor e Lula: o último, da TV Globo, foi duramente criticado pela edição favorável ao candidato do PRN ex-governador de Alagoas. Collor foi eleito presidente e, em 1992, sofreu impeachment.

Recessos em 1994 e 1998

Em 1994 três debates foram realizados, dois pela TV Manchete e um pela Bandeirantes. Fernando Henrique Cardoso foi apenas a um debate, e a eleição foi finalizada sem segundo turno, com a vitória do tucano com 54,24% dos votos. Em 1998 nenhum debate ocorreu. Com 12 pré-candidatos à presidência, emissoras como a Rede Globo alegaram que não havia possibilidade de realizar o encontro seguindo as regras eleitorais (que determina que todos devem ser chamados). Fernando Henrique Cardoso se recusou a participar dos eventos antes mesmo de eles ocorrerem, com a justificativa de que estava focado na crise econômica internacional. Foi reeleito em primeiro turno com 53%.

2002 e 2006: novos formatos e ausências

Quatro debates foram realizados, três no primeiro turno pela Bandeirantes, Record e Globo, e um no segundo turno, na TV Globo. Os principais candidatos, Lula e José Serra (PSDB), compareceram a todos. No segundo turno, Lula limitou a sua participação ao debate na Globo, e foi eleito com 61,27% dos votos, sua primeira vitória após tentativas sucessivas desde 1989. Serra e Lula inauguraram um novo formato da emissora, em arena, quando ambos andavam pelo cenário e conversavam com os presentes. Em 2006, candidato à reeleição, Lula não compareceu aos três debates no primeiro turno. De 8 a 27 de outubro, Lula e Geraldo Alckmin, então seu oponente no PSDB e hoje no PSB e seu companheiro de chapa , se enfrentaram em quatro encontros. O da Band foi acalorado: Alckmin explorou o esquema de corrupção do mensalão .

2010 e 2014: exposição de Dilma Rousseff

Candidata para suceder Lula, a primeira presidente mulher eleita no Brasil compareceu a toda a temporada de debates na TV em 2010. Foram seis no primeiro e quatro no segundo turno: Dilma precisava se tornar conhecida pelo eleitorado e apostou nos debates como ferramenta. Venceu com 56,05% dos votos no segundo turno contra o tucano José Serra. Repetiu a postura como candidata à reeleição em 2014 e participou dos cinco debates no primeiro turno e dos quatro no segundo, contra Aécio Neves (PSDB), em uma eleição presidencial complicada e marcada por questionamentos dos resultados por parte de Neves e do PSDB. Dilma foi eleita com 51,64%.

2018: Bolsonaro e a facada

Em 2018 foram realizados sete debates no primeiro turno, parcerias entre emissoras de televisão e portais. O primeiro, da TV Bandeirantes, teve duração de mais de três horas e participação de oito presidenciáveis , entre eles o atual presidente Jair Bolsonaro. O PT não teve representante: Lula estava preso e o partido ainda não havia cravado o nome de Fernando Haddad para substituí-lo. Bolsonaro participou de mais um debate na Rede TV no dia 17 de agosto. Após o atentado que sofreu em Juiz de Fora (MG) no dia 6 de setembro, ele não compareceu mais aos encontros. O segundo turno entre ele e Haddad também não teve debates por causa da condição de saúde de Bolsonaro.

As condições atípicas de 2022

Para especialistas ouvidos pelo Nexo , o que soa como um enfraquecimento dos debates tem mais a ver com o contexto político atual, em que os candidatos principais são conhecidos e há uma decisão antecipada por parte do eleitor, do que com os encontros em si. Mas há necessidade de reformulação dos formatos. O Nexo ouviu:

  • Sérgio Trein , professor de pós-graduação em comunicação da UFRR (Universidade Federal de Roraima) e doutor em
  • comunicação política pela PUC Rio Grande do Sul
  • Sandra Avi dos Santos , doutora e mestre em ciência política e sociologia e coordenadora do Observatório da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais)

A era dos debates na TV acabou? Por quê?

Sérgio Trein Não arrisco o palpite de que os debates vão acabar, mas, talvez neste formato como conhecemos, sim. É um formato que envelheceu, cansou, e que precisa ser reavaliado. Embora eu defenda o debate, eles ganharam um tom de espetacularização muito grande e que, às vezes, atende mais a lógica do veículo do que ao debate em si.

O formato com muitos candidatos no primeiro turno para atender a legislação eleitoral, atrapalha. Você não consegue fazer um debate que atenda o cenário: hoje, com Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet, já haveria um cenário bacana de conversa. Colocar todos os candidatos fica cansativo. Também complica do ponto de vista estratégico e logístico da campanha: vale a pena o esforço de ir a um debate a uma emissora menor, ou fazer campanha no Norte do país? Fica dividido nesse sentido.

Não acredito que a partir de agora tudo vá migrar para as redes sociais e não teremos mais debates. Porque há ainda um grande desinteresse pela política. Acho difícil que o eleitor que não é interessado, que não pensa no tema, vá acompanhar e comparar as redes sociais dos candidatos que pretendem votar. Elas vão chegar em casa e vão querer assistir Pantanal, ver algo no streaming. O engajamento nas redes é mais restrito aos militantes.

Sandra Avi dos Santos O debate não vai morrer, mas em 2022 ficará na UTI. O primeiro debate, que sempre ocorre na Band, é o primeiro momento eleitoral: quando as pessoas trazem a eleição para as suas vidas e começam a pensar sobre isso. Na literatura de ciência política, o primeiro e o último debate são os mais importantes: é o momento em que os candidatos vão se apresentar, apresentar suas propostas, seu espectro ideológico. A audiência de debate no Brasil é morna, diferente dos Estados Unidos, onde costuma ser maior, até por causa do formato e estilo. Aqui acontece sempre mais tarde, em um horário cansativo, o que dificulta. Mas no fim das contas, as pessoas assistiam para ter argumentos para falar com as outras.

O que acontece em 2022 é fora da curva: a gente sabe quem são os candidatos e suas propostas. É a primeira vez na história do Brasil que temos uma disputa entre dois candidatos que já governaram o país. Um por dois mandatos e outro que está terminando o mandato agora. Debates hoje seriam importantes para Simone Tebet, para Ciro Gomes, para eles se apresentarem ao Brasil, fora da bolha. Só que em 2022 está tudo dado: neste primeiro momento, Bolsonaro e Lula não vão aparecer para o grande público porque eles querem se preservar o máximo possível. Se o Lula cair muito nas pesquisas, ele vai para o debate. Em 2006, quando ele não se apresentou no debate da Globo no primeiro turno e foi cobrado, ele se explicou no primeiro debate do segundo turno na Band. Caso ele caia nas pesquisas, ele sabe que o debate é importante para trazer os indecisos para perto.

O que o eleitor perde com a realização de poucos debates ou nenhum?

Sérgio Trein Ter poucos ou nenhum debate só aumenta o distanciamento da política. Talvez, aumente o desconhecimento das pessoas sobre candidatos no futuro. Acho difícil que o eleitor com pouco interesse vá acompanhar e comparar redes sociais dos candidatos assiduamente. A falta de debate deixa um vazio e, dentro dessa perspectiva da não informação, se abre um espaço grande para a desinformação. E aí a gente conhece os resultados todos que têm surgido, principalmente a partir de 2018.

O debate, junto com as pesquisas eleitorais, traz para a pessoa o mínimo de contato com o tema. Porque o voto é obrigatório: ela precisa saber em quem vai votar. E ali no debate você observa como a candidata ou candidato fala, como responde, mesmo com os ajustes do marketing político. Outro fator importante é que os encontros geram continuidade entre as emissoras, que recuperam os temas. Fica aquele embate de ideias benéfico ao jogo político.

Sandra Avi Ele perde informação. O eleitorado hoje é: ou muito mais velho, ou muito mais jovem. O mais jovem vai atrás do que ele quer ouvir: seguem seu candidato em redes sociais e filtram, estão mais voltados para quem eles decidiram. Os mais velhos, caso não tenham muita familiaridade com a tecnologia, ainda vão assistir ao debate. Sem eles, o que teremos é um eleitorado mais velho com menos acesso às propostas.

O debate nunca foi feito para quem está com a opinião formada, mas para que as pessoas que estão em dúvida. Por isso o último debate eleitoral é o mais importante: se a pessoa não decidiu nada a campanha inteira, o último é bom para isso. Para que os indecisos tomem partido.

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