Expresso

7 pontos que guiam a discussão sobre o Orçamento em 2023

Marcelo Roubicek

10 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Bolsonaro sanciona LDO e mantém montante recorde para emendas do relator. Governo tenta cumprir promessas de campanha, mas deve ter problemas para acomodar todos os valores

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 02.FEV.2022

Paulo Guedes e Bolsonaro, ambos de máscara, estão em frente a um parapeito vermelho. Guedes, de perfil, coloca a mão sobre os olhos, como quem tapa o sol. Bolsonaro olha em direção à câmera.

Paulo Guedes (à esq.) e Jair Bolsonaro (à dir.) em evento do Legislativo em Brasília

O presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos na terça-feira (9) a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023. O texto serve como uma espécie de esboço dos gastos do governo do ano seguinte, e estabelece alguns pontos importantes.

Entre eles estão uma estimativa do salário mínimo no próximo ano e a manutenção da previsão de R$ 19,4 bilhões para as emendas do relator – por meio das quais é operado o orçamento secreto –, usadas para negociações políticas com o Congresso.

A LDO, como é conhecida, não corresponde ao Orçamento em si – este deverá ser enviado ao Congresso em 31 de agosto. Executivo e parlamentares ainda discutem o que entrará no plano de receitas e despesas do governo federal em 2023.

Neste texto, o Nexo mostra os principais pontos em torno dos debates sobre o Orçamento de 2023. Os temas incluem benefícios sociais, regras fiscais e promessas que integram a agenda de Bolsonaro na tentativa de reeleição, em outubro. Há, novamente, dúvidas sobre como encaixar todas as medidas nos limites legais.

Salário mínimo

A LDO sancionada por Bolsonaro na terça (9) estima que o salário mínimo em 2023 será de R$ 1.294 . Em 2022, o valor é de R$ 1.212. Ou seja, o governo prevê que haverá um reajuste de 6,8%.

A Constituição exige que o salário mínimo tenha um reajuste básico todos os anos, garantindo pelo menos a correção pela inflação. O índice usado para corrigir o salário mínimo é o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que mede o aumento no custo de vida para famílias cuja renda está entre um e cinco salários mínimos .

Em meados de 2022, a inflação está bem acima dos 6,8% previstos pelo governo. Em 12 meses acumulados até julho, o INPC teve alta de 10,12% . Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, o Ministério da Economia reconhece que a inflação deve ser maior que o previsto originalmente, e já planeja incluir no projeto de Orçamento (que será enviado em 31 de agosto) um reajuste de 7,4% , que leve o salário mínimo a R$ 1.302 .

FOTO: MARCELLO CASAL JR. /AGÊNCIA BRASIL

Valor passará dos atuais R$ 1.100 para R$ 1.212

Pessoa conta notas de dinheiro

Ainda assim, a expectativa é que o salário mínimo não tenha ganho real frente à inflação. Sob Bolsonaro, o salário mínimo só teve reajuste maior que o avanço dos preços em 2019, primeiro ano de governo, quando houve ganho real de 1,14% . No governo do presidente como um todo, o salário mínimo estagnou .

O valor do salário mínimo é importante para o Orçamento porque a lei estabelece que nenhum benefício pago pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) – como aposentadorias, pensões por morte e auxílio-doença – pode ter valor inferior a um salário mínimo. Na prática, isso significa que os benefícios sociais, que são parte importante dos gastos do governo, estão atrelados ao salário mínimo. Como o governo espera que o salário mínimo deverá ser maior que os R$ 1.294 previstos originalmente, ele também deve elevar suas estimativas de despesas para 2023.

Orçamento secreto

Bolsonaro também sancionou a alocação de R$ 19,4 bilhões para as emendas do relator . Essas emendas são as protagonistas do chamado orçamento secreto – um esquema pelo qual o Congresso, sobretudo o chamado centrão , se aproveita da falta de regulamentação dessas emendas para operar fatia orçamentária superior a de ministérios, sem a transparência devida.

Isso acontece com o aval do governo federal, que é o responsável pela liberação dos recursos e costuma fazer isso às vésperas de votações importantes no Congresso, privilegiando parlamentares fiéis ao Executivo. Além do uso para a sustentação parlamentar do governo, sobram indícios de corrupção na alocação dessas verbas .

Os R$ 19,4 bilhões previstos em 2023 para emendas do relator superam os R$ 16,5 bilhões de 2022 e os R$ 16,8 bilhões de 2021 . Mesmo com algumas mudanças no funcionamento em relação a anos anteriores, essas emendas seguem com brechas para a transparência dos gastos.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 14.SET.2021

Jair Bolsonaro aparece na frente, olhando para a esquerda, sorrindo. Atrás dele, Arthur Lira, de máscara, olha para Ciro Nogueira, que está à direita, com a mão na frente da boca, conversando com Lira.

Jair Bolsonaro, Arthur Lira (atrás) e Ciro Nogueira (à dir.) em evento em Brasília

Ao sancionar a LDO de 2023, Bolsonaro vetou trechos ligados ao orçamento secreto. Resumidamente, ele reduziu o poder dos parlamentares para indicação da verba. Os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso.

Se Bolsonaro se apoiou nas emendas parlamentares para garantir apoio do centrão, seu principal adversário nas eleições questiona abertamente o arranjo. Em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito uma série de críticas ao orçamento secreto.

Auxílio Brasil

Um dos debates centrais envolvendo parlamentares, governo e os candidatos à Presidência diz respeito ao valor do Auxílio Brasil, principal programa de transferência de renda do país. A política foi adotada no final de 2021 como substituta do Bolsa Família , programa que marcou gestões petistas e que foi bem-sucedido no combate à pobreza e à fome no Brasil.

O Auxílio Brasil tem desde dezembro de 2021 um piso de R$ 400 por família, independentemente do tamanho e da faixa de renda. Em julho de 2022, o Congresso aprovou que esse piso fosse elevado para R$ 600 – a medida foi parte da “ PEC das bondades ”, articulada pelo governo Bolsonaro para ampliar benefícios sociais e criar auxílios para caminhoneiros e taxistas às vésperas das eleições.

A princípio, o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 tem data marcada para acabar: em 1° de janeiro de 2023, o valor deve retornar para R$ 400. Mas os principais candidatos à Presidência prometem manter o montante mais alto – embora não indiquem como irão bancar a medida.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 24.JUN.2021

Um homem de boné segura uma marmita e come de cabeça baixo. Ele está debaixo de um viaduto.

Homem come refeição recebida por doação debaixo de viaduto no Rio de Janeiro

O auxílio com piso de R$ 400 custa, anualmente, R$ 89 bilhões para o governo (essa era a previsão original do Orçamento de 2022, antes da mudança para R$ 600). As estimativas de economistas são de que esse montante deve subir para próximo de R$ 150 bilhões anuais com a elevação do mínimo do benefício para R$ 600.

O economista Daniel Couri, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal) e colunista do Nexo , disse que não há como manter o valor expandido respeitando as regras fiscais vigentes, sobretudo o teto de gastos – regra que limita as despesas da União a um patamar pré-definido, com correção anual pela inflação.

A expectativa é que o Orçamento de 2023 seja enviado ao Congresso pelo Executivo com previsão de auxílio a R$ 400 – isso porque o governo não pode projetar gastos com base em medidas que ainda não estão aprovadas. Mas, de acordo com o jornal Valor Econômico, Bolsonaro deve enviar uma mensagem junto ao Orçamento sinalizando a intenção de manter o auxílio em R$ 600.

Regras fiscais

O valor do Auxílio Brasil é a principal dúvida com relação ao Orçamento de 2023. A estimativa é que o gasto extra para manter o benefício em R$ 600 fique na casa de R$ 50 bilhões, que não é compatível com as regras fiscais vigentes. Couri disse, portanto, que é provável que uma nova mudança no teto de gastos seja articulada para o próximo ano, justamente para acomodar esse aumento.

Entre agentes do mercado financeiro, o entendimento também é que o arcabouço de regras fiscais deverá ser alterado para 2023. Os líderes nas pesquisas eleitorais, Lula e Bolsonaro , já sinalizaram que devem mexer no teto de gastos.

Essas conversas já estão em andamento dentro do governo. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, técnicos do Ministério da Economia desenham uma nova regra na qual o teto de gastos poderá crescer acima da inflação, caso o endividamento do governo federal fique abaixo de um determinado nível (que ainda não foi decidido). A mudança daria mais flexibilidade ao teto, e poderia comportar um aumento de gastos para 2023.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 22.OUT.2021

Jair Bolsonaro (à esq.) e Paulo Guedes sentados atrás de uma mesa. Bolsonaro fala em um microfone. Guedes, de máscara, ajeita o encaixe no rosto.

Jair Bolsonaro (à esq.) e Paulo Guedes em pronunciamento à imprensa

Essa não é a única proposta discutida. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também chegou a dizer ao portal G1 que o teto pode ser substituído por uma meta de dívida pública. Ou seja, o governo orientaria a política fiscal (que trata dos gastos e arrecadação pública) para tentar manter a relação dívida/PIB – usada comumente como indicador da saúde financeira de um país – em uma determinada faixa .

Correção do Imposto de Renda

No início de agosto de 2022, Bolsonaro passou a reciclar a antiga promessa de correção na faixa de isenção do Imposto de Renda de Pessoas Físicas. Nos quatro anos de governo, o valor se manteve em R$ 1.903,98 , com defasagem acumulada de mais de 30% .

No programa de governo apresentado por Bolsonaro em agosto, ele promete ampliar a isenção para até cinco salários mínimos – em 2022, esse valor seria de R$ 6.060. Em 2023, considerando um salário mínimo de R$ 1.302, a isenção valeria para rendimentos mensais de até R$ 6.510.

FOTO: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL – 21.03.2019

Celular com o aplicativo da Receita Federal aberto apoiado em um teclado de computador

Celular com aplicativo do Imposto de Renda

A proposta ainda não foi enviada pelo governo ao Congresso. Mas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério da Economia trabalha para separar R$ 17 bilhões em 2023 para a correção da tabela.

Em 5 de agosto, Lula também falou em mudar a tabela do imposto. “Nós vamos fazer os reajustes necessários no imposto de renda da classe trabalhadora”, disse o petista, sem entrar em detalhes.

Reajuste de servidores

Outra promessa antiga de Bolsonaro que não foi cumprida no mandato atual é a de reajuste do salário de servidores. Ele disse em novembro de 2021 que daria reajuste salarial em 2022 para todos os funcionários públicos federais em caso de aprovação da PEC dos Precatórios . A proposta foi aprovada, mas o governo reservou dinheiro apenas para aumentos de servidores da segurança pública – Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário. A categoria é apoiadora de Bolsonaro.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 21.ABR.2020

Prédio do Congresso no primeiro plano. No fundo, seis prédios de ministérios

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília

O caso desencadeou uma crise do Executivo com o funcionalismo. Houve mobilizações como greves e paralisações . O governo chegou a anunciar em abril reajuste de 5% para todos os servidores a partir do segundo semestre de 2022, mas em junho admitiu que não será possível cumprir as promessas de aumentos, por falta de verba. A promessa de reajuste ficou para 2023.

Segundo o jornal O Globo, o governo deverá enviar ao Congresso a proposta de Orçamento com R$ 12 bilhões separados para aumento salarial de servidores. O valor deve ser suficiente para bancar em torno de 4% para todos o funcionalismo.

‘Peça de ficção’

Se você por algum acaso fez as contas do custo total das medidas prometidas pelo governo Bolsonaro, deve ter percebido que o montante é alto. Um levantamento publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, se todas as medidas forem incluídas no Orçamento de 2023, o buraco deve ficar em torno de R$ 142 bilhões . O número conta também com as promessas de manter a desoneração de combustiveis, com custo total acima de R$ 50 bilhões.

Por isso, especialistas falam na possibilidade de envio e tramitação de um Orçamento irrealista, uma “peça de ficção”. Ou seja, é possível que o governo desenhe um projeto orçamentário que não possa ser cumprido na prática. Isso contraria os próprios objetivos do Orçamento, de transparência e previsibilidade do gasto público.

FOTO: ADRIANO MACHADO /REUTERS

Imagem emoldurada por forma de círculo mostra visão geral do plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, com alguns deputados e deputadas ao centro.

Visão geral do plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, em dezembro de 2021.

Algo semelhante aconteceu em 2021 , quando a lei orçamentária foi aprovada com atraso significativo e sem projetar de forma crível as despesas da União no ano. A solução só veio após governo e Congresso entrarem em acordo para cortar gastos e permitir que algumas despesas fossem passadas por fora do teto de gastos.

Daniel Couri, da IFI, disse ao Nexo em 2 de agosto que, além da mudança nas regras fiscais, é possível que o Orçamento de 2023 seja aprovado com cortes irrealistas de despesas não obrigatórias, deixando dinheiro insuficiente para o funcionamento normal da máquina pública. O governo pode acabar comprometendo o funcionamento dos serviços públicos federais para conseguir comportar todas as promessas de Bolsonaro.

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