Os dados sobre o impacto da pandemia na primeira infância
Cesar Gaglioni
21 de setembro de 2022(atualizado 06/02/2024 às 10h59)Estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com Itaú Social e Unicef mostrou como as crianças foram afetadas pela covid-19 em três esferas
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Criança brincando em balanço
A pandemia da covid-19 trouxe profundos impactos na vida de crianças ao redor do Brasil. Insegurança alimentar, aumento da mortalidade materna e queda no número de matrículas na educação infantil são alguns deles. Os dados são do estudo “Desigualdades e impactos da covid-19 na atenção à primeira infância”, lançado nesta quarta-feira (21).
A pesquisa foi feita pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com o apoio do Itaú Social e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e teve como objetivo identificar os principais desafios pós-pandemia nos aspectos educacionais, de saúde e socioeconômicos das crianças do país.
Neste texto, o Nexo apresenta as principais descobertas do estudo e os caminhos prioritários para lidar com os problemas.
A primeira infância é o período que compreende os primeiros 5 anos de vida da criança e requer uma série de cuidados específicos e uma atenção especial. Nos primeiros anos de vida, o cérebro se desenvolve de maneira intensa, dando as bases para o aprendizado e a aquisição de diversas habilidades nos anos futuros.
Pobreza, insegurança alimentar, falta de acesso a serviços de saúde e educação e problemas no ambiente familiar podem impactar negativamente esse processo. Estudos mostram que a pandemia da covid-19 amplificou os fatores de risco, gerando consequências imediatas e que podem continuar ocorrendo no médio e longo prazo.
“O trabalho de análise sintetizado nesta publicação buscou considerar diferentes perspectivas dos efeitos da covid-19 e desigualdades na primeira infância, em um esforço de integralidade e intersetorialidade”, diz o estudo.
“Ele combina a apresentação de evidências à visão de cerca de 40 profissionais, de diferentes áreas do conhecimento, que puderam debater em oficinas os achados dos estudos e colaborar com propostas de caminhos.”
Para isso, foram analisados milhares de dados públicos, reunidos entre 2015 e 2021, que foram compilados e interpretados para chegar às conclusões necessárias. Eles vieram dos ministérios, de secretarias, de ONGs e de outras pesquisas feitas anteriormente.
Depois de todo o processo, eles foram analisados com base nos parâmetros de desenvolvimento saudável previstos pela Unicef e estabelecidos legalmente pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
O estudo se dividiu em três grandes áreas de análise:
Em todos eles, viu-se que questões de classe e raça fazem diferença nos resultados finais e em como os problemas impactam grupos distintos de crianças.
“A pandemia afetou desproporcionalmente as crianças de alguns grupos, sendo as mais prejudicadas aquelas que vivem em situações de vulnerabilidade, com baixo nível socioeconômico, as que foram historicamente submetidas a desigualdades estruturais baseadas em cor/raça e as de países de baixa e média renda como o Brasil”, diz a pesquisa.
O estudo mostrou que, no âmbito da saúde, houve uma queda nas consultas pré-natal das mães e dos parceiros antes do nascimento das crianças em decorrência da pandemia. Os partos por cesárea – mais agressivos para o corpo da mulher – também aumentaram.
57,2%
dos partos feitos em 2020 e 2021 foram por cesárea
10 a 15%
é a taxa ideal de partos por cesárea recomendados pela comunidade médica
“O Brasil tem historicamente altas taxas de cesárea e a pandemia pode ter contribuído para uma piora deste indicador”, conclui o estudo. “A OMS [Organização Mundial da Saúde] tem se posicionado de forma clara em relação à cesárea, situando-a como intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês, porém apenas quando indicada por motivos médicos. Especialmente em locais sem capacidade de realizar cirurgias de forma segura, as cesarianas podem causar complicações significativas, como sequelas ou mortes.”
A pesquisa também indicou que a pandemia intensificou o aumento dos índices de mortalidade materna (durante a gestação ou até 42 dias após o parto devido a causa relacionada ou agravada pela gravidez).
89,3%
foi o aumento da mortalidade materna entre 2019 e 2021
53,4%
dos óbitos maternos de 2021 foram causados pela covid-19
“Do ponto de vista regional, em 2021, a taxa calculada registrou seu maior nível na região Norte (158,9 óbitos/100 mil nascidos) e o menor na região Nordeste (99,6 óbitos/100 mil nascidos vivos).”
“As crianças praticaram menos atividades físicas, interagiram e brincaram menos, ficaram mais tempo diante das telas e aprenderam menos”, diz a abertura do capítulo do estudo sobre educação.
2,8 pontos percentuais
foi a queda na taxa de matrículas em creches no Brasil entre 2019 e 2021
O Paraná foi o estado com a maior queda: 4,9 pontos percentuais. Foi seguido do Mato Grosso do Sul (4,8); Minas Gerais (4,6); Rio Grande do Sul (4,3) e Rio de Janeiro (4,2).
A queda foi maior na rede privada do que no sistema público de educação. Segundo o estudo, a discrepância tem relação com a crise econômica que o país tem sofrido de forma mais intensa desde 2020.
Além disso, a pesquisa afirma que há prejuízos para a transição da educação infantil para o ensino fundamental, já que “muitas crianças estão ingressando no ensino fundamental sem terem vivido adequadamente as experiências da educação infantil.”
A pesquisa mostrou que os índices de insegurança alimentar infantil aumentaram em decorrência da pandemia.
A insegurança alimentar é caracterizada quando alguém não tem acesso pleno e permanente aos alimentos, ingerindo menos calorias e nutrientes do que o necessário – seja pela falta de comida, seja pela substituição de alimentos ricos em ultraprocessados mais baratos e menos nutritivos.
O estudo mostrou que o número de crianças de 0 a 5 anos com peso baixo diminuiu. Por outro lado, o número de crianças com peso muito baixo aumentou. A variação de ambos foi na casa dos décimos percentuais, mas já mostrou que o problema está longe de ser resolvido.
“Há evidências de que a pandemia aumentou em 54,5% a proporção de crianças muito abaixo do peso (aumento de 0,6 ponto percentual, de 1,1% para 1,7%)”, diz o estudo.
128 mil
é o número de crianças que estão muito abaixo do peso no país
196 mil
é o número de crianças com peso baixo no país
Os cenários descobertos pelo estudo são preocupantes, mas podem ser revertidos a partir da articulação de gestores públicos e da sociedade civil.
“A realidade desalentadora que os dados expressam no impacto negativo à primeira infância brasileira não precisa, não pode e não deve ter efeito paralisante sobre aqueles que detêm poder e competência para recusá-la”, escreveu o estudo.
“Independentemente da inclinação política de cada governante, está nas mãos dos gestores dos três entes federativos – União, estados e municípios – a responsabilidade de devolver com urgência às crianças pequenas o direito inegável de viver com dignidade seu tempo presente, assim como de se desenvolver plenamente agora e para a vida adulta”, diz a pesquisa.
O estudo afirma que o governo federal deve, sobretudo, orientar e coordenar as políticas públicas da primeira infância, além de garantir o financiamento delas a partir do diálogo entre Legislativo e Executivo.
Na esfera estadual, a pesquisa indica que cabe aos governadores e seus secretários continuar reforçando políticas de auxílio e de atenção especializada que foram implementadas nos períodos mais difíceis da pandemia, e que o mesmo deve ser feito na esfera municipal.
“O momento pede esforços coordenados que contemplem a integralidade da criança e a urgência de atendê-la em suas múltiplas dimensões, convocando os gestores públicos para uma ação menos fragmentada e mais estruturada.”
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