Expresso

O que move a adoção do passe livre nas eleições de 2022

Marcelo Roubicek

25 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h47)

Quase todas as capitais aderem à gratuidade no transporte público no 2º turno, permitida pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, após pressão de grupos da sociedade civil e de campanhas

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FOTO: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL – 29.JUL.2022

Ônibus parado no ponto com a porta aberta e pessoas embarcando. O letreiro indica R$ 5,50 como o preço da tarifa.

Passageiros sobem em ônibus em Brasília

São Paulo e outras 25 capitais brasileiras anunciaram até esta terça-feira (25) a adoção do passe livre no segundo turno das eleições, em 30 de outubro. As medidas foram tomadas após o Supremo Tribunal Federal liberar municípios a oferecerem transporte público gratuito no dia do pleito sem que isso viole a lei eleitoral.

A decisão da corte foi encabeçada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que publicou seu parecer em 18 de outubro. O debate sobre a gratuidade do transporte público no dia da votação ocorre na esteira das disputas sobre a abstenção dos eleitores, que mobiliza as campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Neste texto, o Nexo mostra os principais pontos e argumentos da decisão do Supremo e como ela reverbera na disputa presidencial.

A decisão do Supremo

Em 18 de outubro de 2022, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, liberou os municípios e as empresas concessionárias de todo o Brasil a oferecerem transporte público gratuito no segundo turno das eleições, em 30 de outubro. A determinação atendeu a um pedido do partido Rede Sustentabilidade.

No dia seguinte, os outros integrantes da corte confirmaram a decisão . As únicas divergências foram dos ministros Kassio Nunes e André Mendonça, indicados por Bolsonaro ao tribunal.

Na decisão, Barroso fez uma recomendação de que os municípios adotem o transporte público gratuito no dia do pleito e garantiu que a medida “não constitui ato de improbidade nem crime eleitoral”.

Por questões financeiras, não se tratou de uma obrigação. Segundo o ministro, “não seria razoável impor a execução obrigatória e universal da oferta de transporte público gratuito no dia das eleições, por todos os municípios do país, sem lei e sem prévia previsão orçamentária”.

FOTO: CARLOS MOURA/SCO/STF

Ministro Barroso durante sessão da Primeira Turma do STF em abril de 2022

Ministro Barroso durante sessão da Primeira Turma do STF em abril de 2022

O ministro determinou que, onde haja passe livre no dia da eleição, a operação de frotas ocorra “em níveis normais”. Também barrou as prefeituras que já tinham anunciado o serviço sem cobrança (ou que já teriam cobrança zero por outros motivos além do pleito) de mudarem sua posição.

Por fim, disse que “as empresas concessionárias ou permissionárias de transporte público municipal deverão atuar colaborativamente para garantir a efetividade da medida”. Ainda afirmou que as próprias empresas poderão voluntariamente oferecer transporte gratuito.

Os argumentos de Barroso

DIREITO AO VOTO

Segundo Barroso, a autorização do transporte público gratuito em 30 de outubro é embasada na garantia constitucional do “direito-dever” do voto. Ou seja, trata-se de uma forma de garantir que todas as pessoas tenham, de forma igual, o direito a exercer o voto (que no Brasil, é obrigatório, por isso “direito-dever”).

CRISE SOCIAL

O ministro também citou números do momento social brasileiro, com altas taxas de pobreza. “Levando-se em conta a extrema desigualdade social no país, o atual contexto de empobrecimento pós-pandemia e a obrigatoriedade do voto no Brasil, justifica-se que o Poder Público arque com os custos de transporte decorrentes do exercício desse direito-dever”, escreveu Barroso.

MULTA

O ministro citou o fato de que a tarifa do transporte público geralmente é mais cara que a multa imposta pela Justiça Eleitoral sobre quem não vota. A sanção é de R$ 3,51 . A gratuidade do transporte público, portanto, acabaria com uma espécie de incentivo financeiro para não votar.

ABSTENÇÃO

Barroso também mencionou a alta taxa de abstenção do primeiro turno. Esse ponto foi um dos principais argumentos do pedido da Rede Sustentabilidade. Segundo o ministro, a abstenção subiu entre pessoas com menor grau de instrução, indicando um motivo socioeconômico por trás do elevado não-comparecimento.

A adesão das prefeituras

A decisão de Barroso, confirmada depois pelos outros ministros do Supremo, levou a uma mobilização por parte de entidades da sociedade civil para pressionar prefeitos a adotarem o passe livre no segundo turno. Houve também ações dentro dos municípios, como o pedido da vereadora paulistana Erika Hilton (PSOL) junto ao Ministério Público de São Paulo.

Até terça-feira (25), 26 capitais já haviam anunciado adesão ao transporte gratuito em 30 de outubro. A adoção massiva do passe livre em dia de eleição é inédita.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 5.MAR.2021

Passageiros em ônibus lotado durante a pandemia no Rio de Janeiro

Passageiros em ônibus lotado durante a pandemia no Rio de Janeiro

A única exceção é Rio Branco, no Acre, onde haverá um esquema tarifário especial . Quem apresentar o comprovante de voto poderá voltar para casa sem pagar.

Em Brasília, o juiz Frederico Maroja de Medeiros, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, obrigou na segunda-feira (24) o DF a oferecer transporte público gratuito no dia da votação. O governador Ibaneis Rocha (MDB), reeleito no primeiro turno, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que ainda considera recorrer.

No sábado (22), Barroso estendeu a possibilidade de passe livre aos governos estaduais . O governo de São Paulo, por exemplo, disse nesta terça (25) que está analisando a possibilidade de adotar no segundo turno a gratuidade no metrô , na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e nos ônibus EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo). Esses serviços são operados pelo governo estadual, enquanto o ônibus na cidade de São Paulo é operado pela prefeitura.

A questão da abstenção

O debate sobre o transporte público gratuito nas eleições tem como pano de fundo uma disputa em torno da abstenção dos eleitores. No primeiro turno, a abstenção foi um pouco maior do que no mesmo turno de 2018, quando 20,3% não votaram.

20,9%

foi a abstenção dos eleitores no primeiro turno da eleição de 2022

Desde 1989, a abstenção em corridas presidenciais sempre foi maior no segundo turno em relação ao primeiro, de acordo com levantamento feito pela CNN Brasil.

No segundo turno de 2022, 12 estados terão disputa para o governo do estado. Outros 15 governadores foram eleitos em 2 de outubro. Ou seja, em muitos locais, a ida às urnas servirá apenas para o voto para presidente.

Os fatores que podem levar alguém a não comparecer à urna são múltiplos . Incluem: a distância até o local de votação; o custo do transporte; o medo de violência política; o entusiasmo (ou falta de) com relação aos candidatos; e outros fatores.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS 01/10/2022

Mesário instalando urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições presidenciais 2022

Mesário instalando urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições presidenciais 2022

Há também grupos dentro da população com taxas maiores de não-comparecimento. “No Brasil, como na maior parte das democracias, a abstenção é especialmente concentrada nas faixas de renda mais baixa e de menor escolaridade, e entre os jovens, sobretudo. Também entre os eleitores de mais idade, a partir dos 70 anos, quando o voto deixa de ser obrigatório, vai diminuindo acentuadamente o comparecimento”, afirmou o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), em entrevista ao Nexo realizada antes do primeiro turno.

A mobilização das campanhas

No primeiro turno, a campanha de Lula fez esforços para minimizar a abstenção . A preocupação era que a abstenção atingisse principalmente as pessoas com renda mais baixa – grupo em que o petista tem bom desempenho –, prejudicando os números de Lula. Isso não impediu um baixo comparecimento, na comparação com outros pleitos.

O PL, partido de Bolsonaro, entrou com um pedido na Justiça Eleitoral em 1° de outubro – véspera do primeiro turno – para limitar a oferta de transporte público gratuito no dia da eleição. Benedito Gonçalves, do TSE, negou o pedido, o qual avaliou como “ absurdo ”.

Já no segundo turno, o pedido de liberar o transporte público no dia da votação partiu da Rede Sustentabilidade, partido que integra a coligação do PT e que apoia a candidatura de Lula . A decisão de Barroso foi comemorada nas redes sociais pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos coordenadores da campanha do petista.

No dia seguinte à determinação do ministro, Bolsonaro disse que não iria recorrer da decisão . “Olha, nós poderíamos recorrer, mas não vamos recorrer. Vamos deixar todos que possam votar que votem. Que facilite a vida daquelas pessoas que não tem recurso para pagar transporte para a votação”, afirmou o presidente.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 23.SET.2022

Jair Bolsonaro e Lula estampam toalhas à venda na rua em Brasília

Jair Bolsonaro e Lula estampam toalhas à venda na rua em Brasília

A disputa sobre a gratuidade do transporte ganhou destaque em Minas Gerais, considerado um estado-chave nas eleições presidenciais. Lula ficou com 48,3% dos votos de Minas no primeiro turno, contra 43,6% de Bolsonaro.

O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), assinou na segunda-feira (24) a liberação das tarifas no dia do segundo turno. A medida foi articulada com apoio de membros da campanha de Lula.

Já o governador Romeu Zema (Novo) – reeleito no primeiro turno e um dos trunfos de Bolsonaro para tentar virar o placar entre os mineiros –, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que é contra a gratuidade em 30 de outubro. “Já expressei a minha opinião. É uma decisão municipal, mas a nossa orientação é essa: que se trabalhe na véspera e no dia da eleição como se trabalha o resto do ano. Se alguém está trabalhando diferente, gera suspeita”, disse Zema.

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