Como as mudanças climáticas afetam as crianças brasileiras
Beatriz Gatti
09 de novembro de 2022(atualizado 06/02/2024 às 10h59)Relatório do Unicef aponta riscos da crise climática no desenvolvimento infantil e no agravamento da desigualdade no Brasil, e chama a atenção para a falta de políticas de mitigação que priorizem os mais novos
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Crianças andam em área queimada da Chapada dos Guimarães, no Centro-Oeste brasileiro
Mais de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostas a um ou mais riscos ambientais agravados pelas mudanças climáticas no Brasil. É o que mostra o relatório “Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil”, divulgado nesta quarta-feira (9) pelo Unicef.
Segundo o órgão das Nações Unidas dedicado à infância, faltam no país políticas públicas de combate à crise climática que priorizem as populações mais vulneráveis aos eventos extremos – e as crianças, principalmente as negras, pobres e indígenas, são as mais sujeitas a esses efeitos. O lançamento do relatório coincide com a semana inicial da COP27, a conferência do clima da ONU , que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito, entre 6 e 18 de novembro.
Neste texto, o Nexo lista os principais impactos das mudanças climáticas sobre as crianças brasileiras, segundo o relatório do Unicef, e as recomendações apresentadas pelo órgão da ONU.
CAUSAS
A mudança climática começa com atividades que emitem grande quantidade de gases que agravam o efeito estufa, fenômeno responsável por tornar o planeta mais quente. Entre os gases emitidos estão o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso. A maior parte das emissões é causada por atividades dos setores de energia, transporte e alimentos.
EFEITOS
A emissão de gases como o CO2 agrava o efeito estufa e, como consequência, causa o fenômeno que tem sido chamado de aquecimento global. A principal consequência desse aquecimento é o aumento das temperaturas. Entre outros efeitos, há também a elevação do nível dos mares e o aumento de eventos climáticos extremos. A expressão mudança climática é um sinônimo abrangente de aquecimento global.
PROJEÇÕES
As projeções do clima mostram que o aquecimento global pode ultrapassar 2ºC ou mais até o fim do século 21 se o ritmo de emissões de gases do efeito estufa não diminuir. Para reduzir esse ritmo, são necessárias transformações em setores como o de energia e transportes. Em um futuro 2ºC, 3ºC ou 6ºC mais quente, a mudança do clima deve afetar (em grau maior ou menor) a economia, a saúde pública e o meio ambiente.
Segundo o relatório do Unicef, os elevados índices de poluição do ar e a grande degradação ambiental contribuem para expor os seres humanos a concentrações preocupantes de poluentes, frequentemente associadas a doenças respiratórias e cardiovasculares. No Brasil, dois a cada cinco adultos estão expostos a níveis de poluentes acima do recomendado. Entre crianças e adolescentes, essa proporção cresce para três a cada cinco.
24,8 milhões
de brasileiros com menos de 18 anos estão expostos a níveis de poluentes acima do recomendado, segundo o Unicef
Essa exposição à poluição acima do recomendado pode prejudicar os pulmões e o cérebro, afetando o desenvolvimento intelectual e comportamental. O ar poluído afeta especialmente o sistema imunológico das crianças, que estão mais suscetíveis a infecções respiratórias.
Outro efeito da crise climática é a mudança no regime de chuvas e nas temperaturas, que podem contribuir para a proliferação de vetores de doenças como a malária, febre amarela e dengue, que são transmitidas por mosquitos. Os casos mais graves dessas parasitoses costumam atingir crianças pequenas.
As mudanças no clima também impactam a produção de alimentos, o que pode resultar em insegurança alimentar, sentida especialmente por quem mais carece de diversidade de nutrientes, com efeitos de longo prazo para o desenvolvimento da criança.
A agricultura familiar é responsável por cerca de 80% dos alimentos consumidos por pessoas que vivem na pobreza, segundo o relatório do Unicef. E é justamente esse o modo de produção mais afetado por mudanças no regime de chuvas e intensificação das secas.
“Das propriedades rurais de agricultura familiar, 50% ficam no Nordeste, onde não só longos períodos de seca vêm se agravando nas últimas décadas, mas também onde partes do território correm risco de desertificação até 2050”, diz o documento.
Importante pilar para garantir uma nutrição segura para as crianças, as escolas sofrem duplamente com desastres naturais agravados por ações dos seres humanos. O relatório cita um estudo do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que analisou 18% dos municípios brasileiros e identificou, só neles, 721 escolas brasileiras sob risco de alagamentos e enchentes e 1.714 sob risco de deslizamentos. Isso equivale a cerca de 3 milhões de alunas e alunos afetados em apenas 18% dos municípios do Brasil.
Quando não sofrem diretamente com o desastre, as escolas frequentemente funcionam como ponto de apoio à comunidade, seja para receber insumos como roupas e alimentos, seja para acolher os desabrigados pelo evento climático ou geológico.
Segundo o Unicef, essa tendência frequentemente dificulta o retorno das atividades escolares e favorece a evasão dos estudantes. “Nessecontexto, o aumento na frequência e na intensidade dos desastres cria imediatamente um novo desafio”, aponta o documento.
Cerca de 100 milhões de brasileiros sofrem com a falta de acesso ao saneamento básico e pelo menos 42 milhões têm pouca ou nenhuma segurança no acesso à água tratada. O cenário se reflete nas escolas: 26% das instituições de ensino básico não têm acesso ao abastecimento público de água e 50% não têm acesso à rede pública de esgoto.
A situação se agrava diante de alterações no clima e nos índices pluviométricos. Em secas prolongadas, como no Nordeste se vê mais comumente, a diminuição da quantidade de água a torna um item raro, embora seja um recurso de sobrevivência fundamental. Já na intensificação das enchentes, existe o risco de que a água própria para o consumo seja misturada e contaminada pelo esgoto não tratado.
8,6 milhões
de meninas e meninos brasileiros estão expostos ao risco de falta de água
7,3 milhões
de meninas e meninos brasileiros estão expostos aos riscos decorrentes de enchentes de rios
O relatório “Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil” deixa claro que as desigualdades ficam mais evidentes diante da crise climática, que impacta ainda mais meninas e meninos pobres, negros, indígenas, quilombolas, refugiados e com deficiência.
De acordo com o documento, essas são as populações que já vivem em áreas de risco de desastres e, apesar de serem as primeiras a sofrerem os impactos da mudança do clima, são as que menos têm recursos para se adaptar a eles.
Ou seja, diante das ondas de calor, quem mais sofre são as pessoas sem acesso a ventilação adequada; diante da enchente de rios, são as casas em palafitas as primeiras a submergir; diante das secas, são as famílias pobres dos pequenos produtores que perdem o sustento e a própria alimentação.
Segundo o relatório, meninos e meninas têm muito menos chances de se desvencilhar dessa situação de desigualdade climática, já que a probabilidade de uma criança viver na pobreza é duas vezes maior do que a de um adulto.
O Unicef destaca que meninas e meninos estão praticamente ausentes em políticas relacionadas ao meio ambiente no Brasil. A primeira recomendação apresentada no relatório diz respeito justamente à priorização de crianças e adolescentes em discussões tanto a nível governamental quanto da sociedade civil.
A participação de crianças e adolescentes no debate de políticas públicas é outra ação importante apontada pelo Unicef. O relatório propõe que o país acompanhe a tendência observada no mundo de que os jovens estão e querem estar cada vez mais engajados na pauta do clima – como se observa na COP27, que tem pela primeira vez um pavilhão dedicado exclusivamente às crianças e à juventude.
“Amplificar o alcance dessa mobilização e lhe garantir espaços derepercussão e influência significa assegurar o direito de crianças, adolescentes e jovens de inspirar e dar forma às decisões que afetam diretamente seu futuro”, afirma o texto.
Além destas, o órgão das Nações Unidas elenca ainda 13 recomendações específicas relacionadas a questões de saneamento básico, alimentação, conservação de florestas e doenças transmitidas por vetores, entre outros temas:
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