Expresso

Os embates para definir quem paga a conta da crise do clima

Mariana Vick

13 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h50)

Financiamento de ações contra mudança climática está entre os temas centrais da COP27, conferência da ONU no Egito. Países atingidos por desastres cobram envio de recursos, enquanto economias ricas divergem

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FOTO: MOHAMED ABD EL GHANY/REUTERS – 10.NOV.2022

Pessoas de óculos escuros e máscaras contra a covid-19 seguram cartazes que pedem, em inglês, ações de financiamento climático e de reparação de perdas e danos. Elas protestam durante o dia, ao ar livre.

Ativistas protestam por financiamento climático durante a COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito

O financiamento climático é um dos temas centrais da COP27, edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que acontece entre 6 e 18 de novembro em Sharm El-Sheik, no Egito. O encontro deve decidir sobre a implementação do Acordo de Paris, tratado internacional de combate à crise do clima assinado em 2015.

A discussão sobre quem paga a conta das ações para enfrentar a crise acontece em um contexto em que eventos climáticos extremos, como inundações e ondas de calor, têm crescido e devastado a infraestrutura de países em desenvolvimento, considerados mais vulneráveis aos prejuízos. O tema entrou na pauta oficial da COP27 pela primeira vez em 2022. Apesar disso, divergências entre os participantes da conferência podem dificultar uma decisão sobre o assunto.

O Nexo explica o que é o financiamento climático, como o debate sobre o tema aparece na COP27 e quais são os riscos de não fazê-lo. Mostra também qual o impacto de eventos climáticos extremos nos últimos anos e como o envio de recursos para recuperar as perdas pode também representar um risco econômico para os países que os receberem.

O que é financiamento climático

Segundo a Organização das Nações Unidas, o termo financiamento climático (ou financiamento do clima) se refere ao dinheiro que deve ser destinado a ações de combate à mudança do clima e às consequências que ela traz, principalmente para as pessoas que vivem em países com menos condições de enfrentá-la.

Essa discussão parte da premissa de que os países desenvolvidos devem financiar medidas de mitigação e adaptação para a mudança climática em países em desenvolvimento, pois, desde o início do processo de industrialização, as nações mais ricas foram as principais responsáveis pela maior parte das emissões que causaram a crise.

FOTO: ADNAN ABIDI/REUTERS – 30.ABR.2022

Homem está sentado na parte traseira de um prédio, olhando para o celular. Ao redor dele, nas janelas, há aparelhos de ar-condicionado.

Homem usa celular em meio a aparelhos de ar-condicionado na parte traseira de um prédio em Nova Déli, na Índia

Segundo a plataforma Climate Watch, criada pelo World Resources Institute, uma instituição global de pesquisa, China e Estados Unidos foram os dois países que mais lançaram gases-estufa em 2019, quando foi feita a última estatística. O Brasil está em sexto lugar no ranking. Países mais pobres, como as pequenas ilhas do Pacífico e os do continente africano, tendem a aparecer nas últimas posições.

60%

das emissões globais são causadas por apenas 10 países , segundo dados de 2019 da plataforma Climate Watch

O financiamento climático não é um tema novo em cúpulas do clima.Em 2009, na COP15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, os participantes estabeleceram a meta segundo a qual, entre 2020 e 2025, os países desenvolvidos levantariam juntos US$ 100 bilhões por ano para investir em ações de combate à crise do clima.

Esse pacto foi reiterado na assinatura em 2015 do Acordo de Paris, principal tratado climático internacional. O acordo busca limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2100. Atualmente, a temperatura média do planeta já cresceu 1,1ºC em relação àquela época.

Até hoje, no entanto, a meta não foi cumprida, como reconheceram os países mais ricos nas últimas COPs. Apesar de governos, empresas e organizações desses países terem liberado recursos , eles não chegaram ao patamar de US$ 100 bilhões por ano. Problemas de transparência dos recursos e divergências entre os países sobre como aplicá-los têm travado essa discussão nas conferências.

Qual é o destino do financiamento

Mitigação

Existem diferentes formas de se combater a mudança do clima. A primeira delas é a mitigação. O conceito se refere a medidas que façam os países reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa, que são os principais responsáveis pela crise. Entre essas medidas, está o investimento em fontes renováveis de energia (eólica, solar, etc.) para substituir fontes como o carvão.

Adaptação

Já o conceito de adaptação se refere às medidas necessárias para ajudar um país ou uma região a se preparar para os efeitos da mudança climática. Essa ideia parte da premissa de que a crise já está em curso: mesmo que os países reduzam o lançamento de gases de efeito estufa, eles ainda sofrerão as consequências das emissões feitas nas últimas décadas. Entre as medidas de adaptação, está o investimento em infraestrutura (estradas, pontes, etc.) para resistir a inundações.

Perdas e danos

O conceito de perdas e danos se refere às consequências da mudança climática que acontecem quando os países não conseguem resistir ou se adaptar aos impactos da mudança do clima. Na COP27, países atingidos pela crise pedem recursos para se reconstruírem. Entre os países afetados, estão a Índia e o Paquistão , que tiveram perdas de infraestrutura após uma forte onda de calor em 2022.

Como esse debate aparece na COP27

O debate sobre financiamento climático aparece principalmente dentro do tema de perdas e danos na COP27. O assunto ganhou centralidade em Sharm El-Sheik por ter sido inserido pela primeira vez dentro das negociações formais de uma conferência do clima da ONU, depois de anos em que os participantes do evento tentaram evitá-lo.

A discussão sobre perdas e danos está no Acordo de Paris. Da mesma forma que o tratado de 2015 estabeleceu o financiamento climático de US$ 100 bilhões anuais, ele criou um espaço para tratar das questões de perdas, abrindo a possibilidade de haver um novo mecanismo de financiamento (que não sairia dos US$ 100 bilhões iniciais) para lidar com elas.

FOTO: DAVID GRAY/REUTERS – 25.05.2013

Uma mulher, segurando um peixe, se equilibra sobre uma minúscula pedra em meio ao enorme oceano em volta.

Sobre uma pedra, mulher segura peixe que seu marido acabou de pescar, em Tarawa, Kiribati

Apesar disso, o tema levanta divergências. Enquanto países mais pobres e mais vulneráveis aos prejuízos da mudança climática exigem dos mais ricos a criação de um novo meio de financiamento por perdas e danos, o segundo grupo tende a não querer assumir mais um compromisso financeiro.

A principal justificativa dos países ricos para não se comprometer com o tema é que um novo mecanismo de reparação de perdas e danos poderia obrigá-los a atender a pedidos exorbitantes de recursos. O grupo também teme os efeitos jurídicos de assumir que são responsáveis pelos prejuízos da mudança climática em outros países.

Enquanto isso, países em desenvolvimento afirmam que eventos climáticos extremos (como inundações, secas e ondas de calor intensas, que costumam ser as principais responsáveis pelas perdas e danos da mudança do clima) têm ficado cada vez mais frequentes, sem que esses países tenham recursos para enfrentá-los.

FOTO: MIKE HUTCHINGS /REUTERS – 26.03.2019

Mulheres em fila para receber comida em campo de desalojados em Beira, Moçambique

Essas divergências têm aparecido na COP27. Segundo a plataforma ClimaInfo, a divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento segue firme nas primeiras conversas da conferência no Egito. Estados Unidos e Austrália, por exemplo, defendem que, caso seja criado um novo fundo para perdas e danos, que isso não aconteça em 2022, mas em conferências futuras.

Em declaração no evento, o presidente do Sri Lanka, Ranil Wickremesinghe, criticou a possibilidade de adiamento. “Enquanto esses países consideram adequado esperar para fazer suas contribuições climáticas, eles parecem não ter tido qualquer dúvida ao gastar nos dois lados da guerra [da Ucrânia]”, disse, em referência ao conflito iniciado com a invasão russsa em fevereiro de 2022. O Sri Lanka passa por uma crise alimentar por causa da mudança do clima.

Segundo o ClimaInfo, as posições dos países divulgadas até agora na COP27 são baseadas em conversas informais . O texto de uma proposta para o tema, se houver, deve ser divulgado na segunda semana da conferência, que dura até o dia 18 de novembro. Os países têm até o fim do evento para aprovar ou rejeitar um acordo.

Quais são os riscos de adiar o debate

Outros pontos estão em discussão na COP27. Além do tema de perdas e danos, os participantes da conferência devem revisar a promessa de financiamento de US$ 100 bilhões anuais, ainda não implementada, e debater temas como adaptação para a mudança do clima, que também exige a liberação de recursos.

Caso ocorra, o adiamento do debate sobre esses temas tende a deixar a conta da crise cada vez mais cara. Quanto menos se investe em mitigação e adaptação para a mudança climática, mais o problema tende a se agravar, e mais perdas e danos os países tendem a sofrer. “De longe, o mais caro será compensar a perda de vida e biodiversidade”, disse o professor Saleemul Hub, da Independent University de Bangladesh, à agência Bloomberg.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 17.FEV.2022

Mulher caminha cabisbaixa enquanto carrega retrato grande de um bebê. Atrás dela há terra, lama e escombros.

Mulher carrega retrato em área onde houve deslizamento no Morro da Oficina, em Petrópolis

Além dos custos econômicos, o agravamento da crise do clima tem custos sociais e para o meio ambiente. Entre 2021, ano da COP26, e 2022, inundações, secas e ondas de calor em países como Índia, Paquistão, China e o Brasil , além de regiões como a Europa e o leste da África , causaram milhares de mortes e deixaram pessoas desabrigadas.

238

pessoas morreram depois de dias de chuvas mais fortes que o comum na cidade de Petrópolis (RJ) no início de 2022

“Quanto maior o aquecimento, piores os impactos”, disse no domingo (6), na abertura da conferência do Egito, o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Petteri Taalas. “Muitas vezes, os menos responsáveis pelas mudanças climáticas são os que mais sofrem, mas mesmo sociedades bem preparadas este ano foram devastadas.”

Segundo relatório da agência lançado na ocasião, os últimos oito anos foram os mais quentes da história, e a elevação do nível dos mares dobrou desde 1993. A agência também estima que em 2022 a temperatura média global será cerca de 1,15°C acima da média registrada na era pré-industrial, marcada entre 1850 e 1900.

O que é a mudança do clima

Causas

A mudança climática começa com atividades que emitem grande quantidade de gases que agravam o efeito estufa, fenômeno responsável por tornar o planeta mais quente. Entre os gases emitidos estão o CO2 (dióxido de carbono), o metano e o óxido nitroso. A maior parte das emissões é causada por atividades dos setores de energia, transporte e alimentos.

Efeitos

A emissão de gases como o CO2 agrava o efeito estufa e, como consequência, causa o fenômeno que tem sido chamado de aquecimento global. A principal consequência desse aquecimento é o aumento das temperaturas. Entre outros efeitos, há também a elevação do nível dos mares e o aumento de eventos climáticos extremos. A expressão mudança climática é um sinônimo abrangente de aquecimento global.

Projeções

As projeções do clima mostram que o aquecimento global pode ultrapassar 2ºC ou mais até o fim do século 21 se o ritmo de emissões de gases do efeito estufa não diminuir. Para reduzir esse ritmo, são necessárias transformações em setores como o de energia e transportes. Em um futuro 2ºC, 3ºC ou 6ºC mais quente, a mudança do clima deve afetar (em grau maior ou menor) a economia, a saúde pública e o meio ambiente.

Quais os riscos econômicos do financiamento

Pesquisadores e ativistas que acompanham a COP27 afirmam que há um risco de o financiamento climático virar uma armadilha de dívida externa para os países mais pobres caso esses recursos, se chegarem, vierem na forma de empréstimos em vez de doações dos países mais ricos.

A dívida externa é a soma de débitos que um país acumula depois de contrair empréstimos e financiamentos do exterior. Os fornecedores desses empréstimos podem ser governos, empresas privadas e bancos de outros países, além de entidades financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

FOTO: ADNAN ABIDI /REUTERS – 02.MAI.2022

Pessoas dormem espalhadas no chão, em uma área grande, debaixo de uma ponte. No primeiro plano, de costas, no centro da imagem, um homem caminha.

Pessoas dormem no leito do rio Yamuna, totalmente seco, debaixo de uma ponte em Nova Déli, na Índia

Acumular grandes dívidas é um problema crônico de países mais pobres. Caso ocorra na forma de empréstimos, o financiamento climático pode agravá-lo. Essas nações têm então um dilema: se não aceitarem os recursos, podem sofrer consequências graves da mudança climática; se aceitarem, podem contrair uma dívida impagável, capaz de comprometê-las no futuro.

“Os países em desenvolvimento precisam equilibrar as necessidades climáticas urgentes e o pagamento de dívidas. Se você não pode pagar suas dívidas, sua classificação de crédito cai e você compromete suas parcerias e sua capacidade futura de obter financiamento”, disse Jessica Omukuti, pesquisadora da Universidade de Oxford, do Reino Unido, ao jornal britânico Financial Times.

FOTO: ROOSEVELT CASSIO/REUTERS – 30.JUL.2021

Dois homens trabalham ao ar livre, em uma fazenda. À direita, um deles usa uma enxada. Atrás deles, há árvores grandes.

Trabalhadores recolhem café queimado por geada em fazenda em Varginha (MG)

Para evitar esse problema, parte dos ativistas defende que o financiamento climático seja feito na forma de doações. “Os países ricos devem reconhecer que é de seu interesse vital, bem como uma questão de justiça , devido aos graves impactos causados por seus altos índices de emissões atuais e passadas, investir em ação climática em mercados e países emergentes e em desenvolvimento”, disse ao jornal The Guardian o economista britânico Nicholas Stern.

Outra alternativa proposta por países em desenvolvimento é que eles possam usar os recursos que seriam destinados para pagar sua atual dívida externa para o financiamento de projetos locais de combate à mudança do clima. A proposta tem sido chamada no exterior de debt-for-nature (dívida-por-natureza) e poderia acelerar o financiamento climático nessas nações.

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