O que Musk planeja para o Twitter após a onda de demissões
Cesar Gaglioni
22 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h49)Bilionário quer estabilizar operação da empresa e investir na criação de um ‘super-app de tudo’ para competir com plataforma chinesa
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O empresário Elon Musk durante evento em 2018
Elon Musk está pronto para reconstruir o Twitter , segundo ele mesmo. Em uma reunião na segunda-feira (21), o bilionário sul-africano afirmou que a onda de demissões da empresa – que cortou 64% da força de trabalho da plataforma – acabou e que contratações vão começar.
A primeira e mais significativa delas foi a do programador George Hotz, considerado um “inimigo” de Musk por ter feito duras críticas à Tesla, montadora de carros elétricos do empresário, em 2015, após ter recusado uma oferta de trabalho na empresa. Hotz vai começar seu contrato assumindo a responsabilidade de melhorar o sistema de buscas da rede social que, segundo Musk, é “bagunçado e pouco eficaz.”
A chegada de Hotz e a busca por novos profissionais têm como objetivo estabilizar a plataforma, que tem sido permeada de incertezas desde que Musk assumiu as rédeas da empresa, e levar o Twitter em direção ao X, o “super-aplicativo de tudo” que o empresário deseja construir na próxima década para competir com o WeChat, aplicativo chinês que permite diversos usos, de troca de mensagens a pagamentos.
Neste texto, o Nexo explica quais são os planos imediatos e de longo prazo que Musk vê para o Twitter.
No fim de outubro, após meses de negociações e boatos que movimentaram a internet e o mercado de ações, o bilionário Elon Musk formalizou o processo de compra do Twitter pelo valor de US$ 44 bilhões.
Ao assumir o cargo de CEO, Musk demitiu boa parte dos profissionais do Twitter, enquanto outra porção significativa pediu demissão voluntariamente por não concordar com as visões do empresário para a plataforma.
7.500
era o número de funcionários do Twitter antes de Musk
2.700
era o número de funcionários na segunda-feira (21)
Para assumir a plataforma, Musk exigia que os funcionários “trabalhassem muito duro e por muitas horas” e que quem não estivesse comprometido com essa visão, estava convidado a se retirar da empresa.
A saída massiva de funcionários e de times essenciais para o funcionamento da plataforma fez com que usuários publicassem a hashtag #RipTwitter (“Descanse em paz, Twitter”). Houve especulação de que o serviço poderia sair do ar a qualquer momento, dada a falta de pessoal para manter tudo rodando – o que não aconteceu.
Musk também fez um “vai e vem” de decisões que deixou usuários e anunciantes confusos. Ele criou, “matou” e recriou um novo selo, que atesta perfis “oficiais”; e passou a cobrar US$ 8 mensais pelo selo azul de conta “verificada”.
Antes, o selo azul era dado a jornalistas, políticos, atores e outras personalidades importantes. Quando o Twitter passou a cobrar pela ferramenta, qualquer usuário poderia ter uma conta “verificada”. Assim, não demorou para que perfis falsos de empresas e famosos fossem criados com o selinho para gerar confusão e fazer paródias.
Empresas como Nintendo (de videogames) e Eli Lilly (farmacêutica) ganharam perfis falsos. A conta falsa da Nintendo publicou uma imagem do personagem Mario fazendo um gesto obsceno, enquanto o perfil fake da fabricante de remédios anunciou que pararia de cobrar pela insulina, causando uma queda nas ações da empresa na Bolsa. Companhias de Musk também foram alvos da tática, como a Tesla e a SpaceX.
A principal forma de arrecadação do Twitter vem de anunciantes, que pagam para exibir anúncios para o maior número de usuários possível. Com a instabilidade da gestão Musk, boa parte deles deixou de aportar os valores dedicados ao marketing na plataforma.
Por ter capital fechado, não se sabe quanto foi o prejuízo do Twitter com a movimentação, mas a agência de notícias Bloomberg chegou a dizer que Musk afirmou que a empresa poderia falir em 2023 .
Na reunião de segunda-feira (21), Musk disse aos funcionários do Twitter que os primeiros meses da transição da empresa serão marcados por “muitos erros”, mas que, com o passar do tempo, “tudo vai se estabilizar.”
As contratações vão voltar a acontecer. A primeira delas foi a do programador George Hotz, que ficou conhecido em 2008 por hackear o primeiro iPhone e era considerado um “inimigo” de Musk.
Em 2015, Hotz trabalhava na startup Comma.ai, uma empresa que queria transformar qualquer carro – independentemente do ano de fabricação – em um veículo autônomo, um dos destaques da Tesla, montadora de Musk.
Naquele ano, em trocas no Twitter e artigos na imprensa, Musk e Hotz se alfinetaram. O bilionário dizia que era impossível uma startup conseguir o feito; Hotz afirmava que Musk só queria desestabilizar a concorrência para lucro próprio.
No dia 16 de novembro, Hotz publicou em sua conta no Twitter que o ultimato de Musk aos funcionários era justo, e que aceitaria trabalhar em melhorias na empresa a partir de um “estágio” de 12 semanas, recebendo apenas o custo de aluguel, alimentação e transporte em San Francisco, cidade que abriga a sede do Twitter. O acordo foi firmado na segunda-feira (21).
Na reunião, Musk disse que as contratações prioritárias são de programadores, necessários para manter a infraestrutura do site no ar. Na sequência, profissionais do marketing, capazes de trazer anunciantes para as plataformas. “Ainda não anunciamos as vagas no nosso blog corporativo, mas aceitamos indicações”, disse o empresário aos funcionários.
Com a estabilização do funcionamento interno do Twitter, os planos imediatos de Musk são:
A moderação de conteúdo tem sido uma das bandeiras de toda a carreira de Musk. O empresário acredita que a administração anterior era rígida demais na hora de remover discursos de ódio e desinformação das redes. Ele se autointitula um libertário.
O bilionário acredita que desinformação e discursos de ódio nas redes sociais não são um problema real fora do ambiente digital e que a liberdade de expressão dos usuários deve ser irrestrita. “A liberdade de expressão é fundamental para qualquer democracia”, escreveu em março. “O Twitter [ao remover certos conteúdos] falha em garantir princípios básicos.” Ao longo dos anos, o Twitter foi investindo mais tecnologia e pessoal para frear desinformação e discursos de ódio na plataforma, num movimento similar ao de outras redes sociais. Reclamações de usuários sobre o ambiente digital propiciado pela rede social, considerado tóxico por muitos, também levaram a mais restrições em anos recentes.
No sábado (19), Musk reativou a conta de Trump na plataforma. O ex-presidente americano estava banido da rede desde janeiro de 2021, quando incitou parte de seus apoiadores a invadir o Congresso americano, afirmando que o pleito que elegeu Joe Biden para a Casa Branca tinha sido fraudado. Apesar de voltar a ter presença na plataforma, Trump ainda não publicou nada, já que, no tempo fora, criou a Truth Social , sua própria rede social.
O rapper Kanye West, banido da plataforma no início de novembro por falas antissemitas, também teve sua conta reativada. A única figura proeminente que segue banida do Twitter é o polemista e teórico da conspiração Alex Jones.
Jones ficou conhecido por dizer que o massacre da escola Sandy Hook, nos EUA, em 2012, foi encenado para avançar uma legislação que restringia o acesso às armas no país. Ele foi condenado em agosto a pagar US$ 500 milhões às famílias das vítimas como indenização. No Twitter, Musk escreveu: “Meu primeiro filho morreu nos meus braços. Senti a última batida do coração dele. Jamais daria voz a alguém que usa a morte de crianças para lucrar.”
De acordo com Musk, o Twitter é uma “praça pública” e a compra da empresa é uma “aquisição feita por alguém moderado, e não alguém da extrema direita”. Para ele, o site deve “trazer pontos de vista de todos os tipos”, sem grandes restrições.
Todos os planos imediatos de Musk para o Twitter têm um objetivo maior: fazer com que a rede seja parte do X, um “super-aplicativo de tudo.”
A ideia de Musk é replicar no Ocidente algo como o WeChat , aplicativo chinês da empresa Tencent, que permite troca de mensagens, pedidos de supermercado, solicitações de transporte, pagamentos diversos, publicação de fotos e vídeos e também a procura de empregos. O WeChat é usado por 1,25 bilhão de chineses – 85% da população do país.
“Não há algo similar ao WeChat no Ocidente”, disse Musk em outubro, antes de concretizar a compra. “Temos a oportunidade de fazer isso, de criar o X, o super-aplicativo de tudo.”
Para analistas, os planos de Musk para o aplicativo X podem ser frustrados . “É uma solução para um problema que não existe”, disse à emissora canadense CBC Julian Birkinshaw, diretor da Escola de Negócios de Londres. “As pessoas já se habituaram a fazer essas diferentes coisas em diferentes aplicativos.”
O mesmo foi dito por Parmy Olson, colunista de tecnologia do jornal americano The Washington Post. “Criar uma base de usuários grande o suficiente para competir com o WeChat, WhatsApp ou Facebook é impossível”, afirmou em outubro. “Seria como tentar replicar o crescimento de Nova York até se tornar uma metrópole no século 19. O boom já passou. As redes já estão estabelecidas.”
Na visão de Ronaldo Lemos, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, os planos do Twitter refletem a bagunça interna na empresa e no setor de tecnologia como um todo.
“Ao adquirir o Twitter, Elon Musk entrou em uma fria. Fez uma oferta para comprar a empresa por um preço alto demais. Tentou pular fora da aquisição, mas foi processado e acabou sendo forçado a seguir em frente. O resultado é que a empresa mergulhou no caos nas últimas semanas”, afirmou em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo no domingo (20).
“A confusão dentro do Twitter está ofuscando a atenção sobre um buraco bem maior. A crise no setor é geral. Tanto Meta como Amazon fizeram demissões significativas para reduzir custos. O Google deve ser o próximo. O setor de tecnologia está deixando de ser Top Gun e virando ao menos por enquanto um Exército de Brancaleone. Com Elon Musk tocando bumbo na infantaria.”
Em caso de falência do Twitter, Musk pode perder boa parte de sua fortuna e poder . O bilionário vendeu cerca de US$ 17 bilhões em ações da Tesla para financiar a empreitada. Por não ter controle enquanto fundador da empresa e ter diluído parte de sua participação nela, o conselho diretivo da montadora pode vir a afastá-lo do cargo de CEO. Para cobrir rombos no Twitter, ele teria que vender mais papéis, em um ciclo vicioso.
As ações da Tesla caíram 73,3% desde que Musk anunciou a compra do Twitter em abril. Elas eram vendidas a R$ 101,36 cada naquele mês. Em 22 de novembro, estão avaliadas em R$ 28,31.
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