Expresso

O que o Fundo Amazônia fez. E o que pode fazer agora 

Mariana Vick

26 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h51)

Iniciativa que recebe doações internacionais teve papel importante na redução do desmatamento nos anos 2000 e 2010, mas foi paralisada em 2019. Governo eleito pretende retomá-la e captar mais recursos

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 10.AGO.2020

Homem com capacete e uniforme laranja anda pela floresta com uma serra elétrica na mão direita. A câmera o vê de costas.

Brigadista do Ibama tenta controlar focos de incêncio em área próxima de Apuí, no Amazonas

Paralisado desde 2019, o Fundo Amazônia , que reúne doações de outros países para financiar projetos de conservação da floresta brasileira, deve ser reativado em 2023 por ordem recente do Supremo Tribunal Federal e também por iniciativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a promessa de retomar políticas ambientais descontinuadas por Jair Bolsonaro.

Criado no segundo mandato de Lula, o fundo teve um papel importante na redução do desmatamento e no apoio a iniciativas de produção sustentável na Amazônia nas décadas de 2000 e 2010. Segundo integrantes da equipe do governo eleito, a volta da iniciativa pode ajudar o Brasil a reverter a tendência de alta do desmate no último governo e a cumprir suas metas atuais de combate à mudança climática.

O Nexo explica o que é o Fundo Amazônia, quais ações ele financiou e qual foi seu impacto para a conservação da floresta no período em que esteve funcionando. Mostra também por que o fundo foi paralisado em 2019 e quais são as expectativas para sua reativação a partir de 2023.

O que é o Fundo Amazônia

Idealizado em 2007, na conferência do clima da ONU em Bali, e criado em 2008, o Fundo Amazônia é uma iniciativa do Brasil para captar investimentos para ações de conservação da Amazônia. Os principais doadores do fundo são Noruega e Alemanha e a gestão dos recursos é do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

FOTO: LUCAS LANDAU/REUTERS – 07.SET.2021

Indígena está sentado sobre pequeno barco, que navega por um rio. Atrás desse rio vê-se a floresta.

Indígena da etnia Kayapó faz vigilância da Terra Indígena Menkragnoti (PA) contra invasores

O fundo tem como objetivo combater o desmatamento e a mudança climática. Principal financiadora da iniciativa até 2019, a Noruega, por exemplo, sempre condicionou o envio de recursos à redução das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, que se dá por meio da queda da taxa de desmatamento da Amazônia.

R$ 4,3 bilhões

foi o dinheiro que o fundo captou de 2008 a dezembro de 2018; mais de 90% foram da Noruega, seguidos por recursos da Alemanha e da Petrobras

As verbas recebidas são aplicadas para ações como de monitoramento do desmate, gestão de florestas públicas e recuperação de áreas desmatadas. De 2008 a 2012, o fundo fez parte de um conjunto de ações do governo federal que levaram à redução do desmatamento na Amazônia. O desmate voltou a crescer em 2013, e se intensificou a partir de 2019, primeiro ano de Bolsonaro e o último de funcionamento do fundo.

Trajetória

Desmatamento anual na Amazônia. Curva ascendente a partir de meados dos anos 2010.

O Fundo Amazônia passa por dois processos de auditoria para analisar o uso dos recursos. A primeira é uma auditoria contábil, externa ao BNDES, e a outra é uma auditoria de cumprimento, que verifica se a aplicação dos recursos recebidos cumpre com critérios de redução de emissões definidos pelo fundo e em diretrizes nacionais do clima.

Além da gestão do BNDES, o fundo tinha até 2019 comitês que determinavam suas diretrizes, acompanhavam resultados e, na área técnica, verificavam as emissões vindas do desmatamento na Amazônia. Eram compostos por cientistas, integrantes de governos estaduais, ambientalistas e membros da sociedade civil organizada.

Os projetos que o fundo apoiou

Combate a incêndios

Entre as iniciativas apoiadas pelo Fundo Amazônia, estão projetos de combate a queimadas e incêndios florestais em estados como Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Os recursos são usados para a compra de equipamentos para os batalhões de combate a incêndio nos estados, por exemplo.

Terras indígenas

Segundo estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sobre o Fundo Amazônia, os projetos financiados pela iniciativa deram apoio a 101 terras indígenas . Feitos em estados como Amazonas, Acre, Pará e Mato Grosso, os projetos trataram de temas como pesca sustentável em terras indígenas, conservação das florestas nos territórios e proteção de povos indígenas isolados .

Propriedades rurais

A pesquisa do Inesc também mostra que recursos do Fundo Amazônia entraram em projetos que apoiaram mais de 746 mil produtores rurais a se inscrever no CAR (Cadastro Ambiental Rural). O CAR é um registro eletrônico obrigatório para todas as propriedades rurais que ajuda o governo federal a monitorar essas áreas e combater o desmatamento.

Recuperação

Outros projetos que receberam recursos do Fundo Amazônia ao longo dos anos buscaram recuperar áreas degradadas , como nascentes de rios e a vegetação de seu entorno (que precisam receber proteção especial , segundo o novo Código Florestal), em estados como o Mato Grosso, um dos mais degradados da Amazônia.

O que levou à paralisação do fundo

O fundo virou foco de crise quando, em 2019, o então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, afirmou que havia encontrado irregularidades em contratos de ONGs e que iria mudar os critérios de escolha dos projetos beneficiados. Mais de 100 projetos do fundo haviam sido feitos em parceria com ONGs desde 2008.

Salles apontou como indícios de problemas a concentração de verbas em recursos humanos, gestão administrativa, viagens e cursos. Parte dos contratos, segundo ele, destinava até 70% de recursos para pagamento de funcionários das ONGs parceiras. O então ministro disse também ter encontrado casos de liberação de crédito sem prestação de contas.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 01.08.2019

Sentados lado a lado com microfone à frente, Bolsonaro e Ricardo Salles olham na mesma direção. Com o polegar esquerdo, Bolsonaro aponta para Ricardo Salles. Com o indicador direito, Ricardo Salles aponta na direção em que está olhando.

O presidente Jair Bolsonaro e Ricardo Salles em evento no Palácio do Planalto

Bolsonaro faz críticas desde 2019 a ONGs e à sociedade civil. Salles, ao criticar eventuais falhas do Fundo Amazônia, disse que Noruega e Alemanha haviam concordado com a proposta de mudanças na iniciativa, mas foi desmentido pelos financiadores. Os alemães disseram que poderiam deixar o fundo caso houvesse mudança com as quais não concordassem.

“A Noruega está satisfeita com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e os significativos resultados que as entidades apoiadas pelo fundo alcançaram nos últimos 10 anos”

Embaixada da Noruega

em nota publicada em 2019 após críticas de Salles ao Fundo Amazônia

Salles propôs na mesma época outra mudança. O então ministro queria permitir que as doações do Fundo Amazônia fossem usadas para pagar indenizações do governo federal a proprietários que viviam dentro de unidades de conservação. Segundo o governo, diversas áreas protegidas haviam sido criadas nos anos anteriores em locais onde havia produtores rurais — que, sem indenização e sem conseguir deixar o local, estavam vivendo em situação irregular.

“Podemos usar parte do dinheiro do Fundo Amazônia para fazer regularização fundiária. Vamos diminuir o problema desses conflitos. Isso significa menos madeira ilegal sendo retirada, menos garimpo ilegal. […] Tem de ter uma certa criatividade e ousadia para resolver”

Ricardo Salles

então ministro do Meio Ambiente, em declaração em maio de 2019 ao jornal O Estado de S. Paulo

As regras do Fundo Amazônia não permitem o uso de recursos para pagar indenizações por desapropriação. Mudanças de normas no meio do programa poderiam ainda criar atritos com os doadores, como começou a acontecer a partir de então. Em uma carta de resposta a Salles, os governos parceiros do fundo rejeitaram a proposta.

FOTO: NACHO DOCE/REUTERS

Área desmatada na região amazônica de Itaituba, no Pará

Área desmatada na região amazônica de Itaituba, no Pará

O quadro piorou quando, em julho de 2019, o governo federal extinguiu dois comitês responsáveis pela gestão do fundo. Salles disse na época que os projetos financiados pela iniciativa não seriam afetados pelo fim dos órgãos colegiados e que dialogaria com Noruega e Alemanha para negociar o funcionamento do fundo a partir de então.

A medida, porém, fez os doadores interromperem o envio de novos repasses. Segundo relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), mais de R$ 3 bilhões estão paralisados no Fundo Amazônia desde então. A CGU afirma no texto que a mudança na iniciativa foi feita de forma unilateral e sem justificativa técnica, além de ter colocado em risco políticas de preservação ambiental no Brasil.

De 2019 a 2021, o desmatamento na Amazônia cresceu. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que, de agosto de 2020 a julho de 2021, a devastação no bioma foi a maior em 15 anos , resultando em 13.235 km² de floresta derrubada, o equivalente à área da Irlanda do Norte. Fora a suspensão do Fundo Amazônia, contribuíram para os números a queda da fiscalização na floresta e o incentivo aberto do governo ao afrouxamento da proteção ambiental.

Quais são as expectativas para sua retomada

Mais de três anos depois da suspensão do Fundo Amazônia, o Supremo Tribunal Federal determinou em novembro que o governo federal retome a iniciativa , depois de partidos de oposição a Bolsonaro terem acusado omissão do Executivo na gestão do fundo. O tribunal estabeleceu um prazo de 60 dias para a reativação.

Além de o Supremo ter dado essa ordem, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente para o terceiro mandato no fim de outubro com a promessa de resgatar políticas ambientais paralisadas pelo governo atual. O Fundo Amazônia está entre elas – a iniciativa foi criada em 2008, no segundo governo do petista.

FOTO: MARIANA GREIF/REUTERS – 31.OUT.2022

A deputada eleita Marina Silva e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista

A deputada eleita Marina Silva e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista

Pouco depois da vitória de Lula, no dia 30 de outubro, representantes da Noruega e da Alemanha anunciaram que pretendem desbloquear verbas do Fundo Amazônia para o Brasil e fazer novos repasses ao futuro governo. Lula confirmou a reabertura da iniciativa mais tarde com os noruegueses na COP27, conferência do clima da ONU que aconteceu no Egito.

“Estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável”, disse o presidente eleito em discurso na COP27. Com a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia, disse que o Brasil está aberto “à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica”.

“Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo”

Luiz Inácio Lula da Silva

presidente eleito, em discurso na COP27, no Egito

Segundo reportagem do jornalista Jamil Chade, no UOL, a equipe de Lula negocia a ampliação do Fundo Amazônia para incluir novos países doadores, como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e atual aliada do petista, conversou com representantes desses países na COP27. O governo eleito também busca parcerias com empresários e filantropos.

Para a equipe de transição, os recursos do fundo poderiam voltar a apoiar projetos que deram certo no passado, além de compensar a queda do orçamento destinado ao meio ambiente no governo Bolsonaro e o corte ainda maior previsto para 2023. Segundo o projeto da Lei Orçamentária Anual enviado ao Congresso em setembro, o Ministério do Meio Ambiente terá R$ 2,96 bilhões para usar no próximo ano, valor 6,4% menor que o de 2022. O Congresso ainda precisa aprovar a proposta.

Colaborou Caroline Souza com o gráfico

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas