Os desafios de Lula para cumprir promessas para a Amazônia
Mariana Vick
16 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h50)Presidente eleito disse na COP27 que quer implementar medidas para zerar a destruição do bioma. Política ambiental recente tem sido marcada por alta nos índices de desmatamento e paralisação de políticas de fiscalização
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Agente do Ibama em operação
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, disse nesta quarta-feira (16) em discurso na COP27, a conferência do clima das Nações Unidas, que quer tomar medidas para zerar o desmatamento e a degradação da Amazônia e dos outros biomas do país até 2030.
Principal pronunciamento de Lula até agora, o discurso marca uma virada a partir de 2023 na política ambiental do Brasil, que no governo de Jair Bolsonaro tem sido marcada pela paralisação de ações de fiscalização e pelo aumento do desmate na maior floresta tropical do mundo.
O Nexo explica o que Lula prometeu na COP27, em Sharm El-Sheikh, no Egito, qual o quadro do desmatamento na Amazônia nos últimos anos e quais são os desafios para que o novo governo reverta os altos índices de devastação. Mostra também as ações que já deram certo para combater o desmate no Brasil.
Lula fez um discurso longo na COP27 em que afirmou que o Brasil “está de volta para reatar os laços com o mundo” no campo da diplomacia climática depois de quase quatro anos do governo Bolsonaro, que rejeitou parcerias para combater o aquecimento global e preservar as florestas brasileiras.
Presidente eleito, Lula discursa na COP27, no Egito
Para zerar o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia, o presidente eleito disse que quer fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento da floresta e punir grupos que cometem crimes ambientais na região, como garimpo, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.
“Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo”
Lula também citou propostas como a criação do Ministério dos Povos Originários e a reativação do Fundo Amazônia, criado em 2008 para viabilizar iniciativas de preservação do bioma e financiado pela Alemanha e pela Noruega até 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando a iniciativa foi paralisada.
O presidente eleito faz essas promessas em um momento de alta do desmatamento na Amazônia. Em 2021, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgou que 13.235 km² da Amazônia brasileira foram derrubados entre agosto de 2020 e julho de 2021, o que representa um recorde de 15 anos.
O desmatamento na Amazônia cresceu a uma taxa média de cerca de 1.830 km² — pouco mais que a área da cidade de São Paulo — ao ano entre 2019, primeiro ano do atual governo, e 2021. O Inpe ainda não divulgou os dados de 2022. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, isso deve acontecer depois da COP27 .
O desmatamento na Amazônia cresceu desde 2019 em um contexto de paralisação de políticas públicas, mudanças dentro de órgãos de fiscalização florestal, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), cortes orçamentários e flexibilização de normas ambientais.
Segundo Raul do Valle, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, para reverter esse quadro Lula vai precisar desfazer medidas tomadas por Bolsonaro na administração pública. Entre elas, estão decretos, atos e normativas infralegais (ou seja, que não são leis) assinados no atual governo que, segundo ele, impedem ações mais efetivas contra infrações ambientais.
Vista aérea de área desmatada na Amazônia próxima a Porto Velho (RO)
Depois das eleições de 2022, o Instituto Talanoa, instituição dedicada a políticas climáticas, detalhou essas medidas. O grupo lançou um documento propondo a revisão ou a revogação total de 401 de 855 normas de Bolsonaro consideradas prejudicais para a lei ambiental no país, incluindo um decreto de 2019 que reduziu a aplicação de multas para quem pratica desmatamento ilegal, por exemplo.
Além de desfazer essas medidas, o novo governo tem o desafio de reestruturar os órgãos ambientais, segundo Valle. O governo Bolsonaro ficou marcado por reduzir funções, remover e perseguir funcionários de autarquias como o Ibama e o ICMBio, e Lula precisa reorganizar esses órgãos para retomar ações de fiscalização na Amazônia.
Valle citou o papel desses órgãos em políticas públicas como o PPCDam (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), responsável pela queda do desmatamento nos anos 2000. O plano, que contou também com a participação de outros órgãos, foi paralisado no governo Bolsonaro, mas deve ser retomado no governo Lula.
Para viabilizar essas medidas, o governo eleito deve precisar de recursos financeiros que não estão previstos na proposta de Orçamento discutida para 2023, segundo Valle, que considera os valores apresentados pelo governo Bolsonaro insuficientes.
Indígena da etnia Kayapó faz vigilância da Terra Indígena Menkragnoti (PA) contra invasores
De acordo com o projeto da Lei Orçamentária Anual enviado ao Congresso em setembro, o Ministério do Meio Ambiente terá R$ 2,96 bilhões para usar no próximo ano — valor 6,4% menor que o de 2022. O Ibama terá R$ 1,7 milhão, e o ICMBio terá R$ 711 mil. O Congresso ainda precisa aprovar a proposta.
Segundo Valle, existe a possibilidade de Lula driblar esse desafio se conseguir apoio financeiro internacional. O principal mecanismo de captação de recursos de outros países para ações em meio ambiente que existe hoje no Brasil é o Fundo Amazônia.
O fundo reúne doações de países que querem apoiar projetos de preservação e fiscalização da Amazônia, mas estava paralisado desde 2019 devido a discordâncias entre o governo Bolsonaro e doadores como Noruega e Alemanha. Com a eleição de Lula, ambos disseram que vão retomar os repasses a partir de 2023.
R$ 3 bilhões
estão paralisados no Fundo Amazônia hoje
Outro desafio de Lula para combater o desmatamento na Amazônia é político. Segundo Valle, no governo Bolsonaro grupos baseados na ocupação ou na extração ilegal de recursos da floresta — como grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros — se fortaleceram, e o governo eleito deve enfrentar oposição local.
Lula também vai ter que lidar com governadores dos estados da Amazônia que apoiaram Bolsonaro na eleição de 2022 e não propõem o desmatamento zero, como Antonio Denarium (PP), reeleito em Roraima, e Mauro Mendes (União), reeleito no Mato Grosso.
Centenas de balsas de garimpo no rio Madeira, em Autazes (AM)
“Lula vai ter, portanto, oposição das pessoas e das forças políticas locais. Vai ter que negociar muito. Além disso, vai precisar aportar soluções para o possível desemprego imediato em lugares que vivem de atividades ilegais [como o garimpo ilegal]”, disse Valle ao Nexo .
O presidente eleito foi à COP27 a convite de um consórcio de governadores dos estados da Amazônia Legal, que apareceu pela primeira vez na conferência da ONU de 2022 para captar recursos do exterior para projetos de desenvolvimento sustentável em seus estados.
Valle disse que é possível que nesse ponto Lula e os governadores tenham convergência. No discurso desta quarta-feira (16) na COP27, o presidente eleito disse que quer desenvolver a bioeconomia na Amazônia, produzindo cosméticos e medicamentos da biodiversidade local, por exemplo.
O país já conseguiu frear o desmatamento na Amazônia outras vezes. De 2004 a 2012, houve 83% de queda na atividade depois de o governo federal ter implementado o PPCDam (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), principal política pública criada para a região nos últimos anos.
Elaborado no primeiro mandato de Lula, o plano envolveu mais de dez ministérios e baseou-se na ideia de que o desmatamento não pode ser enfrentado de modo isolado por órgãos ambientais, mas deve ser abordado de forma abrangente e integrada por mais instâncias do governo federal. Os pilares do plano foram:
Além de ter aumentado o cerco sobre o desmatamento que existia, o PPCDam evitou novos desmates ao adotar medidas como a expansão de áreas protegidas, que são terras indígenas e unidades de conservação. O uso de recursos como do Fundo Amazônia contribuiu para o sucesso dessas medidas.
Imagem aérea das franjas da Amazônia, no Mato Grosso
Para Valle, a participação de órgãos de diferentes áreas vai ser importante para o combate ao desmatamento a partir de 2023. “Lula não vai conseguir zerar o desmate [em quatro anos], mas vai precisar diminuir. Para fazer isso no curto prazo, vai precisar de articulação”, disse.
Questionado sobre propostas como a criação de uma secretaria nacional de emergência climática e uma autoridade nacional de segurança climática, encabeçada por nomes como Marina Silva (Rede-SP), Valle disse que as iniciativas podem ser importantes não só para coordenar ações contra o desmatamento, mas outras políticas de combate à mudança do clima. Lula ainda não anunciou se vai criar esses órgãos.
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