Expresso

O que é agricultura de baixo carbono. E quais seus entraves

Marcelo Roubicek

18 de junho de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h28)

O ‘Nexo’ explica as principais práticas adotadas para reduzir as emissões na produção rural. Especialistas apresentam obstáculos para implementação

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 08.MAI.2021

Duas mulheres em uma plantação de café. Elas estão rodeadas de plantas. Uma delas segura um cesto.

Mulheres colhem café em plantação em São Paulo

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva discute em 2023 formas de incentivar a agricultura de baixo carbono . Para isso, os estímulos deverão ser ampliados no âmbito do novo Plano Safra , que deve ser anunciado até o fim de junho.

A economia de baixo carbono consiste em um conjunto de medidas que tentam reduzir (ou minimizar) a emissão de gases de efeito estufa na produção rural.

Neste texto, o Nexo detalha as práticas de agricultura de baixo carbono e mostra o histórico das políticas públicas em torno desse tema no Brasil. Também ouve especialistas que explicam os principais desafios de implementação no país.

A agricultura de baixo carbono

No Brasil, cerca de um quarto das emissões de gases de efeito estufa são produzidas pela agropecuária, segundo dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), ligado ao Observatório do Clima.

FOTO: BRUNO KELLY/REUTERS – 08.SET.2021

Vaca branca está de pé, olhando para a câmera. Ela está sobre o pasto. Atrás dela, há árvores e muita fumaça no céu.

Vaca em pasto desmatado na cidade de Humaitá, no Amazonas

Mais da metade disso se deve à pecuária e à fermentação entérica, conhecida também como arroto de boi . Mas uma boa parte — cerca de 30% — das emissões da agropecuária pode ser atribuída à agricultura.

Isso passa em boa medida pelo manejo do solo. Ou seja, a forma como o solo é tratado — em especial o uso de fertilizantes sintéticos, a aplicação de calcário e a incorporação de dejetos bovinos — impacta nas emissões da agricultura.

A agricultura de baixo carbono é um sistema de produção agrícola que tenta reduzir ou minimizar as emissões de gases, adotando diferentes tipos de medidas. Elas podem mirar a conservação do solo, a redução do uso de combustíveis fósseis (e fertilizantes químicos) ou o sequestro de carbono da atmosfera.

diferentes técnicas que podem ser adotadas em escala para atingir esses objetivos. Algumas dos principais são:

  • Recuperação de pastagens degradadas, via semeadura e adubação, que ajuda a capturar carbono no solo
  • Integração entre sistemas de lavoura, pecuária e floresta , conhecido como ILPF. A ideia é combinar em um mesmo espaço essas três coisas, mirando um melhor qualidade do solo e permitindo que a floresta remova parte das emissões da agricultura e da criação de animais
  • Plantio direto , que minimiza o reviramento do solo para conservá-lo. Material orgânico de safras anteriores é reaproveitado como adubo
  • Fixação biológica de nitrogênio , usando bactérias para substituir fertilizantes que emitem gases
  • Rotação de culturas , que significa alternar diferentes tipos de cultivos em um mesmo solo, para evitar seu esgotamento
  • Florestas plantadas , com reflorestamento para aumentar a captura de carbono
  • Tratamento de dejetos animais , reduzindo emissões de metano e outros gases
  • Sistemas agroflorestais , conhecidos como SAFs. É uma forma de ocupar o espaço com diferentes espécies de plantas e favorecendo a conservação do solo

A implementação no Brasil

O Brasil adotou a partir de 2010 o Plano ABC — ou seja, o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. Trata-se de uma política pública que promove a adoção das medidas listadas acima.

O governo dizia que o programa precisava de recursos na ordem de R$ 197 bilhões em dez anos para cumprir as metas estabelecidas dentro das ações previstas.

FOTO: RAHEL PATRASSO/REUTERS – 08.ABR.2020

Homem de chapéu anda entre longas filas de acelga que estão plantadas no solo

Agricultor em plantação de acelga em Piedade, São Paulo

A principal frente de atuação seria o crédito rural, que poderia ser contratado via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil ou instituições financeiras privadas. A previsão era de R$ 157 bilhões em empréstimos com taxas de juros favoráveis.

O total contratado, no entanto, ficou bem abaixo da meta. Foram tomados R$ 27,7 bilhões em linhas de crédito no âmbito do Plano ABC entre 2010 e 2019. O governo desembolsou R$ 17,3 bilhões , segundo dados do Ministério da Agricultura. Segundo a pasta, as metas de redução de emissões para o período foram alcançadas .

Em 2021, o governo Jair Bolsonaro renovou o programa, rebatizado de Plano ABC+, válido até 2030. As metas foram renovadas e ampliadas , mas não houve detalhamento sobre quantias dedicadas ao financiamento .

Agricultura de baixo carbono e o Plano Safra

O principal canal para financiamento do Plano ABC (em suas duas versões) é o Plano Safra , maior programa do governo federal para financiamento rural. É a mais importante ferramenta de atuação do governo para ajudar os produtores agrícolas no Brasil.

As linhas de crédito do Plano ABC acabaram se tornando o braço sustentável do programa. No Plano Safra de 2022/23, o governo Bolsonaro previu R$ 6,19 bilhões para empréstimos no âmbito do Plano ABC+.

1,8%

dos recursos do Plano Safra 2022/23 foram destinados ao Plano ABC+

Para 2023/24, o governo Lula diz que o Plano Safra terá como foco a agricultura de baixo carbono. O programa deverá ser lançado até o final de junho.

“O Plano Safra 2023/2024 terá a agricultura de baixo carbono como linha mestra”

Carlos Fávaro

Ministro da Agricultura e Pecuária, em reunião ministerial em 18 de abril de 2023

Em fevereiro de 2023, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, sugeriu que o Plano Safra fosse dedicado a ações para transição à agricultura de baixo carbono.

“São mais de R$ 400 bilhões que podem ser usados como a base de transição para a agricultura de baixo carbono”

Marina Silva

Ministra do Meio Ambiente, em entrevista coletiva em 15 de fevereiro de 2023

A ideia é que produtores rurais que adotarem técnicas de baixo carbono terão condições melhores de financiamento. Ou seja, poderão conseguir crédito com taxas de juros reduzidas, mesmo que em linhas que não necessariamente foram reservadas para investimento em técnicas de baixo carbono no âmbito do Plano ABC+.

A questão do monitoramento

Isabel Garcia Drigo, gerente de clima no Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), disse ao Nexo que um dos principais empecilhos para a implementação da agricultura de baixo carbono no Brasil diz respeito à dificuldade de monitoramento das ações. A pesquisadora afirmou, aliás, que não é possível avaliar o saldo da primeira versão do Plano ABC, justamente pela falta de informações.

Um diagnóstico parecido foi feito em relatório de 2016 pela CGU (Controladoria-Geral da União). O documento apontou fragilidades no monitoramento, acompanhamento e fiscalização das ações do Plano. Também citou a falta de dados completos para apurar o cumprimento das metas do programa.

FOTO: PAULO WHITAKER/REUTERS – 29.ABR.2013

Agricultor coleta tomates em São Paulo

Agricultor coleta tomates em São Paulo

Segundo Garcia Drigo, esses problemas de monitoramento abrem a possibilidade de que haja “greenwashing” na aplicação dessas técnicas — ou seja, que a pauta da agricultura de baixo carbono seja apropriada como um verniz, sem que haja medidas efetivas nesse sentido. “O que faz diminuir esse risco é a capacidade de monitoramento daquilo que é feito com o dinheiro conseguido via crédito agrícola e investimento. Precisamos de monitoramento e transparência dos dados”, afirmou.

Paula Packer, chefe geral da Embrapa Meio Ambiente, também falou no monitoramento como forma de evitar o greenwashing. “A agricultura de baixo carbono precisa ser pensada em termos de MRV: medição, verificação e reporte”, disse ao Nexo . “Isso tem que ter um planejamento a nível governamental. Se não medir, não verificar e não reportar, não consegue a base para que o plano funcione”, afirmou.

Outras limitações

Packer também disse que a ideia de ampliar o espaço para agricultura de baixo carbono no Plano Safra é bem vinda.

Segundo Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, essa ampliação do financiamento via Plano Safra é o caminho para solucionar um dos problemas de implementação das práticas de baixo carbono no Brasil.

“Até agora era uma parcela muito pequena, no máximo por volta de 4,5% do total do crédito [do Plano Safra] concedido para práticas e técnicas de baixo carbono”, disse Mesquita ao Nexo . “A decisão do governo de ampliar essa porcentagem do Plano Safra com financiamento de práticas ABC é desejada e necessária”, afirmou.

Na mesma linha de raciocínio, Priscila Souza, gerente sênior de pesquisa do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), disse ao Nexo que “é preciso que todo o Plano Safra esteja alinhado com a sustentabilidade, gerando incentivos corretos para a adoção de práticas sustentáveis”.

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 2.JUN.2015

Homem planta mudas em projeto de reflorestamento no Rio de Janeiro

Homem planta mudas em projeto de reflorestamento no Rio de Janeiro

A pesquisadora afirmou que, além do crédito, é necessário que outros mecanismos financeiros sejam incorporados à política de incentivo à agricultura de baixo carbono. “A disponibilidade de seguro rural e instrumentos de gerenciamento de risco também é necessária, tanto para mitigação de mudanças climáticas como para a adaptação (ao permitir aos produtores lidarem com secas e eventos extremos cada vez mais frequentes)”, disse Souza.

Garcia Drigo, do Imaflora, colocou como obstáculo adicional a questão do tamanho do país. “A dificuldade de implementar passa pela dimensão do Brasil rural. As mais desafiadoras são as regiões da Amazônia e do Cerrado, precisamos de muitos mais recursos canalizados para essas regiões, e também de assistência técnica”, afirmou a pesquisadora.

Um documento produzido pelo Banco do Brasil sobre agricultura de baixo carbono também falou sobre as dificuldades de implementação da política, com poucas condições, em muitas áreas do Brasil, de adotar as tecnologias propostas.

Mesquita, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, disse que a dificuldade se deve, em parte, a questões culturais. “Muitos produtores agropecuários no Brasil ainda são muito resistentes a novas práticas e a novas técnicas de manejo e produção”, afirmou.

FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Área desmatada na Amazônia

Área desmatada na Amazônia

Para o pesquisador, é preciso acabar com a ideia de que a agricultura de baixo carbono tem produtividade reduzida. “Você pode ter ganhos de produtividade e de rentabilidade quando intensifica práticas de ABC. E também aumentar a capacidade de produção de alimentos e matéria prima, e com isso reduzir as emissões”, disse.

Esse aumento de produtividade apareceu também na fala de Souza, do CPI/PUC-Rio, como uma forma de conter a derrubada de florestas no país. “É possível mais do que dobrar a produção de alimentos no Brasil em áreas já abertas, sem necessidade de desmatamento”, afirmou.

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