Expresso

O leilão de petróleo do Brasil um dia depois da COP28

Mariana Vick

10 de dezembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h16)

Agência do governo planeja ofertar 603 blocos após conferência do clima em Dubai. Áreas apresentadas estão sobrepostas a terras indígenas e unidades de conservação como Fernando de Noronha. Órgão diz que não há irregularidades

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FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 24.ABR.2023

Pessoas trabalham, na sombra, dentro de um navio. A foto mostra apenas suas silhuetas. Ao fundo, há o mar e o céu azul.

Funcionários da Petrobras trabalham no navio Anita Garibaldi, num estaleiro em Aracruz, no Espírito Santo

A ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) realiza na quarta-feira (13) as sessões para a licitação do chamado 4º Ciclo da Oferta Permanente. A agência deve ofertar 603 blocos de exploração de petróleo e gás em diferentes partes do Brasil. Oitenta e sete empresas estão inscritas no ciclo e podem disputar os contratos de concessão.

A oferta ocorre um dia depois do fim da COP28, conferência global sobre o clima que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Ambientalistas criticam o leilão e dizem que a produção de petróleo nos blocos ofertados pode gerar uma enorme quantidade de gases de efeito estufa. A atividade também pode ameaçar áreas ambientalmente sensíveis, segundo eles.

Neste texto, o Nexo explica o que é o leilão realizado pela ANP e quais são seus impactos, segundo um estudo publicado neste mês sobre a oferta. Mostra também quais são as críticas à ANP, num momento em que há cobrança pela eliminação do uso de combustíveis fósseis, e quais são as perspectivas de sucesso do leilão.

O que é a oferta permanente

A oferta permanente é um tipo de licitação criado pela ANP que busca contratar concessionárias para a exploração e produção de petróleo e gás no Brasil. Trata-se de um processo distinto de outras rodadas de licitação, já que os blocos, nesse modelo, estão em oferta de forma contínua. A medida busca atrair investimentos e tornar o setor petrolífero mais diversificado e competitivo.

A oferta é dividida nas modalidades de concessão e partilha. Estão disponíveis para o primeiro caso 955 blocos localizados em 17 bacias sedimentares brasileiras, tanto na terra quanto no mar, totalizando 380 mil km². Apenas os blocos localizados na região do pré-sal e em outras áreas consideradas estratégicas devem ser licitados no regime de partilha de produção, em que o Estado participa da atividade.

Os ciclos da oferta permanente começam quando potenciais concessionárias manifestam interesse em arrematar uma ou várias das áreas disponíveis. A ANP tem a obrigação, nesses casos, de publicar um edital e realizar uma sessão pública para apresentação das ofertas dos blocos disputados. A quantidade de ciclos, portanto, depende da demanda das empresas pelos blocos de petróleo.

Mapa mostra blocos em oferta em leilão de dezembro de 2023 da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Há blocos em oferta em diversas partes do Brasil.

O 4º Ciclo da Oferta Permanente ocorre nesse contexto. Devem ser leiloados na quarta (13) 602 blocos exploratórios e uma área de acumulação marginal (ou seja, que já produziu petróleo antes, mas está paralisada) na terra e no mar em nove bacias sedimentares . Estão entre elas a bacia de Pelotas, a Potiguar, a do Amazonas e a de Santos, onde está o pré-sal.

O que se critica no novo leilão

O volume de blocos ofertados no 4º ciclo da oferta permanente levou ambientalistas a chamarem a próxima sessão da ANP de “leilão do fim do mundo”. As 603 áreas anunciadas pela agência correspondem a 63% do total de blocos disponíveis em toda a oferta permanente. Somadas, suas extensões equivalem a mais de 2% do território nacional.

O apelido de “leilão do fim do mundo” se deve ao potencial de poluição dos blocos anunciados pela ANP. Um estudo publicado neste mês pela organização Instituto Internacional Arayara mostra que, caso o leilão seja um sucesso, a produção dos blocos do atual ciclo pode emitir mais de 1 bilhão de toneladas de carbono equivalente na atmosfera. O valor corresponde a 43,5% das emissões atuais do país.

2,3 bilhões

de toneladas de carbono equivalente são emitidas anualmente pelo Brasil hoje

O potencial aumento nas emissões ocorreria num momento em que o país diz querer baixá-las. O governo brasileiro fixou neste ano a meta de reduzir as atuais 2,3 bilhões de toneladas de carbono lançadas na atmosfera para 1,2 bilhão em 2030. O volume de emissões geradas pelos novos campos equivaleria, portanto, ao mesmo montante que o Brasil prometeu cortar nos próximos seis anos.

A meta de corte de emissões faz parte dos compromissos do país com o Acordo de Paris, principal tratado global para o clima. A queima de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, é uma das atividades que mais contribuem para o aquecimento global. Ambientalistas criticam o Brasil por adotar medidas importantes, como o combate ao desmatamento , ao mesmo tempo em que insiste nos investimentos em óleo e gás quando deveria estar discutindo sua eliminação.

Os impactos para os territórios

Além de gerar emissões, os blocos anunciados no 4º Ciclo da Oferta Permanente podem ter outros tipos de impacto. Mais de 94% deles violam pelo menos uma diretriz ambiental da própria ANP, segundo o estudo do Instituto Arayara. Dezenas, por exemplo, estão sobre áreas sensíveis, como unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas.

15

unidades de conservação estão sobrepostas por 23 blocos de petróleo; no total, há 366 km² desse tipo de área sob risco direto

23

terras indígenas podem ser afetadas por bloco ofertados, 22 dentro da Amazônia; nenhuma das comunidades foi consultada, segundo estudo

5

territórios quilombolas estão sobrepostos em seus limites por 12 blocos; comunidades também não foram consultadas, segundo estudo

Incluem-se entre os territórios afetados áreas de grande importância para a conservação da biodiversidade, como o Arquipélago de Fernando Noronha, em Pernambuco, e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia. Ambos têm profunda relação com os biomas ao redor, como a Mata Atlântica. Tanto sua paisagem quanto as populações que vivem ali podem ser perturbadas pela produção de petróleo e por possíveis acidentes.

Há também blocos próximos de áreas de risco geológico. É o caso do que está em oferta a 2,4 km de distância de bairros em processo de afundamento em Maceió, capital de Alagoas, por causa de atividades de mineração de sal-gema da Braskem. A exploração de petróleo na região pode agravar a instabilidade local, segundo o estudo.

A pesquisa diz ainda que 234 blocos em oferta estão em áreas que podem levar ao uso do chamado fracking. Trata-se de uma técnica para realizar perfurações de maior profundidade. Injeta-se no solo uma mistura de milhares de litros de água com areia e substâncias químicas, que fratura a rocha e pode causar efeitos colaterais negativos, como:

  • explosões
  • incêndios
  • danos ao lençol freático
  • vazamento de materiais tóxicos

Quais as contestações ao leilão

O Instituto Arayara afirmou que ingressou com ações civis públicas para a retirada de 77 blocos do leilão de quarta (13), incluindo 11 de Fernando de Noronha. A entidade diz que a oferta é marcada por insegurança jurídica, já que, segundo o estudo, a maioria dos blocos viola diretrizes da ANP ou da política ambiental brasileira. A lei veda, por exemplo, a produção de petróleo em unidades de conservação.

A ANP afirma que não há irregularidade e que órgãos ambientais se manifestaram antes da inclusão dos blocos no leilão, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Para ambientalistas, no entanto, a análise, se ocorreu, não foi adequada. A agência insiste que eventuais problemas podem ser resolvidos no processo de licenciamento ambiental, depois da concessão.

FOTO: BRUNO DOMINGOS/REUTERS – 26.MAR.2010

No primeiro plano, uma plataforma de petróleo no mar. No segundo plano, o morro do Pão de Açúcar.

Plataforma da Petrobras na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro

Uma situação desse tipo ocorreu em 2013 na região conhecida como margem equatorial . Naquele ano, as multinacionais TotalEnergies e bp Energy arremataram blocos no litoral amazônico num leilão da ANP, mas, por anos, não os exploraram por travas no licenciamento ambiental (que seguem até hoje, com a transferência da operação para a Petrobras). A concessão, portanto, não eliminou a insegurança jurídica do processo.

A ANP pediu ao Arayara o estudo publicado neste mês e disse que pode avaliá-lo. A organização, que entrou em contato com a agência, solicitou a criação de um grupo de trabalho para discutir questões ligadas à agência ambiental. Ainda não havia decisão da justiça quanto às ações protocoladas pela entidade até a publicação deste texto.

Quais as chances de sucesso do leilão

Apenas são levados à sessão pública da ANP blocos que efetivamente recebem declarações de interesse prévias de petroleiras. Apesar disso, há chances de parte das áreas ofertadas não ser arrematada na quarta (13). Em 2022, por exemplo, um leilão da oferta permanente que ofereceu 379 blocos de petróleo concedeu apenas 59.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 06.08.2023

Várias pessoas seguram cartazes contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Em destaque, uma mulher com uma faixa escrito "Salve a costa amazônica"

Movimentos sociais protestam contra exploração de petróleo na foz do Amazonas às vésperas da Cúpula da Amazônia, em Belém, Pará

Essa diferença pode ocorrer por falta de proposta das empresas no momento do leilão. Em 2021, por exemplo, a 17ª rodada de licitações da ANP ofertou blocos em Fernando de Noronha, despertando uma série de protestos de ambientalistas nos dias anteriores à sessão pública. Na data, não houve nenhuma oferta.

O governo federal não explicou na época o porquê do resultado do leilão, que foi considerado um fracasso. Para alguns petroleiros, no entanto, a razão foi o desgaste. “As incertezas jurídicas e impactos socioambientais não considerados pela ANP, fazendo [o leilão] de forma açodada e sem as devidas licenças, contribuíram para o fracasso da rodada”, disse em 2021 o presidente da Anapetro (Associação Nacional de Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras) ao portal G1.

Colaboraram Mariana Froner e Gabriel Zanlorenssi com o mapa

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