Como o clima extremo pressiona as cidades em ano eleitoral
Mariana Vick
15 de janeiro de 2024(atualizado 16/01/2024 às 20h02)Tragédias como a desencadeada por fortes chuvas no Rio são cada vez mais comuns, e população vê efeitos da crise climática no cotidiano. Analistas políticos avaliam como tema pode aparecer nas campanhas
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Homem carrega garrafas de água ao andar em rua alagada em Duque de Caxias (RJ)
Subiu para 12 o número de mortes registradas na região metropolitana do Rio de Janeiro desde que chuvas fortes atingiram a Baixada Fluminense e a zona norte da capital no fim de semana. A informação foi confirmada à imprensa nesta segunda-feira (15) pelo governador do estado, Cláudio Castro (PL). Ainda há uma pessoa desaparecida.
Tragédias como essa não são novas no Brasil, que já registrou diversos desastres durante estações chuvosas. Esses eventos, no entanto, têm pressionado cada vez mais as cidades no contexto da mudança climática. Meses antes das eleições municipais de 2024, casos como o do Rio podem pôr o tema na agenda das candidaturas.
Neste texto, o Nexo explica o que aconteceu no Rio de Janeiro, como desastres causados pelos chamados extremos do clima afetam as cidades brasileiras e quais são as responsabilidades quando esse tipo de episódio ocorre. Mostra ainda como os governos municipais têm lidado com o tema e como ele pode aparecer nas eleições de 2024.
Os temporais que atingem o Rio desde sábado (13) bateram recordes de precipitação. Duzentos e cinquenta e nove milímetros de chuva foram registrados em 24 horas na estação meteorológica de Anchieta, na zona norte da capital, número nunca antes alcançado. Houve estragos nas cidades de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo e São João do Meriti, além de em bairros cariocas como Irajá, Ricardo de Albuquerque e Comendador Soares.
Imagem aérea mostra ruas alagadas após fortes chuvas em Duque de Caxias (RJ)
Vídeos divulgados nas redes sociais no fim de semana mostraram moradores ilhados nas lajes de suas casas em Belford Roxo, aguardando resgate. O quartel de bombeiros em Nova Iguaçu ficou submerso, assim como a sede da Polícia Rodoviária Federal e um batalhão da Polícia Militar, ambos na capital. Já no bairro de Acari, um hospital ficou sem energia.
Os 12 mortos foram vitimados por afogamentos, descargas elétricas e soterramentos decorrentes das chuvas. A Prefeitura do Rio declarou situação de emergência. Concursos públicos e ensaios técnicos de escolas de samba que se preparam para o carnaval foram adiados, estações de metrô fecharam e linhas de ônibus suspenderam suas operações temporariamente.
A tragédia dá sequência à série de eventos climáticos extremos que atingiram diferentes cidades do Brasil nos últimos anos. Estão entre elas Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e municípios de estados como Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Também em São Paulo, houve dias intensos de chuva na segunda semana de janeiro.
Homem carrega prancha de surfe em rua alagada após fortes chuvas em Duque de Caxias (RJ)
Episódios de fortes temporais, secas, queimadas e ondas de calor tendem a ficar mais intensos e frequentes no contexto da mudança climática. Os gases que provocam o efeito estufa causam alterações na atmosfera que afetam todo tipo de evento ligado a ela. Em 2023 e 2024, a presença do fenômeno El Niño intensifica ainda mais essas ocorrências.
Diante disso, cada vez mais pessoas se sentem afetadas por desastres do clima. Pesquisa Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) encomendada pelo Instituto Pólis em 2023 mostra que 7 em cada 10 brasileiros já sofreram episódios do tipo. Tanto as chuvas muito fortes como as secas são os eventos que mais atingem a população.
20%
dos entrevistados disseram ter sido afetados por chuvas muito fortes; proporção é a mesma que a daqueles que sofreram com secas e escassez de água
Esse desastres têm relação direta com a administração das cidades no Brasil. Por um lado, elas estão entre os principais agentes do aquecimento global, por emitirem grande parte dos gases que causam o chamado efeito estufa. Por outro, elas são os espaços mais impactados por eventos extremos, pois concentram grandes populações e dependem de infraestruturas sensíveis a alterações do clima.
Funcionários do governo do Rio no bairro de Ricardo Albuquerque após deslizamento
Grande parte da vulnerabilidade dos municípios do país se deve ao processo de urbanização. As cidades médias e grandes do Brasil cresceram de forma acelerada e desordenada, com ocupações de áreas de risco e avanço sobre fundos de vales e rios. Bairros com grande densidade populacional se ergueram sem que suas edificações seguissem critérios técnicos, o que, somado à devastação ambiental, favorece problemas como enchentes e deslizamentos.
É papel dos governos municipais redirecionar esse processo. Embora algumas políticas ligadas ao combate à mudança climática sejam compartilhadas entre governo federal, estados e municípios, grande parte delas — como as de drenagem urbana, zeladoria, mobilidade, moradia, gestão do solo — são de responsabilidade local. Também cabe aos municípios reparar os estragos dos extremos do clima.
As eleições municipais no Brasil costumam tratar de questões locais, como saúde, educação e zeladoria. Temas considerados ideológicos, como a mudança climática, geralmente têm pouco destaque nesses debates. Esse cenário, no entanto, pode mudar em 2024, segundo Mayra Goulart, professora de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenadora do Lappcom (Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada).
Pesquisa Ipec com o Instituto Pólis mostra que, no último ano, 98% dos brasileiros se diziam preocupados com a ocorrência de eventos climáticos extremos. Goulart afirmou que a questão ambiental “tem furado [os embates ideológicos] ao ter impacto concreto na vida cotidiana, aparecendo na forma de questões sobre enchentes e calor”. Henrique Frota, diretor executivo do Instituto Pólis, concorda:
“O tema da mudança climática sempre foi distante da vida das pessoas. Parecia ser coisa de outro mundo. Mas estamos percebendo que ele faz parte da realidade vivida das pessoas. Não posso afirmar que os eleitores vão escolher candidatos a partir disso. Mas há uma mudança de tendência da opinião pública”
Henrique Frota
diretor executivo do Instituto Pólis, em entrevista ao Nexo
Para Graziela Souza, cientista política e coordenadora de projeto no Clima de Eleição, organização de advocacy climático, a ocorrência de eventos de grande repercussão pode ter contribuído para essa percepção. “Em 2023, a população sentiu na pele o aumento exorbitante do calor e das chuvas” , disse ao Nexo. “É uma questão que todas as regiões do Brasil têm em comum.”
Essa perspectiva de debate sobre o clima nas eleições não significa que a discussão vai ser qualificada. Goulart afirmou ao Nexo que há a possibilidade de o tema aparecer na plataforma de candidatos de extrema direita, que costumam ser negacionistas do aquecimento global, por exemplo. Esses grupos podem até reconhecer os problemas do calor e das enchentes nas cidades, mas vão tentar afastá-los da discussão ambiental mais ampla.
Pessoas carrega pertences após fortes chuvas no Rio de Janeiro
Essa visão de mundo tem repercussões práticas. Candidatos que negam a mudança climática não dão prioridade, quando eleitos, à elaboração de planos e políticas de combate aos principais efeitos da crise ambiental. A falta de ação pode resultar na piora na qualidade de vida e no agravamento dos desastres ligados a eventos extremos.
Mesmo nos candidatos que defendem o combate à mudança climática pode haver problemas. Souza afirmou que é crucial que o tema seja debatido de forma assertiva. “Por muitos anos, a pauta climática foi disseminada de forma pouco popular, com termos difíceis e questões que remetiam ao futuro. Atualmente, ela deve ser abordada de maneira mais acessível, para que as pessoas consigam estabelecer a conexão entre o problema e suas causas”, disse.
Frota afirmou que as cidades brasileiras não estão preparadas para enfrentar a mudança climática. Das 27 capitais do país, 17 não tinham planos com medidas para lidar com o problema em junho de 2023. Durante a revisão de planos diretores, no último ano, várias perderam a oportunidade de incluir o tema nas suas propostas de planejamento urbano, segundo ele.
Pessoas andam de barco em rua alagada após fortes chuvas em Duque de Caxias (RJ)
“As cidades estão perdendo tempo e oportunidades. São Paulo continua a fazer isso na discussão da lei de zoneamento, que vai piorar a situação da crise climática, propondo maior adensamento da infraestrutura dos bairros e pouquíssimo investimento em habitação de interesse social”, exemplificou. ”Os municípios em geral continuam com uma cultura de planejamento urbano que está ultrapassada e não se atualizou.”
Souza acrescentou que os governos não podem mais tratar episódios como o do Rio como exceção. ”É preciso preparar as cidades para as chuvas e aumentar o investimento principalmente no controle de enchentes”, disse. “É preciso enfatizar também que as principais vítimas desse tipo de evento climático é a população pobre”, acrescentou.
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