Expresso

O que marca a atual onda de incêndios florestais no Pantanal 

Mariana Vick

11 de agosto de 2024(atualizado 11/08/2024 às 21h36)

Cidades do Mato Grosso do Sul voltam a ter alta de queimadas no começo de agosto. Chegada de chuvas apaga principais focos de calor, mas há buscas por fogo subterrâneo

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.
FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 11.jun.2024Pessoa segura nas mãos um macaco pequeno e carbonizado, com toda a pele cinza. Atrás dele vê-se o solo também queimado e cinza.

Macaco carbonizado em meio à vegetação queimada em Corumbá (MS), no Pantanal

Dados do programa BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Estudos Espaciais), mostram que 2.112 focos de calor foram registrados no Pantanal em agosto até este sábado (10). Os números dos primeiros cinco dias do mês superaram todos os focos registrados no bioma em julho. O total parcial para agosto também é superior à média histórica do mês, de 1.478 focos.

Concentrados no Mato Grosso do Sul, os incêndios voltaram a subir em ritmo acelerado no Pantanal depois de terem registrado um pico no mês de junho. A quantidade de focos de calor registrados no bioma em todo o ano de 2024 chegou a 6.868, devastando quase 9% de sua área. Apesar de chuvas terem aliviado o cenário na quinta (8), os desafios persistem, já que o pior da temporada seca no bioma ainda está por vir.

Neste texto, o Nexo explica o que marca o atual repique de incêndios no Pantanal, quais são os impactos já registrados no bioma e quais fatores incentivaram a nova alta do fogo. Mostra também quais ações foram adotadas desde junho e quais desafios persistem na região depois de meses de devastação.

O que há no momento atual

Os incêndios voltaram a avançar no Pantanal em agosto depois de um pico de queimadas em junho e uma relativa trégua no mês de julho — quando os focos de calor continuaram a ser registrados, mas em ritmo menos acelerado que antes. O fogo foi identificado em lugares como a região da Nhecolândia, em Corumbá (MS), e em Miranda (MS) e Aquidauana (MS). Áreas que não haviam sido devastadas nos meses anteriores foram atingidas desta vez.

O aumento do fogo em agosto pode ser explicado pela alta das  temperaturas nos primeiros dias do mês, depois de uma frente fria ter amenizado os focos de calor em julho. O bioma vive desde 2023 uma estiagem severa que contribuiu para que os incêndios saíssem do controle neste ano. Ventos fortes na região, comuns para o mês de agosto — quando se intensifica a época de seca no Pantanal —, facilitaram o espraiamento do fogo no atual momento.

Mapa mostra localização do Pantanal, entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul.

As chamas atingiram fazendas e colocaram sob risco áreas importantes de conservação da biodiversidade. O município de Miranda decretou situação de emergência, e os incêndios interditaram a principal rodovia do Pantanal, a BR-262. Frentes de fogo percorreram 40 km em apenas um dia, segundo informações do Jornal Nacional, da TV Globo. 

Além do Pantanal, o fogo cresceu na região do Chaco, na Bolívia, que faz fronteira com o Mato Grosso do Sul. O país registrou recorde de incêndios nos primeiros sete meses de 2024, segundo dados do Inpe, que monitora toda a América do Sul. A região se prepara para uma temporada de incêndios intensa, já que o pico da estação seca, entre agosto e setembro, ainda está por vir.

A chegada de chuvas no bioma

O quadro apresentou melhora na quinta-feira (8) com a chegada de uma frente fria no Mato Grosso do Sul, que provocou chuva e derrubou as temperaturas, apagando focos de calor no estado. Apesar disso, o trabalho de equipes de combate ao fogo não parou. O fogo subterrâneo, chamado de turfa, ainda é uma preocupação entre os brigadistas, já que ele pode resistir aos temporais e reacender quando as condições climáticas voltarem a ser favoráveis.

A turfa não é incomum no Pantanal. Trata-se de um tipo de material orgânico formado após a decomposição da vegetação que se acumula no solo, podendo alcançar vários metros de profundidade. Essa matéria orgânica é altamente inflamável e pode queimar sem que as pessoas percebam.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 14.jun.2024Imagem aérea mostra duas pessoas caminhando sobre áreas de vegetação cinza, queimada.

Brigadistas voluntários caminham sobre área queimada em Corumbá (MS), no Pantanal

O governo do estado do Mato Grosso do Sul publicou em seu site oficial na sexta (9) que, mesmo após a chuva, o trabalho de combate aos incêndios continua em seis áreas com focos de calor ativos. A prioridade dos bombeiros será fazer o rescaldo (localização de brasas ou focos de fogo escondidos) nas áreas mais críticas. Também serão planejadas as ações para os próximos dias, quando se espera o fim da frente fria.

“A população acha que choveu, acabou o fogo. Pode ter amenizado, diminuído a fumaça, mas ainda tem muita brasa” 

Adriano Rampazo

coronel e subcomandante-geral do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul, em declaração publicada no site do governo

Boletins climáticos do Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima) do Mato Grosso do Sul mostram que a massa de ar frio deve começar a perder força nesta semana. Com isso, a tendência é que volte o cenário de altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar e rajadas de vento com velocidades acima de 40 km/h. Os bombeiros esperam encontrar em setembro situações parecidas com as dos últimos dias.

Quais os impactos ambientais registrados

Fotos e vídeos do céu do Mato Grosso do Sul avermelhado pelo fogo ou acinzentado pela fumaça viralizaram nas redes sociais nos primeiros dias de agosto. Foram também registradas cenas de chamas invadindo a BR-262 e de filhotes de onça carbonizados. Além delas, cotias, macacos, antas, cobras, jacarés, araras e outros animais voltaram a sofrer com os incêndios.

Imagens de satélite divulgadas pelo serviço de monitoramento atmosférico do Programa de Observação da Terra da União Europeia mostraram na terça (4) uma grande quantidade de fumaça na América do Sul por conta do fogo. Junto com o Pantanal, queimadas na Amazônia e na Bolívia provocaram o cenário. O vapor resultante dos focos de calor viajou rumo ao Sul e ao Sudeste do país.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 15.06.2024

Bombeiros voluntários da Brigada do Alto Pantanal trabalham para extinguir incêndio

As cenas registradas lembram, em alguns casos, o cenário de 2020, quando uma intensa temporada de incêndios no Pantanal — a mais forte registrada num ano inteiro até agora — resultou na morte de 17 milhões de animais. Organizações da sociedade civil afirmam que em alguns lugares houve grande destruição de habitats. Mesmo quando o fogo passa os animais ficam sob risco, já que, com a paisagem devastada, perdem acesso ao que precisam para sobreviver.

Comunidades locais também foram afetadas, precisando usar caminhões-pipa para se proteger do fogo. De acordo com a empresa de meteorologia MetSul, é possível que este mês de agosto supere o recorde de incêndios para o período. O número mais alto registrado até hoje foram 5.993 focos de calor, em 2005.

O que explica o fogo

A temporada de queimadas no Pantanal começou em 2024 antes do período em que costuma ocorrer. O ano de 2023 foi marcado pelo agravamento da seca no bioma, e a estiagem se prolongou, resultando em pouca quantidade de chuvas também em 2024. O fenômeno climático El Niño, que chegou ao fim em junho, contribuiu para o problema.

A mudança climática também está por trás das condições ambientais adversas no Pantanal. Estudo do World Weather Attribution, realizado por pesquisadores de Brasil, Holanda, Suécia e Reino Unido, publicado na quinta (8) mostra que o calor e a estiagem no bioma em junho se tornaram 40% mais intensos devido ao aquecimento global. O mês foi o mais seco, quente e ventoso na região desde o início das observações, em 1979.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 11.jun.2024Imagem mostra silhueta de homem de boné, de perfil. Ele navega num pequeno barco. Ao redor do rio, há árvores e fumaça.

Pescador navega no rio Paraguai durante queimadas em Corumbá (MS), no Pantanal

Também há o fator humano. A queimada é uma técnica que busca limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens e pode também ser usada após o desmatamento. O fogo costuma se destacar em épocas de seca, como a de agora, porque a baixa umidade relativa do ar favorece sua dispersão. 

As autoridades investigam a origem dos atuais focos de calor, e a causa mais provável é incêndio criminoso. A Polícia Federal vem avançando nas investigações sobre as causas de 18 focos de incêndio com origem suspeita, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. Também há casos de fogo acidental, como ocorreu em 23 de julho, na região da Nhecolândia — um caminhão atolado pegou fogo e as chamas se espalharam.

O que foi feito desde então 

Equipes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do Corpo de Bombeiros, do Exército, de organizações da sociedade civil e de moradores do Pantanal estão no Mato Grosso do Sul para combater os focos de calor. Os grupos têm trabalhado em conjunto. As ações devem se estender.

Os governos federal e estaduais adotaram medidas desde que as queimadas no Pantanal se agravaram, em junho. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na época um pacto pela Prevenção e Controle de Incêndios com governadores do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. O governo federal também pôs mais recursos no Ministério do Meio Ambiente e contratou mais brigadistas para o combate ao fogo.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 14.jun.2024Pessoas andam sobre trator no meio de muita fumaça numa área de floresta.

Brigadistas voluntários combatem fogo em Corumbá (MS), no Pantanal

Lula sancionou no fim de julho, em Corumbá (MS), a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, aprovada pelo Congresso Nacional pouco antes. O manejo integrado do fogo é uma estratégia que leva em conta o comportamento do fogo, seu uso para fins produtivos e sua exclusão. O objetivo é aprimorar a prevenção de incêndios florestais. 

Quando os incêndios se agravaram no Pantanal, em junho, representantes de organizações ambientalistas entrevistados pelo Nexo afirmaram que faltaram ações de prevenção no começo de 2024 para que o fogo não chegasse ao estágio atual. Essas políticas costumam ser adotadas historicamente no segundo semestre — época de seca no bioma. Apesar disso, a resposta do governo a partir de junho foi rápida, segundo eles.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas