Expresso

‘Sephora Kids’: por que essas influenciadoras mirins preocupam

Isadora Rupp

14 de janeiro de 2024(atualizado 07/02/2024 às 15h13)

Nos EUA, rede Sephora tem sido ‘invadida’ por meninas entre 9 e 14 anos, que buscam por produtos de que não precisam. Fenômeno distorce valores da infância, dizem pesquisadores ao ‘Nexo’

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FOTO: Andrea Comas /Reuters Maquiagens e acessórios expostos em loja de cosméticos

Maquiagens e acessórios expostos em loja de cosméticos

Quem percorreu o TikTok recentemente provavelmente se deparou com vídeos de meninas entre 9 e 14 anos expondo a sua rotina de cuidados com a pele, com produtos como hidratantes e máscaras para o rosto, algo que geralmente faz parte da rotina de adultos, ou fazendo tutoriais de maquiagem. 

A popularidade dos vídeos, com milhões de visualizações, levaram ao fenômeno “Sephora Kids”, que se espalhou nos Estados Unidos, mas já ocorre no Brasil: elas estão lotando as lojas da rede de cosméticos francesa atrás de produtos que não precisam. 

Neste texto, o Nexo explica a tendência e mostra como ela afeta a infância. 

Quem são as Sephora Kids

Embora as políticas da rede TikTok indiquem que apenas adolescentes com mais de 13 anos podem usar a plataforma, vídeos de crianças influenciadoras são comuns na plataforma, e algumas se dedicam a fazer conteúdos de cuidados com a pele, ou de maquiagem. 

Elas mostram produtos de limpeza facial, máscaras com retinol, uma substância usada para retardar o envelhecimento da pele, e hidratantes faciais que usam religiosamente de manhã e à noite. 

As meninas, com faixa que varia entre 9 e 14 anos,  também gravam vídeos com as suas coleções de produtos pelos quais são obcecadas. Uma das sensações são os da marca norte-americana Drunk Elephant, cujo slogan é “skincare para todos” e é conhecida por utilizar ativos naturais nas formulações. 

No mesmo TikTok, há vídeos de mulheres adultas apontando que as meninas, deixadas nas lojas para compras sem supervisão de um adulto, destroem produtos nos mostruários, bagunçam a loja e são rudes com funcionários. Além disso, várias se perguntam: o que crianças de 10 anos de idade estão fazendo na Sephora? 

Essas meninas, que buscam a rede para comprar os produtos divulgados pelas influenciadoras mirins no TikTok, passaram a ser conhecidas como “Sephora Kids”. Funcionários da rede nos Estados Unidos reclamam na rede social da ausência de supervisão e da postura das crianças nas lojas. 

Embora mais restrito aos EUA, no Brasil, mães já relatam que as pré-adolescentes estão obcecadas por cuidados com a pele, e que tem sido difícil frear o consumo e o interesse delas pelo tema. 

As explicações para o fenômeno

Não está claro se os conteúdos que estão chegando às crianças são espontâneos, ou se foram promovidos pela Sephora com o intuito de chegar a essa faixa etária. O Nexo procurou por e-mail a assessoria de imprensa da marca no Brasil e nos Estados Unidos, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. 

Em março de 2023, a Sephora anunciou um programa em conjunto com o TikTok para conectar os criadores de conteúdo com marcas vendidas pela rede cujo foco é o de promover a diversidade de raça, cor e etnia. O objetivo, segundo texto publicado no site da marca, é acelerar o crescimento dessas marcas por meio da rede social chinesa.  Não há menção sobre direcionamento para crianças. 

Para João Coelho, advogado do Criança e Consumo, programa do Instituto Alana que trabalha para proteger crianças da exploração comercial e do consumismo exacerbado, o fenômeno é explicado pela lógica do funcionamento do TikTok, centrado em conteúdos curtos e virais. 

“As crianças da Sephora viraram uma trend na rede. Quando a criança está inserida nesses espaços, elas têm contato e ficam expostas a isso. Quando uma criança fala para outra, você cria uma identificação, é quase como se fosse o conselho do amiguinho. O efeito de moldar o comportamento delas é gigantesca. A criança passa a acreditar que, para participar da discussão, ela precisa ir na Sephora comprar”, disse Coelho ao Nexo

Outra hipótese é de que a busca das meninas pelos produtos adultos acontece porque o nicho de mercado para essa faixa-etária está descoberto: pré-adolescentes, que ficam entre a infância e adolescência, estão em uma espécie de “limbo” dentro deste mercado, já que não há nada formulado direcionado para elas, que fique no meio do caminho entre a infância e a adolescência. 

No Brasil, a publicidade infantil (ou seja, voltada especificamente às crianças) é ilegal. Leis como o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) fala que direcionar publicidade para crianças é uma prática abusiva e ilegal. Em 2014, a resolução n° 163 do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) detalhou o conceito de abusividade, entre elas a proibição da comunicação mercadológica em creches e escolas, por exemplo. 

Os danos para as crianças 

Para a pediatra e psicanalista Luci Yara Pfeiffer, membro do Grupo de Trabalho de Saúde Digital da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e  dra. em Saúde da Infância, por mais que as marcas como a Sephora não realizem anúncios de forma direta para crianças e adolescentes, o impulsionamento da marcas via influenciadores do  TikTok acaba cumprindo este papel. 

“Chega em pré-adolescentes que, primeiro, não deveriam estar em rede social, e são levadas a procurar produtos que elas não precisam”, afirmou Pfeiffer ao Nexo

De acordo com a pediatra, o retinol, usado em produtos para adultos com a finalidade de retardar o envelhecimento, ou para tratamento de acne, causa uma esfoliação na camada superficial pele que é desnecessária  e danosa para esta faixa etária, bem como o uso de maquiagens, como base para o rosto. 

“É algo sem fundamento, que pode causar lesões e até acelerar o surgimento de acne, que é algo que já vai fazer parte da adolescência, e deve ser tratado por um profissional, e não por maquiagem”, disse a médica ao Nexo

“Chega em pré-adolescentes que, primeiro, não deveriam estar em rede social, e são levadas a procurar produtos que elas não precisam”, afirmou Pfeiffer ao Nexo

João Coelho, do Criança em Consumo, afirma que a publicidade para maquiagem que chega nas meninas promovem uma adultização precoce, pois não são produtos vendidos como algo lúdico, para que elas brinquem e se divirtam, mas que vendem a ideia de beleza dentro de um padrão específico. 

“Incute estereótipos de gênero e expectativas sociais que elas teriam mais adiante, Gera uma pressão que não cabe na infância, que é um período que ela tem que estar querendo brincar.É para isso que uma maquiagem para criança deveria servir”, disse Coelho ao Nexo

Tanto João Coelho como a pediatra Luci Yara Pfeiffer pontuam que o fenômeno gera ainda um estresse familiar: a criança, exposta aos conteúdos,  vai pedir para que os pais levem ela para consumir em uma loja, que é cara. 

“Comprar na loja acaba mostrando um traço de uma melhor condição social e é usado pelas pré-adolescentes e adolescentes como uma forma de mostrar superioridade, e de forma, penso, totalmente induzida”, afirmou a pediatra. 

Os cuidados necessários

João Coelho, do Criança e Consumo, faz alguns alertas aos pais e responsáveis: 

  • acompanhar a navegação dos filhos nas redes sociais para não expô-las ao estímulo desenfreado ao consumo, além de riscos relacionados à violência e a exposição à radicalização. 
  • Buscar, nas redes sociais, conteúdos que saiam da lógica do consumo, e incutir nas crianças valores que não estejam ligados à ideia de ter coisas. 
  • Priorizar brincadeiras ao ar livre e o contato com a natureza.
  • Incentivar a imaginação para que elas transformem itens cotidianos em brinquedos. 

Segundo Luci Yara Pfeiffer, os pais ou responsáveis são os que precisam frear o consumo. A pediatra indica que eles não devem levá-las às lojas ou incentivar que elas se preocupem com a aparência nesta fase da vida.  “Essa é uma nova linha de consumo que está se criando,  onde vai se consumir a infância. Esse é um alerta que precisa ser feito”, afirmou ao Nexo. 

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