Coluna
Luciana Brito
Floyd e protestos no Brasil: a força da participação popular no caos
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No dia 25 de março, completou-se um ano do assassinato de George Floyd . O fato aconteceu nos Estados Unidos, quando o policial Derek Chauvin, recentemente condenado , agiu contra a vítima da forma mais devastadora que a polícia daquele país historicamente tem interagido com pessoas negras: o episódio acabou em violência e morte.
Sempre me chamou atenção a forma como Derek Chauvin matou Floyd. Refiro-me à atitude fria daquele que fez questão de nos lembrar da longa tradição estadunidense de linchamentos, assassinatos e enforcamentos de homens negros, tanto no pós-abolição quanto no conflituoso ano de 2020, sob o governo Trump, apoiado por supremacistas brancos. Se nos anos de Jim Crow os linchamentos que deixavam corpos negros desfigurados transformaram-se em fotografias e cartões postais para o prazer de supremacistas brancos, a cena de Derek Chauvin com os joelhos sob o pescoço de Floyd muito nos lembra a cena de um caçador depois do abate da sua presa: o policial olhava friamente para a câmera, com as mãos na cintura, preocupado em parecer frio e certo do que estava fazendo. Enquanto Floyd gritava, ele fazia mais força sobre o pescoço da vítima. Ao longo dos cerca de 9 minutos da cena, um líquido escorre por debaixo do carro da polícia. Seria a urina de Floyd, enquanto ele gritava se despedindo da mãe. Seriam seus últimos instantes de vida. Morreu aos 46 anos.
Um ano após a morte de Floyd, e dias após a histórica condenação do seu assassino, o presidente Joe Biden e sua vice Kamala Harris receberam a família Floyd na Casa Branca. Entre expressões de apoio e solidariedade expressas pelo líder máximo do país, a família fez questão de lembrar que naquele momento tramitava no Senado uma lei que facilitava a investigação e punição de policiais que cometessem atos de violência em abordagens desastrosas das quais são vítimas majoritárias pessoas negras e latinas.
Nos Estados Unidos, a despeito de serem 13% da população, pessoas negras têm chances três vezes maiores de serem mortas pela polícia. Menos de 2% dos policiais que cometem esses atos são condenados. Esse avanço nas propostas de leis que apurem e punam a violência policial nos Estados Unidos tem seu oposto no Brasil, onde se discute e ganha força nas bancadas conservadoras leis que flexibilizam ainda mais a ação policial violenta, excessiva, desastrosa e fatal, o que só faria legalizar os diversos episódios violentos protagonizados pela polícia nas comunidades pobres. A última, ocorrida na comunidade de Jacarezinho, no Rio de Janeiro, por exemplo, deixou 28 pessoas mortas, dentre elas um policial. Relatos divulgados na semana passada de presos sob custódia trazem notícias de momentos de horror vividos pela comunidade, e por eles mesmos: torturas, humilhações, mortes, tudo ao arrepio da lei.
Voltando aos desdobramentos da morte de George Floyd um ano depois, devemos lembrar daquilo que foi sem dúvida a maior expressão popular no mundo de combate ao racismo: o movimento Black Lives Matter. Deve-se àquele movimento a pauta da desigualdade racial, sem muita verborragia, ganhar centralidade na Europa, na Nigéria, onde a juventude também protestava contra a violência policial e no Brasil, onde não precisamos insistir no quanto essa questão é um debate importante. Aliás, pensando bem, ainda precisamos insistir na importância de discutir racismo e violência policial.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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