Coluna

Januária Cristina Alves

O que torna a Educação Midiática tão urgente 

23 de novembro de 2023

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O que quer que a internet tenha se tornado tem a ver conosco, sociedade cada vez mais voltada para a satisfação rápida, individualizada e movida pelas aparências

Foi um prazer imenso participar do Festival Nexo+Nexo Políticas Públicas: o Brasil em Debate, promovido pelo Nexo , que mais uma vez abriu espaço para a discussão de temas candentes no Brasil. A mesa, cujo tema central era “Educação Midiática por onde começar e o quanto ela resolve” , foi mediada pelo cofundador e editor-chefe do jornal, Conrado Corsalette, e contou com mais duas especialistas no tema, além de mim: Alana Rizzo, líder da área de Políticas Públicas e Relações Governamentais do YouTube no Brasil, e Fernanda Martins, antropóloga e diretora no InternetLab. Acho importante destacar que estávamos entre profissionais com experiências diversas com a mídia e, cada um em seu escopo de atuação, pensando em como é possível tornar a internet um lugar que seja, de fato, mais inclusivo e plural.

Instigadas pela pergunta disparadora do debate feita pelo editor – O que torna a educação midiática urgente? Como convencer as pessoas que, sem ela, o nosso debate público tende a se deteriorar cada vez mais? – nos pusemos a pensar sobre o que a educação para as mídias tem a ver com a manutenção do espaço público de debate com qualidade, aquele que inspirou a utopia do princípio de tudo, em que as redes iriam nos tornar verdadeiramente conectados com o que nos define como sociedade, sem, no entanto, deixarmos de ser únicos.

Liberdade de expressão, discurso de ódio, jornalismo profissional, algoritmos, inteligência artificial, fake news. Todos esses temas estiveram presentes na conversa, mas gostaria de destacar o que para mim foi mais relevante nesse debate de altíssimo nível: a certeza de que a internet ainda tem esse potencial transformador que motivou sua criação e o que quer que ela tenha se tornado tem a ver conosco, sociedade cada vez mais voltada para a satisfação rápida, individualizada e movida pelas aparências. É urgente pensar a Educação Midiática como uma educação transformadora, no sentido de potencializar a criatividade e a busca de soluções concretas para revertermos os danos causados pelo uso excessivo dessas ferramentas, que fortaleceu uma cultura centrada no lucro e na superficialidade.

Podemos refletir hoje sobre a internet que temos, mas podemos, mais do que isso, imaginar e trabalhar agora pela internet que queremos ter

Há um consenso no que se refere à necessidade de os seres humanos se organizarem em grupos, e que é nessa interação que nos formamos como indivíduos e nos reconhecemos como seres sociais. Nesse sentido, a internet elevou esses grupos à máxima potência mostrando que somos mesmo uma grande aldeia global. As pessoas estão nas mídias sociais porque ali encontram seus afins e também porque conhecem outras pessoas e realidades diferentes das suas. Porém, como somos pessoas em busca de conforto e de aceitação, as redes foram se tornando um lugar em que, por conta do seu modelo de negócios que busca cliques, que por sua vez simbolizam essa “facilitação da vida”, encontramos apenas ideias e pessoas com as quais não temos conflitos, com quem concordamos sem pensar (e nem piscar). Um lugar de iguais, enquanto o mundo aqui fora está povoado de diversos e diferentes. Aí dá-se o grande desencontro: os algoritmos das redes teimam em nos mostrar aquilo que entendem que queremos ver. Aqui fora, no entanto, nos deparamos com o oposto e isso incomoda. Aqui fora não temos o poder de fechar a tela e nas relações reais é mais complexo expressar a aversão a tudo que não é espelho…

Nesse sentido, o que saltou aos olhos em nossa discussão foi a necessidade de se educar crianças, jovens e toda a sociedade, para estarem na internet conectadas consigo mesmas e com a vida. Destacamos a importância dessas plataformas na promoção dos encontros, na formação de comunidades que se ajudam mutuamente, que compartilham conhecimentos e experiências, amplificando a sensação de pertencimento a um grupo pela empatia e pela comunicação. Enfatizamos que é preciso continuar a investir na criatividade humana, na nossa capacidade infinita de buscar soluções para problemas que são de todos e que isso é não apenas possível de ser feito na internet, como se reflete aqui no mundo real. Se é lá que as agressões, a desinformação e os preconceitos aparecem, acreditamos que também é lá que podemos encontrar o antídoto para esses males. Por isso, acreditamos na Educação Midiática como uma prática que, ao revelar como as mídias funcionam, ao conscientizar o público sobre sua potência e alcance, pode ser um instrumento catalisador dessa criatividade e nos empoderar para que possamos usar essas mídias para contar nossas histórias de uma maneira mais verdadeira, promovendo o bem-estar coletivo e a cultura de paz.

Há quem diga que a internet, como a conhecemos, irá desaparecer. Na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, está sendo lançado “Extinção da internet”, livro de Geert Lovink, professor de Ciências Aplicadas da Universidade de Amsterdam, que tem um longo histórico no ativismo midiático. Essa obra, que inaugura uma coleção editorial que busca tentar politizar o mal-estar que nos acomete hoje sobre os rumos da internet, traz perguntas inquietantes sobre o futuro da rede mundial, alertando para a chegada de um “ponto sem retorno”, na qual as desvantagens se tornarão tão grandes que as pessoas vão se afastar do ambiente digital. “A cultura atual da internet pode resistir à entropia e superar a captura infinita enquanto enfrenta seu fim sem fim?”, provoca o professor.

Com certeza não temos essa resposta e talvez não a tenhamos em um curto espaço de tempo. Fato é que, se estamos enredados nesse sistema, cabe a nós buscar o fio da meada. Tal como o Minotauro, é preciso sair do labirinto e (re)encontrar novas formas de entrar e sair, de trafegar entre esses mundos de uma maneira mais gentil, criativa, funcional. Nessa perspectiva, podemos refletir hoje sobre a internet que temos, mas podemos, mais do que isso, imaginar e trabalhar agora pela internet que queremos ter. Nesse sentido, todas nós concluímos que a Educação Midiática é urgente e essencial.

Januária Cristina Alvesé mestre em comunicação social pela ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news” (editora Moderna) e autora de “#XôFakeNews - Uma história de verdades e mentiras”. É membro da Associação Brasileira de pesquisadores e Profissionais em Educomunicação - ABPEducom e da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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