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Por que o Cerrado voltou a ser o bioma mais desmatado

Aline Pellegrini e Suzana Souza

28 de maio de 2024(atualizado 28/05/2024 às 23h16)

Mais de 1 milhão de hectares da região foram destruídos ao longo do ano de 2023, de acordo com o mais recente relatório do MapBiomas. É a primeira vez que Amazônia é superada no levantamento

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O MapBiomas divulgou nesta terça-feira (28) o Relatório Anual de Desmatamento, que mostra que  mais da metade de toda a área desmatada no Brasil em 2023 ocorreu no Cerrado. É a primeira vez desde que os registros da organização começaram, em 2019, que a Amazônia não ocupou o primeiro lugar do ranking. O Durma com Essa explica os dados do documento e mostra como o Cerrado assumiu a liderança na destruição. O programa tem também Lucas Zacari falando como as inundações em Porto Alegre expõem a gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB).

 

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Edição de áudio Brunno Bimbati

Produção de arte Mariana Simonetti

Transcrição do episódio:

Aline: O desmatamento no Brasil mudou. A Amazônia saiu da liderança no ranking de biomas mais devastados do país. No lugar dela, entrou o Cerrado. Um bioma essencial pra oferta de água e alimentos. Um bioma que tem batido recordes de destruição. Eu sou a Aline Pellegrini e esse aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo. 

Suzana: Olá, eu sou a Suzana Souza e tô aqui com a Aline pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Aline: Terça-feira, 28 de maio de 2024. Dia em que o MapBiomas divulgou seu Relatório Anual de Desmatamento, que mostra que mais da metade de toda a área desmatada no Brasil em 2023 ocorreu no Cerrado. É a primeira vez desde que os registros da organização começaram, em 2019, que a Amazônia não ocupou o primeiro lugar nesse ranking. É a primeira vez que o desmate no Cerrado ultrapassou o da Amazônia.

Suzana: O Cerrado correspondeu em 2023 a 61% da área desmatada em todo o Brasil, a Amazônia por 25%. Juntos, os dois biomas, que são os maiores do país, somam mais de 85% da área total de vegetação nativa suprimida. Foram mais de 1 milhão de hectares desmatados no Cerrado, 68% a mais do que no ano anterior, 2022. 

Aline: Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, mostrou como o levantamento evidencia que a cara do desmatamento tá mudando no Brasil, se concentrando nos biomas onde predominam formações savânicas e campestres e reduzindo nas formações florestais.

[áudio Tasso]

O Cerrado tem agora um desmatamento que é duas vezes a área desmatada na Amazônia. Se a gente considerar que a área do Cerrado é metade da área da Amazônia, significa que proporcionalmente o desmatamento no cerrado hoje é quatro vezes, talvez cinco vezes, o desmatamento que a gente tem na Amazônia.

Suzana: Também aumentaram o desmatamento na Caatinga e no Pantanal. E caíram em 2023, como na Amazônia, os desmatamentos na Mata Atlântica e no Pampa. Ao todo, foram mais de 1 milhão e oitocentos mil hectares de vegetação nativa suprimidas em 2023, mais de 93% da área desmatada no Brasil naquele ano teve pelo menos um indício de ilegalidade. 

Aline: Em cinco anos de monitoramento do MapBiomas, o país perdeu uma área equivalente a dois estados do Rio de Janeiro. Os números são altos, mas é a primeira vez na série histórica da organização que houve uma queda na área desmatada, de quase 12%. 

Suzana: O relatório mostra que a expansão agropecuária é a principal responsável pelo desmatamento no Brasil, representando 97% do total. Essa pressão da agropecuária faz a gente entender melhor os dados do desmatamento do Cerrado. 

Aline: Só a destruição na área conhecida como Matopiba, resultado da união das siglas dos quatro estados que a compõe, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, ultrapassou a área desmatada em todos os estados da Amazônia. Os quatro estados responderam por quase metade de toda a perda de vegetação nativa do país em 2023. O Maranhão, aliás, saiu da quinta posição em 2022 e se tornou em 2023 o estado que mais devastou.

Suzana: Três em cada quatro hectares desmatados no Cerrado em 2023 foram em Matopiba, chamada pelo governo federal em 2015 de “nova fronteira agrícola”. A nota do governo naquele ano diz: “A área do Matopiba caracteriza-se pelo baixo preço das terras e pela uniformidade do clima, do solo e do relevo, que facilitam a mecanização agrícola e tem atraído cada vez mais agricultores”. 

Aline: A área conta com cerca de 6 milhões de habitantes e 340 mil quilômetros quadrados. Durante boa parte do século 20, a área consistia de pastagens e vegetação de cerrado e caatinga. A expansão da atividade agrícola intensificou-se a partir de 2005, baseada em fazendas de monocultura que produzem em grande escala. Além de soja, arroz e algodão também são culturas expressivas da região.  

[mudança de trilha] 

Suzana: A queda do desmatamento na Amazônia indica uma tendência relevante de redução da atividade depois de anos de crescimento no governo de Jair Bolsonaro. A alta do desmatamento no Cerrado, no entanto, mostra que ainda existem desafios para a preservação de florestas no Brasil. 

Aline: A Amazônia e o Cerrado ocupam juntos mais de 73%  do território nacional, com uma rica diversidade de espécies e papel importante na oferta de água e no combate à mudança climática. Apesar do otimismo quanto à queda no desmate na Amazônia, os dados no Cerrado preocupam governo e sociedade civil.

Suzana: A queda no desmatamento da Amazônia é atribuída em parte à retomada do PPCDAm, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, e também a ações de órgãos ambientais, como o Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. A autarquia tinha perdido capacidade no governo de Jair Bolsonaro. Em 2023, voltou a atuar de forma expressiva. 

Aline: A diferença de desmatamento entre Amazônia e Cerrado se deve a distinções na legislação ambiental brasileira. Quem tem uma propriedade rural no Cerrado pode desmatar uma área maior do que quem produz na Amazônia, segundo o novo Código Florestal, lei sancionada em 2012. 

Suzana: A legislação diz que propriedades rurais em áreas de florestas em qualquer um dos estados da Amazônia Legal, que são Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, devem preservar, no mínimo, 80% de sua vegetação. Os 20% restantes podem ser desmatados. Caso o produtor ultrapasse esse valor, o desmate é considerado ilegal.

Aline: Já propriedades rurais em áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal devem preservar, no mínimo, 35% de sua vegetação, de acordo com a lei. Para entender a regra, é preciso saber a diferença entre a Amazônia, bioma, e a Amazônia Legal, região administrativa. Há estados da Amazônia Legal que abrigam biomas que não a Amazônia, como o Mato Grosso e o Tocantins, que incluem também o Cerrado.

Suzana: A lei diz que propriedades rurais fora da Amazônia Legal, independente do tipo de bioma, devem preservar, no mínimo, 20% de sua vegetação. Com isso, estados como a Bahia e o Piauí têm muito mais margem para desmatar dentro da lei do que lugares como Amazonas, Pará, Mato Grosso e Tocantins. 

[mudança de trilha] 

Aline: O Cerrado é o segundo maior bioma terrestre do país. Ocupa cerca de 22% do território nacional, alcançando as cinco regiões brasileiras, com destaque pro Centro-Oeste. É a savana mais rica do mundo, com grande diversidade de animais e plantas, que fazem fronteira com a vegetação da Amazônia, da Mata Atlântica, da Caatinga e do Pantanal.

Suzana: O bioma abriga nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul e tá numa região de grandes aquíferos. A região, por esse motivo, é chamada de berço das águas. Áreas densas de matas ciliares acompanham o curso de seus principais rios. 

Aline: A área também tem grande importância econômica. Estão no Cerrado alguns dos estados líderes do agronegócio brasileiro, como o Mato Grosso, o Mato Grosso do Sul e os estados do Matopiba. Além disso, a produção de água no bioma ajuda a abastecer bacias hidrográficas de todo o Brasil. 

Suzana: Influenciado pelo clima tropical continental, com duas estações bem definidas, a seca e a úmida, o Cerrado tem uma característica única no Brasil: a adaptação ao fogo. Queimadas naturais podem ocorrer na flora local, que se recupera rapidamente desses eventos. Mas incêndios intensos e descontrolados, provocados pela ação humana, podem degradar a vegetação. 

Aline: A ocupação do Cerrado é relativamente recente. O desmatamento cresceu na região a partir do século 20, incentivado pela interiorização da urbanização brasileira e pelo avanço da agropecuária no Centro-Oeste. Atividades como a pecuária extensiva e o cultivo de monoculturas de soja tão entre as causas para a perda da vegetação local.

Suzana: Estima-se que o Cerrado tenha perdido 50% de sua vegetação original desde o século 20. Do que restou, apenas 20% está em bom estado, segundo especialistas. Pouco protegido pela lei ou por unidades de conservação, o bioma hoje é composto por diversos fragmentos degradados que têm menos capacidade de conservar a mesma diversidade biológica e as mesmas funções ecológicas que a vegetação original. 

Aline: Apesar de abrir mais terras para a produção, o desmatamento pode prejudicar a economia do bioma. O corte de vegetação tende a reduzir a oferta de água na região, essencial pra agricultura. O cenário se agrava em áreas como a do Matopiba, que tendem a ficar mais secas no contexto da mudança climática. E aí é possível que a grande produção de grãos na região se torne inviável em breve. 

Suzana: Ambientalistas e cientistas ligados a universidades e organizações do Brasil, dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido escreveram em carta em novembro de 2023 que a visão de que o Cerrado é o grande celeiro da produção de alimentos do país sacrifica o bioma. O grupo pediu novas políticas para sua conservação. 

Aline: O Cerrado pode continuar a ser um grande produtor do agronegócio sem comprometer o meio ambiente. Mas é necessário adotar medidas que otimizem o uso da terra na região. Incentivando, por exemplo, o uso de áreas já degradadas, em vez da derrubada de novas florestas. Também é necessário mudar a gestão dos recursos hídricos. 

Suzana: O Ministério do Meio Ambiente disse em novembro de 2023, quando o Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, revelou a configuração da destruição do Cerrado, que a tendência era que os dados desse desmatamento começassem a cair. 

Aline: Na época, a ministra do Meio ambiente Marina Silva anunciou uma nova fase do chamado PPCerrado, um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento do Cerrado, que inclui, entre outros, meta de desmatamento zero até 2030, atualização de planos estaduais de combate ao desmate e destinação de áreas públicas para terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação.

Suzana: Ambientalistas afirmam que só ações de controle do desmatamento ilegal não são suficientes. É preciso outros instrumentos pra desestimular quem pode desmatar legalmente. Incentivos econômicos que beneficiem quem preservar áreas verdes podem funcionar nesse caso, por exemplo.

Aline: Ambientalistas propõem medidas como corredores ecológicos, restauração de terras degradadas e proteção de comunidades indígenas e povos tradicionais do Cerrado. Também sugerem que regulações internacionais que buscam cadeias de produtos livres de desmatamento incluam os ecossistemas não florestais.

Suzana: O Durma com Essa volta já.

[Rádio Novelo]

[trilha da redação]

Suzana: O prefeito Sebastião Melo, do MDB, é alvo de críticas e de um pedido de impeachment protocolado na Câmara Municipal de Porto Alegre pela condução da crise na capital gaúcha, que é uma das afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. O Lucas Zacari escreveu sobre o tema. Lucas, por que a população diz que a comunicação da prefeitura tem sido falha durante a tragédia?

Lucas: Desde o começo da tragédia climática, a comunicação da prefeitura de Porto Alegre tem sido pouco efetiva e, algumas vezes, contraditória. Na semana passada, quando as fortes chuvas voltaram a acontecer na capital gaúcha, os moradores relataram a demora na divulgação de alertas de risco de alagamento e a falta de orientação clara para sair das regiões afetadas.

Sebastião Melo disse em coletiva que a prefeitura não esperava o grande volume de chuvas nesse segundo momento, mas institutos de meteorologia tinham alertado sobre a possibilidade. Eu conversei com a Ana Karin Nunes, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em comunicação de crise, que explicou que o desencontro de informações pode levar à desinformação pela população.

Suzana: E Lucas, por que o sindicato dos engenheiros do Rio Grande do Sul alega que a inundação que atinge Porto Alegre é resultado de pouca manutenção?

Lucas: Em um manifesto divulgado no dia 23, o sindicato dos engenheiros do Rio Grande do Sul alega que o sistema anticheias de Porto Alegre, composto por diques, muros com comportas e casas de bomba, seria capaz de impedir que as inundações acontecessem caso estivesse em bom estado.

Nesse primeiro momento, o parecer técnico pede a vedação imediata das comportas e a utilização de bombas volantes caso as fixas não funcionem. Foram feitas também algumas orientações para quando o lago Guaíba recuar, como a substituição das comportas e o aperfeiçoamento do Plano de Desenvolvimento da Drenagem Urbana, desenvolvido desde 1998 para combater e evitar inundações.

Suzana: O texto do Lucas você lê em nexojornal.com.br.

Aline: Da destruição do Cerrado aos problemas da gestão da prefeitura de Porto Alegre durante as enchentes no Rio Grande do Sul, durma com essa.

Suzana: Com roteiro, apresentação e produção de Aline Pellegrini, roteiro de Mariana Vick, edição de texto e apresentação de Suzana Souza, participação de Lucas Zacari, edição de áudio de Brunno Bimbati e produção de arte de Lucas Neopmann, termina aqui mais um Durma com Essa. Até amanhã!   

 

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