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O Pantanal vai acabar? Entenda quais são as ameaças ao bioma

Aline Pellegrini e Letícia Arcoverde

02 de julho de 2024(atualizado 11/08/2024 às 21h44)

Planície alagada bateu recorde de focos de incêndio em junho de 2024. Queimadas geram uma série de impactos ambientais

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O Pantanal registrou em junho de 2024 2.639 focos de incêndio. Os dois piores anos anteriores para o mês foram 2005, quando foram 435 focos, e 2020, com 406 focos. Os dados revelam que o bioma já tem o ano com maior registro de pontos de queimadas desde 1998, quando começou a série histórica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Durma com Essa desta terça-feira (2) explica por que o Pantanal voltou a queimar tanto e quais são as ameaças a ele. O programa tem também Marcelo Roubicek falando sobre as mudanças no partido de extrema direita francês que foi vitorioso no primeiro turno das eleições legislativas do país.

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Edição de áudio Pedro Pastoriz
Produção de arte Mariana Simonetti
Foto naturepl.com / Andy Rouse / WWF

Transcrição do episódio

Aline: Um cenário devastador numa das maiores planícies alagadas do mundo. Um bioma caracteristicamente inundado que rapidamente tá se transformando num local seco e inflamável. Eu sou a Aline Pellegrini e esse é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo. 

Letícia: Olá, eu sou a Letícia Arcoverde e tô aqui com a Aline pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Aline: Terça-feira, 2 de julho de 2024. Dia em que dados do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mostram que em apenas um dia, o Pantanal registrou quase tantos focos de incêndio do que num mês inteiro do ano passado. Na segunda-feira, primeiro de julho de 2024, foram registrados 110 focos de incêndio no bioma. Em todo o mês de junho de 2023, foram 126.

Letícia: Esses dados exemplificam a situação atual do Pantanal. Dentre os seis biomas brasileiros, ele é que tem o cenário mais grave do país. Tem alguns números que mostram a magnitude desse desastre: o Pantanal registrou em junho deste ano 2.639 focos de incêndio. Vamos comparar: os dois piores anos anteriores foram 2005, quando foram 435 focos, e 2020, com 406 focos. 

Aline: Ou seja, em junho de 2024, houve um salto de mais de 500% em relação aos piores anos. Com os dados de junho, em 2024 o Pantanal já tem o ano com maior registro de pontos de queimadas desde 1998, quando começou a série histórica do Inpe. 

Letícia: A situação fez com que o governo do Mato Grosso do Sul declarasse emergência nos municípios afetados pelos incêndios florestais que se alastram pelo Pantanal. Na prática, o decreto do governador tucano Eduardo Riedel dispensa licitações para a contratação de serviços e materiais necessários ao combate ao fogo no estado. 

Aline: As queimadas têm uma série de impactos ambientais para o bioma. Quando o Pantanal registrou a maior devastação por incêndios até agora, em 2020, um estudo estimou que ao menos 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta do fogo, além de danos à fauna. 

Letícia: A queima de vegetação também libera estoques de carbono, ou seja, libera gases de efeito estufa, que causam a mudança climática, além disso afeta o ciclo da água, que vai dos rios às chuvas, e causa problemas à saúde humana. A fuligem gerada pela matéria queimada causa problemas respiratórios. E a estiagem agrava essas condições de saúde. 

[mudança de trilha]

Aline: O Pantanal é o menor bioma do Brasil. Ocupa pouco menos de 2% do território nacional e fica nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vizinho da fronteira com o Paraguai e de áreas da Amazônia e do Cerrado brasileiros. Apesar da pequena extensão, é uma das maiores planícies alagadas do mundo. 

Letícia: Tem duas estações bem definidas no Pantanal: a de cheias e a de seca, influenciadas pelos rios da bacia do Alto Paraguai. A maior parte do território fica no Mato Grosso do Sul e a cidade de Corumbá, que fica perto da fronteira com a Bolívia, é a principal porta de entrada para o bioma. O Pantanal sul-mato-grossense é considerado uma das reservas naturais mais exuberantes e diversificadas do planeta. 

Aline: A paisagem local é influenciada diretamente pelos biomas que ficam ao redor. A vegetação tem características das savanas do Cerrado, mas também inclui campos e formações arbóreas típicas de floresta. O relevo, com diferentes altitudes, interfere no curso dos rios, criando áreas alagadas, secas e intermediárias.

Letícia: Mas todas essas áreas ficaram gravemente mais secas, como mostrou um relatório da rede de pesquisa e tecnologia MapBiomas lançado no fim de junho. Embora a superfície de água no Brasil todo tenha ficado mais seca em 2023, o Pantanal foi proporcionalmente o bioma brasileiro que mais secou. 

Aline: Os casos mais severos de perda de água no país ocorreram no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, que registraram redução de cerca de 30% na extensão de seus corpos hídricos em relação a 1985. Por causa da seca, a ANA, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, declarou em 13 de maio “situação crítica de escassez” na bacia do rio Paraguai, que alimenta o Pantanal. 

Letícia: O nível do corpo d’água registrou queda drástica nos últimos meses, atingindo o pior valor histórico observado em algumas estações de monitoramento, segundo a agência. O município de Corumbá foi o mais prejudicado. Em 2023, a cidade perdeu de água na cidade foi de 53% em relação a 1985. 

Aline: Corumbá, aliás, é a cidade que registrou o maior número de focos de calor nos últimos 30 dias, entre 1º de junho até segunda-feira. Mais de 75% dos focos registrados no Pantanal vêm de lá, segundo dados do Inpe.

[mudança de trilha]

Letícia: O aumento da ocorrência de fogo reflete também o tempo seco que predomina na maior parte do Brasil nos últimos meses. A influência do fenômeno El Niño, que chegou ao fim, agravou a seca no bioma e gerou escassez de chuvas no Pantanal durante a temporada úmida, que costuma ocorrer no primeiro semestre. Quanto mais seco é o tempo, mais vulneráveis esses biomas ficam a queimadas. 

Aline: A queimada, vale lembrar, é uma técnica que busca limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens. Pode também ser usada após o desmatamento. Há no Pantanal exemplos de queimas controladas, as autorizadas, para reduzir a quantidade de material inflamável no solo e evitar incêndios maiores. Mas, na maior parte dos casos que afetam o bioma, são incêndios ilegais e criminosos que se alastram facilmente por causa da seca.

Letícia: O resultado da secura agravada pelo El Niño foi que neste ano a temporada de queimadas no Pantanal, que costuma começar depois de julho, veio adiantada, como o Bruno Belan, que é fazendeiro da região, comentou numa entrevista pra agência AFP. 

[áudio fazendeiro]

O negócio que neste ano chegou mais cedo o fogo. Chegou mais cedo a seca. Ventania, calor, fogo. Geralmente chega em agosto e a gente tá no mês de junho, final de junho, e já estamos vendo esses episódios aí. 

Aline: O fogo costuma se destacar em épocas de seca porque a baixa umidade relativa do ar favorece sua dispersão. Então esse cenário do bioma retroalimenta os riscos de incêndios, como explicou a Ludmila Rattis, pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, pro site O Eco. Ela disse o seguinte: “Uma área queimada não faz mais evapotranspiração, se ela não faz mais evapotranspiração, ela descontinua a ciclagem da água, se ela descontinua a ciclagem da água vai chover menos, e se chover menos ano que vem vai ser pior”. 

Letícia: Faz anos que o Pantanal tem registrado condições cada vez mais secas. E vegetação seca, vale lembrar, é um tipo de biomassa inflamável. Tocos, galhos, folhas e pilhas de matéria orgânica seca são suscetíveis a incêndios por conta da falta de umidade, que facilita a combustão. Basta haver uma fonte de ignição para o fogo se alastrar, no caso do Pantanal, a fonte pode ser natural, vir de raios, por exemplo, ou ter origem humana.

Aline: Esse quadro todo tá aproximando o bioma ao chamado ponto de não retorno. O ponto de não retorno é um limiar que, se ultrapassado, desencadeia a transformação de um ecossistema. É o limite crítico no qual vai queimar mais do que a natureza consegue se restabelecer.

Letícia: Diferentes fatores tão por trás desse ponto de não retorno. Tão entre eles o desmatamento, que diminui a umidade local, por remover sua vegetação, o aquecimento global, que é responsável pelo aumento da seca na região e atividades que degradam o bioma, como incêndios. Todos têm ocorrido ao mesmo tempo e se reforçado, num ciclo que, no limite, pode tornar inviável a existência do bioma.

Aline: A Ludmila Rattis disse pro site O Eco que, apesar da Amazônia estar numa situação de degradação muito similar à do Pantanal, com incêndios batendo recordes no primeiro semestre, o ponto de não retorno deve chegar antes no Pantanal do que na Amazônia. A conclusão veio de uma investigação feita pela pesquisadora com cientistas europeus e americanos, que projetam pros próximos anos um aumento de 26% no risco de incêndios no Pantanal. 

Letícia: Como a gente falou, a principal culpada pelos incêndios é a ação humana. Dados divulgados em junho pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostram que menos de 1% do fogo detectado em 2024 se originou de raios. Mais de 99% dos focos registrados até agora, portanto, não têm causas naturais.

Aline: Outras informações corroboram a tese. Quase todos os focos recentes de calor começaram nas margens do rio Paraguai e do Paraguai mirim, áreas sabidamente mais povoadas e de fácil acesso das embarcações, segundo explicação do Instituto SOS Pantanal. Informações do Inpe até a última semana de junho também mostram que 95% do fogo tem origem em propriedades privadas.

Letícia: Além do El Niño, que afetou o clima entre o ano passado e 2024, as mudanças climáticas também têm um papel pra agravar a secura do bioma, segundo o Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, disse que sim em entrevista em junho pro canal CNN Brasil. 

[áudio Agostinho]

O que a gente percebe é que, com o El Niño e o agravamento provocado pelas mudanças climáticas, o período de seca tanto no Pantanal quanto na Amazônia antecipou pelo menos 4 meses. Nessa época, normalmente, o Pantanal tem cheia. A gente nunca teve nessa época do ano o Pantanal em período de seca. Período de seca normalmente no Pantanal ocorre normalmente de final de agosto a começo de novembro. Então nós tivemos uma antecipação. Isso fez com que a gente também tivesse que antecipar a contratação de brigadistas. Estamos trabalhando com 300 brigadistas. Estamos trabalhando hoje no combate aos 15 incêndios que a gente tem hoje no Pantanal. São 15 grandes incêndios: um deles a oeste do Rio Paraguai, um ao leste da Transpantaneira e vários focos no entorno de Corumbá afetando diretamente a comunidade de Corumbá.

Aline: As políticas de combate ao fogo no Pantanal costumam ser adotadas historicamente no segundo semestre, considerando que essa é a época de seca no bioma. Em nota técnica publicada em junho, o SOS Pantanal recomendou que, no futuro, o governo passe a contratar brigadistas também no começo do ano, dado o aumento da estiagem no bioma de forma generalizada. Afinal, com a mudança climática cada vez mais presente, é provável que eventos como o de 2024 só piorem.

Letícia: O Durma com Essa volta já.

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[trilha da redação]

Letícia: O Reagrupamento Nacional foi o partido mais votado no primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional na França. Esse foi o melhor resultado do partido de extrema direita de Marine Le Pen no primeiro turno em disputas legislativas. O Marcelo Roubicek escreveu sobre o tema. Marcelo, conta pra gente como a legenda surgiu?

Marcelo: O Reagrupamento Nacional ou Reunião Nacional nem sempre se chamou assim. Ele foi fundado, na verdade, como Frente Nacional em 1972, reunindo diversos grupos da extrema direita da França. Entre as primeiras lideranças do partido estavam milicianos de direita; militantes fascistas; ex-integrantes da SS, a força paramilitar nazista; e apoiadores do governo de Vichy, que é o nome dado ao governo colaboracionista francês que aceitou a ocupação nazista de metade do país durante a Segunda Guerra Mundial e ajudou a perseguir judeus.

Durante os primeiros 15 anos, mais ou menos, a Frente Nacional era um partido pouco expressivo nas eleições. Ele era liderado por um político chamado Jean-Marie Le Pen, pai da Marine Le Pen. E, como a gente pode imaginar, era um partido com discursos e propostas profundamente racistas e antissemitas. O Le Pen, inclusive, disse em 1987 que as câmaras de gás dos campos de concentração nazista eram um detalhe da história da Segunda Guerra Mundial. E o partido por um bom tempo realmente apostou nessa postura radical pra atrair um eleitorado mais conectado com um discurso antissistema. E teve um pouco mais de sucesso nas urnas a partir da segunda metade da década de 1980.

Aline: E Marcelo, como o partido transformou seu discurso pra conseguir esse resultado?

Marcelo: O partido começou a mudar um pouco seu discurso a partir de 2011, quando a Marine Le Pen assumiu a liderança da legenda. E ela fez algumas mudanças pensando em “des-demonizar” a extrema direita entre o eleitorado francês. Então, por exemplo, tentou quebrar essa imagem muito ligada ao antissemitismo, inclusive expulsando o próprio pai do partido. Também amenizou um pouco a posição com relação à União Europeia, e abandonou as ideias mais liberais para a economia. Isso sem falar na aposta nas redes sociais pra conseguir eleitores mais jovens. Sem falar que mudou o nome do partido de Frente Nacional para Reagrupamento Nacional em 2018.

Eu conversei com o Thomás Zicman de Barros — doutor em ciência política e pesquisador da Universidade do Minho, em Portugal, e da Sciences Po Paris, na França — que disse que, beleza, a Le Pen mudou algumas coisas no discurso do partido, e dentro do cenário político francês as ideias da extrema direita começaram a chocar menos. Mas isso não quer dizer que tenha deixado de ser um partido de extrema direita, com propostas ainda muito baseadas na ideia de que os franceses não são todos iguais, e na defesa de medidas que, na prática, tentam restringir a cidadania dos imigrantes na França.

Letícia: O texto do Marcelo você lê no nexojornal.com.br. 

Aline: Das ameaças ao Pantanal às mudanças no discurso da extrema direita na França, durma com essa. 

Letícia: Com roteiro, apresentação e produção de Aline Pellegrini, edição de texto e apresentação de Letícia Arcoverde, roteiro de Mariana Vick, participação de Marcelo Roubicek, edição de áudio de Pedro Pastoriz e produção de arte de Mariana Simonetti, termina aqui mais um Durma com Essa. Amanhã tem mais! Até

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