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Jogo do tigrinho: propaganda, golpes, vício e dívidas

Antonio Mammi e Conrado Corsalette

03 de julho de 2024(atualizado 20/08/2024 às 00h25)

Operações policiais prendem influenciadores por todo o Brasil desde o fim de 2023. Caça-níqueis online são ilegais no país e têm sido usado em golpes

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Operações policiais têm prendidos influenciadores de diferentes partes do Brasil desde o fim de 2023. Eles são suspeitos de integrar uma rede criminosa que pratica golpes envolvendo caça-níqueis online como o jogo do tigrinho. O Durma com Essa desta quarta-feira (3) conta como funciona o esquema e os danos que ele tem causado à saúde mental e financeira de apostadores. O programa traz também Marcelo Roubicek comentando a instabilidade do dólar.

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Edição de áudio Pedro Pastoriz
Produção de arte Lucas Neopmann

Transcrição do episódio

Antonio: Um jogo de azar que virou mania no Brasil. Uma rede de cassinos virtuais, intermediadores e influenciadores montada para chegar a apostadores de todas as idades e classes sociais. Uma série de crimes cometidos em detrimento da saúde financeira e mental de famílias inteiras.  Meu nome é Antonio Mammi e esse aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo. 

Conrado: Olá, eu sou a Conrado Corsalette e tô aqui com o Antonio pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Antonio: Quarta-feira, 3 de julho de 2024. Dia em que o jornal Folha de São Paulo publicou uma entrevista do delegado Eduardo Miraldi, do Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil paulista. Miraldi, que comanda uma série de apurações sobre caça-níqueis online, disse que jogos de azar como o “jogo do tigrinho” têm feito vítimas de todas as idades e classes sociais. Ele calcula que foram feitos mais de 500 boletins de ocorrência no estado denunciando golpes ligados à prática.

Conrado: “Jogo do tigrinho” é como ficou conhecido o Fortune Tiger, uma plataforma desenvolvida por uma empresa com sede em Malta e licenciada pra cassinos virtuais mundo afora. O jogo tem um funcionamento igual aos do caça-níqueis. O jogador tenta combinar três figuras iguais em três fileiras e aí recebe o prêmio em dinheiro. Quanto maior a aposta, maior a premiação. 

Antonio: Como o sucesso do jogador depende totalmente da sorte, essa prática é um jogo de azar, enquadrada como ilegal na Lei de Contravenções Penais. Mas as pessoas envolvidas na exploração do “jogo do tigrinho” também podem ser enquadrada em crimes como estelionato, crime contra a economia popular, associação criminosa e lavagem de dinheiro. 

Conrado: Uma investigação da Polícia Civil de Alagoas que veio a público no fim de junho explica como funciona o passo a passo do golpe. Primeiro, a plataforma que disponibiliza o caça-níquel, sempre registrada fora do Brasil, entra em contato com um intermediador, que é quem traça uma estratégia pra fazer o link com o jogo circular. 

Antonio: Então esse intermediador entra em contato com influenciadores, figuras das redes sociais com centenas de milhares e às vezes milhões de seguidores. O intermediador passa dois links para os influenciadores: um é uma versão demo, um link programado pra ganhar. Os influenciadores publicam vídeos temporários no Instagram, no formato stories, filmando suas jogatinas, sempre bem-sucedidas. Mas o link que eles divulgam para os seus seguidores é outro. Um link no qual é quase impossível ganhar.

Intermediadora: O ideal é que seja alguém alguém que faça você jogando. E lhe marque, entendeu? Tô faturando aqui, tô jogando e tal, entendeu? 

Influenciadora: Eu vou postar à tarde, viu? Me manda aí a conta demo?

Intermediadora: E quando for fazer os stories sobre os joguinhos, animação! Bem feliz, bem animado. Tô ganhando, tô faturando. É isso que as pessoas querem para poder clicar no link. Arrebente aí.

Conrado: Esse diálogo que você ouviu aí é de uma interceptação telefônica feita pela polícia alagoana. Essa interceptação foi divulgada no Fantástico, programa dominical da TV Globo. Na conversa, uma intermediadora passa as instruções para uma influenciadora sobre como fazer propaganda do jogo.

Antonio: Os influenciadores capricham para dar mais verossimilhança a essa história de ganhos fáceis sem muito esforço. Fazem filmagens nas quais aparecem mexendo no celular e ganhando por acaso, como se o vídeo não fosse produzido. Registram saques de valores que não vêm da jogatina, mas das comissões recebidas para divulgar os jogos. Ostentam carros de luxo e viagens, muitas vezes remetendo a um passado de dificuldades.

Conrado: Uma influenciadora presa em Alagoas, por exemplo, era frentista e dizia ter enriquecido jogando nos caça-níqueis. Ela apresentava o seu marido como um advogado que desistiu da profissão depois de começar a ganhar fortunas no jogo do tigrinho. No Paraná, quatro influenciadores que se apresentavam como ex-entregadores de aplicativos contavam uma história parecida e também acabaram pegos pelas autoridades. No Maranhão e no Pará, a polícia também foi às ruas com mandados contra influenciadores que divulgavam o jogo aos seus seguidores. 

Antonio: De acordo com as diferentes investigações, as comissões variam. Tem influenciador que chegou a receber R$ 300 mil para publicar conteúdos sobre o jogo do tigrinho durante uma semana. Em outros casos, o influenciador recebia valores por cada seguidor recrutado para a plataforma. Dezenas de perfis foram suspensos das redes sociais por causa do golpe e celulares foram apreendidos para rastrear o esquema e chegar a outros participantes do crime. Mas o grande desafio é chegar às plataformas, sediadas em países com leis permissivas ao jogo, muitas vezes com endereços fantasmas. Enquanto isso, links fazendo propaganda do jogo do tigrinho seguem circulando e o caça-níquel continua facilmente acessível na internet. Quer um exemplo? Fazendo a pesquisa de áudio para esse episódio, olha qual foi o primeiro resultado que apareceu em uma busca no Youtube: um vídeo de um canal com menos de 50 seguidores e nenhum conteúdo salvo.

Youtuber: Se você clicou aqui nesse vídeo é porque você está procurando mais informações da estratégia que está fazendo a galera forrar no game que você sabe qual que é, então eu deixei um link aqui embaixo, galera, explicando toda a estratégia. É só clicar aqui que você vai ser direcionado a um vídeo onde eu vou explicar detalhadamente essa estratégia. Te espero lá.

[mudança de trilha]

Conrado: No fim de junho, a enfermeira Gabriely Sabino, de 23 anos, se apresentou à polícia de Piracicaba, no interior de São Paulo, depois de passar mais de uma semana desaparecida. As autoridades investigavam o desaparecimento da jovem depois que os seus pais registraram um boletim de ocorrência na cidade. Gabriely esclareceu o motivo do sumiço. Ela perdeu R$ 25 mil no jogo do tigrinho e teve que recorrer a agiotas pra pagar a dívida. Então, pressionada pelos novos credores, a enfermeira fugiu para Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, onde ficou na casa de uma amiga. 

Antonio: Gabriely perdeu muito dinheiro com o jogo do tigrinho, mas essa está longe de ser a maior quantia drenada nesse tipo de golpe. Investigações apontam que existem vítimas que chegaram a gastar R$ 200 mil nos caça-níqueis, sem retorno nenhum. 

Conrado: E tem também registros de que as plataformas não pagam os apostadores mesmo quando eles ganham da banca. O jornalista Carlos Madero, do portal UOL, contou o caso de uma dona de casa de Alagoas que entrou na Justiça depois de ganhar 95 mil reais no jogo do tigrinho e ter sua conta bloqueada. Há casos parecidos com outros caça-níqueis que tem mecânicas muito parecidas, nas quais o usuário depende só da sorte para ganhar ou perder dinheiro. Jogos com figuras lúdicas, cores estrambóticas e interface amigável, protagonizados por figuras como touros, coelhos e aviõezinhos. 

Antonio: O psiquiatra Rodrigo Machado chamou esses elementos de “design de manipulação agressivo” numa entrevista à agência Deutsche Welle. Ele atende no Ambulatório de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo e explicou que os jogos de azar geram uma dependência porque o risco e a aleatoriedade estimulam progressivamente o sistema cerebral de recompensas do jogador, que vai se afundando. O psiquiatra também disse que a gamificação dos caça-níqueis acaba atraindo crianças e adolescentes. 

Conrado: Um levamento de Instituto Alana mostrou que plataformas estão contratando influenciadores de seis a dezesseis anos de idade. Tudo para impulsionar os caças níqueis afim de que eles cheguem ao público infantojuvenil, que na maioria das vezes aposta com o cartão de crédito dos pais salvo no celular. A psicóloga Ivelise Fortim, da PUC de São Paulo, disse ao Portal Lunetas que esse fenômeno incentiva a impulsividade e a ansiedade e pode afetar o desempenho escolar e a socialização de crianças e adolescentes. 

Antonio: O Instituto Alana apresentou esse documento sobre influenciadores mirins para o Ministério Público de São Paulo, pedindo uma investigação contra a Meta, dona do Instagram, rede social onde esses anúncios estão circulando. Os promotores disseram que pediram mais informações à big tech, a fim de começar a desenrolar o fio desse esquema de propaganda, golpes, vício e dívidas. 

Conrado: O Durma com Essa volta já.

[trilha da redação]

Conrado: O dólar passa por um período de instabilidade no Brasil. Nesta quarta a cotação da moeda americana cedeu,  depois de quase bater R$ 5,70 na véspera. Pra falar do assunto, a gente recebe aqui o Marcelo Roubicek, que escreveu um texto no Nexo explicando que a flutuação do câmbio depende de uma série de fatores, dentro e fora do país. Marcelo, começando pelos fatores externos: o que tá acontecendo fora do país que tá pressionando o dólar?

Marcelo: Acho que é bom a gente começar deixando claro que a cotação do dólar é influenciada por muitas variáveis diferentes. Então pode ter motivos mais ligados àquela ideia clássica de oferta e demanda, com entrada e saída de dólares e tal, mas pode ter influência de coisas dentro do Brasil, de coisas fora do país, pode ser uma questão de expectativas, ou movimentos do mercado à vista ou do mercado futuro… Então assim, o dólar é uma coisa muito difícil de decifrar, e que além disso tudo costuma ser bem volátil e imprevisível no Brasil. Dito isso, a gente consegue ter alguma ideia de coisas que podem estar afetando o dólar agora. No atual contexto externo, a principal delas talvez seja a piora da perspectiva sobre os juros nos Estados Unidos. Antes, existia uma ideia de que os juros iam cair lá ao longo de 2024. Mas a inflação ficou mais persistente, e agora tem aquela ideia de os juros podem ficar mais altos por mais tempo. Juros mais altos nos EUA, que é um lugar tradicionalmente seguro pra investir, costumam levar à saída de dólares de países emergentes, que têm mais risco, como o Brasil. E agora tem ainda uma série de outras incertezas no cenário externo, como as eleições americanas, que tão ajudando os investidores a tirarem dólar do Brasil e, diga-se também, de vários outros países que tão vendo suas moedas desvalorizarem frente ao dólar.

Conrado: E os fatores internos, Marcelo? O que tá acontecendo no Brasil que pode estar impactando o dólar?

Marcelo: Aí a coisa fica um pouco mais delicada. Porque existe entre muitos agentes de mercado — que no fim, são as pessoas que movimentam muito do dólar que entra e sai do país — um clima de maior desconfiança com o governo Lula. Essa desconfiança teria dois motivos principais. O primeiro seria a incerteza sobre o compromisso do governo com as contas públicas. O segundo seriam as dúvidas sobre o que vai acontecer com o Banco Central quando o governo Lula não só indicar o presidente do órgão, mas também quando tiver maioria na diretoria, a partir de 2025. A ideia então é que, por causa da incerteza maior sobre esses dois temas importantes, teria gente tirando dinheiro do Brasil, ajudando o dólar a subir. Nesta quarta-feira, depois de uma sequência de críticas ao presidente do Banco Central e sinalizações de que não tava disposto a cortar gastos pra ajustar as contas públicas, o presidente Lula baixou o tom e voltou a falar em compromisso fiscal. E isso aconteceu depois de uma reunião com o ministro Fernando Haddad em Brasília. E o dólar caiu. Aliás, só uma coisa importante de pontuar: a gente tem muito o hábito de associar os movimentos do dólar aos principais eventos do dia. Mas não necessariamente o dólar sobe ou desce por causa de declarações e acontecimentos políticos. Como eu disse antes, a cotação sempre tá sujeita a muitas coisas, que podem influenciar de diferentes maneiras. Resta então a gente continuar acompanhando.

Conrado: O texto do Marcelo você lê em nexojornal.com.br.

Antonio: Do golpe do jogo do tigrinho à instabilidade do dólar, durma com essa.

Conrado: Com roteiro, apresentação e produção de Antonio Mammi, apresentação e edição de texto de Conrado Corsalette, participação de Marcelo Roubicek, edição de áudio de Pedro Pastoriz e produção de arte de Lucas Neopmann, termina aqui mais um Durma com Essa. Até amanhã!   

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