Profissões

‘Políticas públicas são essenciais para a redução das emissões’

Clara Becker09 de fevereiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h57)
Conheça o diplomata Renato Godinho, presidente da Biofuturo, plataforma que busca ajudar os países a reduzirem a emissão de gases do efeito estufa
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Em 2015, no Acordo de Paris, praticamente todas as nações do mundo concordaram que é preciso lutar contra as mudanças climáticas e assumiram compromissos para reduzir suas emissões de carbono. Houve consenso também no objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, se possível, mas não passando de 2°C até o final do século. Infelizmente, a humanidade não avançou nesse sentido, e as metas terão de ser reavaliadas. Já se espera que o mundo alcance 3°C de aquecimento antes da virada do século.

A Plataforma para o Biofuturo, fundada em 2016, é uma iniciativa brasileira que busca ajudar os países a cumprirem seus objetivos de redução de emissão de gases do efeito estufa por meio do fomento à bioeconomia, ou seja, a substituição de recursos fósseis por opções biológicas e sustentáveis em diversos setores produtivos. Apesar do mandato amplo, o foco da plataforma é a promoção da energia produzida a partir da biomassa e a descarbonização do setor de transportes, que emite cerca de 25% do CO2 produzido pelo homem. Pesquisas mostram que os biocombustíveis podem reduzir em até 90% a emissão de CO2 quando comparados à gasolina.

À frente da Biofuturo está o diplomata brasileiro Renato Godinho, que preside a iniciativa desde sua fundação. Ele acumula o cargo, não remunerado, com suas funções na Divisão de Promoção de Energia do Itamaraty. Integrante da iniciativa desde sua fase embrionária, Godinho fez parte da equipe que, em quatro meses, conseguiu reunir outros 19 países, entre eles EUA, China, Índia, França e Reino Unido, para compor a Biofuturo. Desde 2019, a Biofuturo ganhou o reconhecimento da Agência Internacional de Energia, organismo internacional de referência no assunto.

Apesar de ser o sétimo maior emissor mundial de gases de efeito estufa — principalmente em razão do desmatamento elevado —, o Brasil tem um sistema de produção de energia limpo na comparação mundial. Enquanto os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) têm uma média de apenas 12% de energia limpa em suas matrizes, o Brasil desponta no debate da descarbonização da energia com 50% de sua matriz composta por energia renovável. O país foi selecionado como um dos oito “Campeões Globais” para Transição Energética no Diálogo de Alto Nível sobre Energia, que será promovido pelo Secretário Geral das Nações Unidas em setembro de 2021.

Godinho trabalha também para que o Brasil não perca o protagonismo e a legitimidade de liderar essa agenda globalmente. Dentro da Biofuturo, ele vem atuando na consolidação de um ecossistema favorável para que políticas públicas efetivas sejam adotadas, para que tecnologias de ponta deixem os laboratórios e ganhem os mercados e para que os mais diversos organismos, países e setores entendam a urgência da adoção de soluções mais sustentáveis de consumo energético. De alguma forma, ele, que escolheu a carreira diplomática para ser “uma testemunha bem posicionada da história”, agora age para transformá-la.

Renato Domith Godinho é o 15ª entrevistado da série “Gestão Pública”, uma parceria do Nexo com a república.org . O projeto traz, ao longo dos meses, entrevistas em texto na seção “Profissões” — são conversas com profissionais que atuam na administração pública e ajudam a transformar a vida dos brasileiros.

Gestão Pública

Quem: Renato Domith Godinho

O que: Chefe da Divisão de Promoção de Energia

Onde: No Ministério das Relações Exteriores

No serviço público: Preside a Plataforma para o Biofuturo, iniciativa internacional que busca reduzir a emissão de gases do efeito estufa

Por que escolheu o serviço público?

Renato Godinho Entrei para o serviço público em parte porque me atraía a possibilidade de servir ao meu país e poder dedicar minhas energias em prol do interesse público. Eu trabalhava como jornalista e gostava da profissão. Achei que a carreira diplomática comportava certas similaridades. Boa comunicação, boa escrita, jogo de cintura, capacidade de entender rapidamente e saber contextualizar os assuntos os mais diversos são algumas características importantes tanto para o jornalismo quanto para a diplomacia. Na época, a ideia de poder ser uma testemunha bem posicionada da história, talvez ficando mais próximo de acontecimentos fascinantes da história do mundo, era algo que me atraía também.

Como a pauta ambiental entrou na sua vida e carreira?

Renato Godinho Meus primeiros contatos com essa pauta ocorreram quando fui um dos representantes do Brasil junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (a FAO), entre 2009 e 2012. Ali comecei a ter bastante contato com os temas de segurança alimentar, sustentabilidade, agricultura, e as múltiplas conexões entre esses temas e o meio ambiente. A experiência me foi bastante útil para, a partir de 2015, trabalhando na área de energia renovável, entrar ainda mais a fundo nas questões que estão na confluência entre energia, clima e sustentabilidade.

A Plataforma para o Biofuturo foi fundada em 2016, a partir de uma proposta do Brasil. Qual foi o papel do país e sua contribuição pessoal na elaboração dessa iniciativa?

Renato Godinho A Plataforma para o Biofuturo foi criada a partir de uma proposta brasileira. Durante os primeiros anos da iniciativa, apesar de ter reunido 19 outros países para a coalizão, o Brasil exercia as funções de facilitador, que na época combinava tanto a presidência quanto o secretariado, a máquina de qualquer iniciativa ou organização internacional. Precisávamos, digamos assim, cobrar o escanteio e correr para cabecear para o gol. A iniciativa amadureceu e foi ganhando mais presença e reconhecimento internacional, até que, a partir de 2019, passou a contar com o apoio da Agência Internacional de Energia, uma organização formal com sede em Paris, para exercer as funções de secretaria. O Brasil, escolhido pelos demais países, passou a assumir apenas as funções de presidência, em um mandato que deve se encerrar em maio deste ano.

Embora o Itamaraty e a seção que eu gerencio, a Divisão de Promoção de Energia, estivessem na linha de frente desse esforço desde o início, a Plataforma para o Biofuturo foi uma realização coletiva. Foram importantíssimas as contribuições de muitas entidades governamentais e do setor privado. Falando apenas de entidades colaboradoras no Brasil, posso citar aqui, no lado governamental, o Ministério de Minas e Energia, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Agricultura, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o BNDES, o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), e outros. No lado do setor privado, a Abbi (Associação Brasileira de Bioinovação), a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), o Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool), a Udop (União Nacional da Bioenergia), e empresas como Datagro, GranBio, Braskem e Raízen. Dentro do Itamaraty, foram sempre fundamentais o apoio e a orientação das chefias em vários níveis, a dedicação inigualável da pequena equipe da Divisão, encarregada desse e de tantos outros temas na área energética, e a mobilização importantíssima da rede de embaixadas do Brasil no exterior.

Da ideia à concretização quanto tempo levou? Quais os desafios para articular a adesão dos outros 19 países?

Renato Godinho Quando a proposta ganhou sinal verde no plano político, por volta de junho de 2016, tínhamos apenas pouco mais de quatro meses para reunir um grupo representativo de países interessados e negociar os termos da iniciativa, a tempo do lançamento na Conferência do Clima em Marraquexe, em novembro daquele mesmo ano. Foi uma blitz diplomática, que envolveu ministérios diversos, mais de vinte embaixadas no exterior e contatos em múltiplos níveis com os interlocutores estrangeiros, aproveitando os mais diversos canais, incluindo outras reuniões multilaterais e bilaterais. No final, deu certo, e a Biofuturo foi lançada com países importantíssimos para o futuro da bioeconomia, incluindo, entre outros, os EUA, a China, a Índia, a França, o Reino Unido e o Canadá.

Não é algo corriqueiro um país em desenvolvimento como o Brasil propor e liderar uma iniciativa multilateral envolvendo tantas grandes economias. Creio que um grande desafio foi construir confiança, entre os interlocutores desses países, nos propósitos e na capacidade do Brasil de conduzir essa iniciativa uma vez lançada. Contribuíram muito nossas credenciais como país líder em bioenergia, em energias renováveis, e nossa reputação de termos uma diplomacia pragmática, agregadora e que sabe construir pontes. Havia também desconfiança em alguns países, sobretudo europeus, a respeito dos biocombustíveis. A proposta da Biofuturo, modelada para enfatizar a bioeconomia sustentável de baixo carbono como um todo, sem destacar este ou aquele produto, certamente contribuiu para contornar essas resistências num momento inicial.

Ela é inspirada em outras iniciativas já existentes?

Renato Godinho Sim. De certa forma, a Biofuturo se inspira nas muitas iniciativas internacionais similares que estavam sendo lançadas por países como os EUA e a Alemanha em favor de soluções climáticas no campo da energia, como por exemplo a energia solar e a eletrificação. Elas são bem-vindas, é claro. A aceleração da produção e do uso da bioenergia sustentável, porém, é uma das mais importantes soluções para reduzir emissões de gases de efeito estufa, especialmente nos setores de transporte, aquecimento e indústria, e a agenda internacional não estava dando a essa solução o destaque que deveria merecer. Uma vez que nenhuma das grandes potências que costumam conformar a pauta internacional em meio ambiente estava priorizando a bioenergia, pensamos que teríamos que fazer isso nós mesmos.

Como você foi parar na presidência da plataforma? É um cargo que você acumula com o trabalho no Itamaraty?

Renato Godinho A presidência da Biofuturo não é um cargo remunerado nem independente. Pelas regras da Biofuturo, aprovadas por seus 20 países-membros, a presidência cabe a um país, que por sua vez indica uma pessoa específica para presidir o dia a dia da iniciativa, o que venho fazendo como parte do meu trabalho, com muito apoio dos meus superiores e da extraordinária equipe da Divisão. Nas cúpulas, sessões de alto nível ou reuniões ministeriais, essa função da presidência passa a ser exercida por um ministro. Já tivemos eventos presididos tanto pelo Ministro de Relações Exteriores quanto pelo Ministro de Minas e Energia, pelo Ministro de Meio Ambiente e pelo Ministro de Agricultura. Isso mostra como a Biofuturo é uma iniciativa de governo, transversal, importante para o Brasil.

As pautas ambientais tendem a suscitar debates polarizados. Alguns grupos negam que o aquecimento global seja causado pelas atividades humanas. Existem mecanismos diplomáticos que viabilizem conversas com aqueles que não acreditam na necessidade urgente de descarbonizar a economia? Qual o prejuízo do negacionismo para o avanço da agenda?

Renato Godinho Não costumo me deparar com esse tipo de negacionismo em nosso trabalho. Todos os governos, para não falar da academia, reconhecem a mudança do clima, provocada pela atividade humana, como um imenso desafio a ser enfrentado com urgência. O que há, no entanto, é a instrumentalização da necessidade de descarbonizar, levando a que diferentes países e interesses privados busquem puxar a brasa para soluções específicas. Nem sempre as melhores soluções, ou as mais eficientes, do ponto de vista climático e ambiental, serão as privilegiadas nesse debate. Por vezes, soluções menos interessantes podem ser propagadas com muita força por quem está interessado economicamente e/ou geopoliticamente no avanço dessas soluções.

A plataforma segue atuante mesmo com um governo brasileiro não muito afeito às questões ambientais. Isso é uma contradição ou mostra uma independência da Biofuturo?

Renato Godinho O governo brasileiro sempre se mostrou afeito e atuante na promoção de uma transição energética limpa e na disseminação doméstica e internacional da bioenergia e dos biocombustíveis. Sucessivos governos, independentemente de suas diferenças, têm reconhecido algo que é elementar: as vantagens do Brasil na aceleração desse setor são inúmeras. Tanto do ponto de vista ambiental — visto que a bioenergia, quando produzida de forma sustentável, é uma das mais poderosas soluções para descarbonização —, quanto dos ponto de vista econômico e social, posto que o Brasil é altamente competitivo e experiente nesse setor, que é intensivo em trabalho e contribui para agregação de valor e geração de emprego e renda no campo e na indústria, além de promover o desenvolvimento tecnológico. A Biofuturo, por sua vez, tem prosseguido suas atividades de forma multilateral. O Brasil tem muito peso na iniciativa, mas não é a única voz.

Quais as principais linhas de ação da plataforma?

Renato Godinho A Plataforma para o Biofuturo trabalha basicamente para disseminar conhecimento e experiências nas áreas de bioenergia e bioeconomia sustentáveis de baixo carbono, chamando a atenção para as vantagens dessas soluções no contexto mais amplo dos planos nacionais de transição energética e buscando criar um consenso político em torno do tema. E também, num plano mais técnico, procura analisar as experiências e programas nacionais concretos de forma a identificar as melhores práticas e formas de implementação.

Elas já renderam resultados palpáveis?

Renato Godinho Não é fácil correlacionar produto e resultado, causa e efeito, no âmbito internacional, pois as variáveis são praticamente infinitas. Mas não me parece coincidência que, desde o lançamento da Biofuturo, diversos países membros tenham criado ou reforçado políticas internas de promoção da bioenergia e dos biocombustíveis, incluindo EUA, Índia, Canadá, Indonésia, Reino Unido, Finlândia e outros, além do Brasil.

A Biofuturo conquistou a chancela da Agência Internacional de Energia. Como esse respaldo foi costurado? E o que ele significa?

Renato Godinho A Agência Internacional de Energia, vinculada à OCDE, é talvez o organismo internacional mais amplamente respeitado em questões relacionadas a dados, projeções e informações técnicas a respeito de energia. O fato de que a AIE decidiu assumir a condução da secretaria da Biofuturo, na função da Facilitadora, é um indicativo importante do quanto a Biofuturo adquiriu presença, projeção e respeitabilidade internacionais.

A AIE tem profundo conhecimento técnico sobre a importância de cada solução energética específica para alcançarmos uma economia de baixo carbono, respaldada em seus cenários de futuro. Isso significa que ela sabe da importância da bioenergia, e sabe que, sem uma aceleração significativa das tendências atuais de crescimento desse setor, será muito difícil, quando não impossível, alcançar o objetivo internacional, consagrado pelo Acordo de Paris, de manter o aquecimento global significativamente abaixo de 2ºC. A partir dessa consciência, a Agência se aproximou do trabalho da Biofuturo, única iniciativa internacional que estava assumindo essa causa de forma inequívoca. Também contribuiu para essa parceria a excelente relação bilateral que o governo brasileiro estabeleceu com a Agência nesses últimos anos, materializada em um programa de trabalho bastante extenso.

Políticas públicas são mais importantes do que campanhas para conscientizar indústrias, empresas e consumidores da necessidade de consumir e produzir produtos mais sustentáveis? Em qual setor o debate está mais maduro?

Renato Godinho Sem dúvida nenhuma, as políticas públicas são essenciais, e sem elas não é possível enfrentar o tremendo desafio de manter um desenvolvimento sustentável e para todos. A conscientização popular, porém, não fica atrás, mesmo porque em uma democracia é preciso haver conscientização e apoio do público em geral e de setores importantes da economia para que as políticas públicas adequadas possam ser implementadas e levadas adiante. Há inúmeros instrumentos e setores em que avanços estão ocorrendo mundialmente. No caso brasileiro, e na área de bioenergia, que estamos focalizando hoje, posso citar o programa RenovaBio como um exemplo de política pública recente, inovadora, e que está sendo bem sucedida.

O que é o RenovaBio? A Biofuturo o subsidiou de alguma forma?

Renato Godinho O RenovaBio é a nova política de biocombustíveis do Brasil, idealizada pelo Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, e com amplo respaldo das diferentes áreas de governo, tendo-se tornado efetivamente uma política de Estado. O RenovaBio promove a emissão de créditos de descarbonização no setor de transportes, chamados de CBIOs, sempre que ocorre a venda de biocombustíveis. Esses créditos podem ser livremente negociados na bolsa de valores B3, e os distribuidores de combustíveis fósseis precisam comprá-los de forma a cumprir com uma meta anual de descarbonização estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética. O mais interessante e inovador do RenovaBio é que cada produtor individual de biocombustíveis, seja de etanol, biodiesel ou biometano, recebe uma nota baseada na pegada de carbono de seu processo produtivo. Quanto menor essa pegada, mais CBIOs são emitidos pelo volume de biocombustível produzido. Isso estimula a inovação de processos produtivos e tecnológicos no nível de cada unidade produtora, e cada tecnologia diferente é tratada de forma agnóstica, sem escolha prévia de vencedores: quanto melhor o resultado, melhor a nota.

A Plataforma para o Biofuturo está vinculada ao RenovaBio desde a origem de ambos. O RenovaBio representa, de um lado, o Brasil cumprindo com seus compromissos no interior da Biofuturo. De outro, serve também de política-modelo, sendo divulgado em relatórios e eventos da Biofuturo para inspirar desenvolvimentos similares em outros países. Políticas similares estão em funcionamento, gestação ou consideração nos EUA e Canadá, por exemplo.

Com 50% de sua matriz energética composta por energia renovável, o Brasil está bem posicionado no debate da descarbonização da energia. Os países da OCDE têm uma média de 12% apenas de energia limpa em suas matrizes. Podemos contar com um protagonismo do país nessa agenda? Somos um exemplo?

Renato Godinho Sem dúvida nenhuma. Talvez uma prova disso seja a decisão do Brasil de se candidatar — e de ter sido selecionado — como um dos oito “Campeões Globais” para Transição Energética no Diálogo de Alto Nível sobre Energia que será promovido pelo Secretário Geral das Nações Unidas no próximo mês de setembro. Como você bem apontou, o Brasil é, de longe, o país com a matriz energética mais limpa dentre todas as grandes economias do mundo. E as principais contribuintes para esse resultado tão destacado são, nessa ordem, a bioenergia e a hidreletricidade. Não cabe dizer que já realizamos nossa transição energética integral, pois ainda temos o que fazer, mas de fato estamos mais adiantados que a maioria, e temos uma experiência importante a compartilhar com outros países.

Houve retrocesso na agenda por causa da pandemia?

Renato Godinho Nós fizemos um levantamento sobre os impactos da pandemia no setor energético ao redor do globo, com apoio das nossas embaixadas no exterior. O consumo global de energia caiu muito durante alguns meses, devido às medidas de isolamento. Com isso, caíram também as emissões de carbono, o que é bom, mas não será um ganho duradouro se a recuperação global não se der de forma a priorizar a energia limpa.

A conclusão do nosso levantamento é que os impactos foram muito diferentes para cada setor. As energias renováveis do setor elétrico chamadas intermitentes, como a energia eólica e a solar, foram muito pouco afetadas, visto que em geral recebem prioridade de acionamento para suprir a demanda, e continuaram a pleno vapor. O setor de biocombustíveis, por outro lado, foi o que mais sofreu, com um duplo impacto: com a queda da demanda por combustíveis, e a queda dos preços do petróleo, o produtor de biocombustíveis passou a vender menos, e a preços menores. Uma quebradeira no setor não interessa às perspectivas de recuperação sustentável e de descarbonização dos transportes.

Quais são os princípios para recuperação da bioeconomia pós-covid?

Renato Godinho Os cinco princípios foram uma resposta da Plataforma para o Biofuturo aos impactos que acabo de descrever, e foram aprovados após consulta a governos, setor privado, academia e organizações internacionais. Os princípios não são vinculantes, ou seja, não geram obrigações jurídicas internacionais aos países-membros, no entanto orientam os governos a: 1) não retroceder em políticas públicas de bioenergia que estão funcionando; 2) considerar apoio emergencial aos produtores em dificuldade; 3) aproveitar os baixos preços do petróleo para reconsiderar políticas de subsídios a combustíveis fósseis; 4) embutir novos estímulos à bioecomomia nos programas nacionais de recuperação econômica pós-covid que estão sendo gestados mundo afora; e 5) premiar a sustentabilidade, que é exatamente o princípio-mãe do RenovaBio.

Governos importam?

Renato Godinho Creio que esta pandemia mostrou, mais do que nunca, a importância dos governos e da esfera pública. Embora mercados eficientes e competitivos sejam fundamentais, há inúmeras deficiências, desequilíbrios, injustiças e problemas de ação coletiva que apenas a ação governamental pode suprir, corrigir ou desatar. As vacinas existentes foram na maior parte financiadas por governos, com recursos públicos, as medidas de contenção e de socorro dependeram de ações decisivas dos governos, e os programas de testagem e de vacinação mais bem sucedidos estão sendo conduzidos pelos governos. No Brasil, apesar de termos sido atingidos duramente, a existência do SUS está segurando heroicamente as pontas no atendimento, e já está fazendo a diferença para uma vacinação com capilaridade.

Da mesma forma, os desafios da mudança do clima e da transição energética são grandes demais para serem resolvidos pela ação individual, por melhor que seja a conscientização de cada pessoa ou empresa. Ao estabelecer os limites e incentivos corretos, uma política pública bem feita pode, aí sim, dinamizar o empreendedorismo e a inovação individuais em prol do bem comum.

“Gestão Pública” é uma série do Nexo em parceria com a república.org ,um instituto apartidário e não-corporativo, dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público, em todas as esferas de governo. Em quase quatro anos de atividade, já apoiou mais de 100 projetos. Este projeto conta com a consultoria de Daniela Pinheiro e com edição de Marcelo Coppola.

Este projeto foi realizado com
o apoio de república.org

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