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Ing Lee


17 de julho de 2021

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Foto: Divulgação

A artista e quadrinista Ing Lee indica livros que tratam da angústia intergeracional relacionada ao histórico da colonização da Coreia do Sul a partir de um recorte de gênero e classe

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Graças à Hallyu, o soft power da Coreia do Sul (a chamada “onda sul-coreana”), sinto uma maior receptividade do público brasileiro em relação aos autores do país. Isso me desperta bastante entusiasmo. Enquanto coreano-brasileira que (ainda) não sabe ler no idioma, acabo dependendo dessas traduções para acessar a literatura produzida no país de meus ancestrais.

Em muitos produtos culturais coreanos, especialmente nos livros, me deparo com uma brutalidade tão característica e estranhamente familiar, algo que compreendo como o “han”, uma palavra intraduzível. Difícil e amplo de se definir, o termo trata de um misto de raiva, ressentimento e angústia coletiva. Devido ao atroz histórico de colonização, guerras e separação, o han é o trauma intergeracional que os coreanos carregam consigo. Além disso, há um recorte dessa violência para além da nacionalidade: questões de gênero e classe fazem a bagagem de sofrimento ser ainda mais pesada e intensa. Apesar de seu teor tão destrutivo, o han traz consigo a transgressão em sua potência de ruptura. Levando isso em consideração, fiz uma seleção de livros escritos por autoras sul-coreanas, mulheres que trabalham magistralmente esse sentimento, sob diferentes formas e contextos, sempre com críticas sociais afiadíssimas.

Por favor, cuide da mamãe

Shin Kyung-Sook (Trad. Flávia Rössler, Intrínseca, 2012)

Park So-nyo, idosa de 69 anos e mãe de cinco filhos, subitamente desaparece no metrô de Seul. Para tentar encontrá-la, seus passos são retraçados sob a angustiante ótica de sua família, que se debruça sobre as memórias de quem era a “mamãe” – maneira como Park So-nyo era chamada e vista por todos, pelo papel materno que desempenhava. Detalhes antes despercebidos são revisitados ao longo da narrativa. Os familiares reencontram as várias facetas de “mamãe”, ora em suas falhas e imperfeições, ora em sua dedicação e sacrifício.

Grama

Keum Suk Gendry-Kim (Pipoca & Nanquim, 2020)

Pauta que jamais deve ser esquecida, uma ferida ainda aberta da colonização japonesa na península coreana, a obra aborda a delicadíssima temática das “mulheres de conforto”. Esta obra é uma biografia de Ok-sun – ativista sobrevivente que luta pelo reconhecimento de sua história e dignidade – e é retratada sob densas e expressivas pinceladas em nanquim de Gendry-Kim. “Grama” é um manhwa (história em quadrinhos coreana) denso e imperdível, que considero como porta de entrada para um maior aprofundamento de narrativas invisibilizadas e urgentes.

Bad Friends

Ancco (Trad. Janet Hong, Drawn & Quarterly, 2018)

Manhwa de Ancco, ganhador dos prêmios Korean Comics Today e Prix Révélation d’Angoulême, retrata a história de duas delinquentes, Jinju e Jung-Ae. Imersas em diversos ciclos de violência perpetuados pelos seus pais, professores e colegas de classe, no contexto de uma conservadora Coreia do Sul dos anos 1990, o único respiro em meio a um cotidiano tão opressivo e melancólico surge pela relação entre as duas garotas. Infelizmente, esta obra é a única da lista que ainda não foi traduzido para o português, mas espero que ela seja notada por alguma editora brasileira em breve.

Sukiyaki de domingo

Bae Su-Ah (Trad. Hyo Jeong Sung, Estação Liberdade, 2014)

Diferente da glamourosa Coreia do Sul, no auge de seu poder cultural em nível global, Bae tece uma antologia que segue o caminho oposto, às margens de uma sociedade que se recusa a encarar seus diversos problemas socioeconômicos. Em capítulos caóticos e não-lineares, a autora constrói os personagens da obra por meio de questões que envolvem desejos, impotência, avidez – que constitui uma masculinidade frágil e parasitária – e a sobrecarga sofrida pelas mulheres. “Sukiyaki de domingo” não é sobre resiliência, superação e conforto, mas sim uma leitura mordaz e crua, que escancara a condição da miséria humana.

Pachinko

Min Jin Lee (Trad. Mariana Vargas, Intrínseca, 2020)

Embora “zainichi” signifique “residente temporário no Japão” em sua tradução literal, o termo pode se referir tanto à diáspora coreana durante a ocupação japonesa na península da Coreia e quanto a seus descendentes que residem no país. Partindo deste ponto, Lee escreve “Pachinko”, atravessando gerações e fronteiras, em suas idiossincrasias e perspectivas plurais, complexas e contraditórias, que se conectam e integram à comunidade zainichi.

Ing Lee é artista coreano-brasileira e surda oralizada, nascida e residente em Belo Horizonte. Em seus trabalhos, propõe-se a trazer questões envolvendo memória, identidade, hibridismo e geopolítica leste-asiática. Desde 2016, atua no cenário de publicações independentes e começou a fazer quadrinhos em 2018. Co-fundou O Quiabo, selo de publicações independentes e eixo de experimentação gráfica. Teve sua história em quadrinhos, “Karaokê Box”, publicada pela revista Piauí. Sua zine, “Máquina de fazer massacre”, que aborda o Massacre de Gwangju, fruto da ditadura militar sul-coreana, foi uma das finalistas do Prêmio Dente de 2019.

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