Coluna

Denis R. Burgierman

A culpa do outro

09 de março de 2017

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Seres humanos são péssimos julgadores da trapaça alheia

Mês passado, falei aqui das sensacionais pesquisas de Dan Ariely, o especialista em trapaça que trapaceia em experimentos com voluntários para flagrá-los trapaceando também – e que acabou descobrindo que quase todos nós somos potencialmente trapaceiros. Mas não falei do exemplo mais interessante que ele encontrou em suas pesquisas – e talvez o mais ilustrativo do momento que vivemos no Brasil e no mundo.

Antes, permitam-me rememorar (pule este parágrafo se você achar que não precisa): Ariely, cientista do comportamento humano da Universidade Duke, criou uma prova de matemática, com questões bem fáceis, e saiu pelo mundo pedindo a pessoas de todos os gêneros, tendências políticas, culturas, profissões, grupos sociais, raciais e etários para resolver – ao final, cada um recebe um trocadinho para cada questão respondida. Só que tem uma pegadinha: o prazo é impossível. O cronômetro regressivo toca em apenas 5 minutos, anunciando a hora de entregar as questões, e ninguém nunca consegue terminar tudo. O pesquisador então pede para o sujeito destruir a prova num triturador de papel. Em seguida, quando o cara acha que não há jeito possível de ser pego no flagra, ele tem que responder à pergunta: quantas questões você resolveu? Aí é que entra a trapaça do cientista: o triturador de papel é falso. Ele só tira umas tirinhas das laterais dos papéis, mas preserva a prova do crime intacta no meio da folha. Ariely pode então bater a realidade com o que as pessoas dizem. O resultado não deixa dúvidas: quase todos nós trapaceamos um pouco, não importa idade, nacionalidade ou classe social. Gente que não mente um tiquinho para levar vantagem é uma raridade (gente que mente muito é raridade também).

Ariely e vários de seus orientandos e colaboradores vivem repetindo esse teste já clássico, fazendo pequenas alterações, para tentar entender que fatores aumentam as chances de trapacearmos e quais diminuem – até para ajudar a desenhar políticas públicas melhores, que desincentivem a corrupção. Numa dessas ocasiões, os cientistas realizaram o teste nas belas salas de aula da Universidade Carnegie Mellon, uma das melhores do mundo, na cidade americana de Pittsburgh. Todos os voluntários que se ofereceram para resolver as provas de matemática em nome da ciência (e também para ganhar uns trocados) eram orgulhosos e competitivos estudantes dessa prestigiosa escola.

O pesquisador distribuiu as provas, avisou do tempo e autorizou os alunos a começarem. Eles baixaram as cabeças e obedeceram. Aí, em apenas 30 segundos, um dos alunos-cobaias levantou-se em meio à sala lotada e declarou: “já terminei. O que faço agora?” Pegou o dinheiro então na frente de todo mundo e foi embora mais cedo, satisfeito. Todos na sala sabiam que não havia meio de o colega ter resolvido todas as questões – ele só podia estar mentindo.

Acontece que tal aluno na verdade era um ator, que havia ensaiado a performance, e que a repetiu todos os dias, várias vezes ao dia, diante da classe lotada de alunos voluntários da Carnegie Mellon. E aí? O que os cientistas descobriram a partir desse embuste? Trapaceamos mais ou menos quando vemos alguém trapaceando na nossa frente? É Dan Ariely quem responde: “Depende do moletom.”

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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