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A evolução é muito esperta. Incríveis as coisas que ela faz: baleias-azuis, mitocôndrias, sequóias gigantes, fotossíntese, tiranossauros rex. Uma das sacadas mais espetaculares que a evolução inventou foi dotar os animais de um brilhante sistema de recompensas: a cada vez que fazemos algo certo, ganhamos de presente uma dose de prazer. É dopamina, que nos deixa felizões, e querendo mais. E aí aprendemos a continuar fazendo coisas certas.
Só por causa desse sistema seguimos existindo neste mundo. É ele que nos premia a cada vez que terminamos um trabalho bem feito, ou fazemos sexo, ou nos alimentamos bem. É ele também que nos estimula a investir tempo e energia na coisa mais difícil que existe: relações sociais e afetivas. Não fosse a busca por dopamina, que estímulo teríamos para cuidar dos filhos, dos amigos, da comunidade? Ficaríamos sozinhos, de papo para o ar, sem vontade para juntar uma galera e caçar um mamute, quanto mais para construir uma civilização ultra tecnológica globalmente conectada.
O problema é que essa civilização ultratecnológica globalmente conectada hackeou nosso sistema de recompensas. Mark Zuckerberg e sua turma descobriram um substituto de baixo custo para o prêmio que conseguimos cultivando relações complicadas. Basta uma fotografia fofa, uma piada engraçada ou – o mais eficaz de todos – uma declaração de ódio indignado e contagiante, e logo começam a pipocar afagos virtuais – joinhas, coraçõezinhos, gargalhadas, ou mesmo rostos furiosos cheios de empatia. São manifestações de aprovação à distância, suficientes para estimular o sistema de recompensas e inundar neurônios de dopamina. E aí o cérebro cuida do resto: aprende a querer mais. Viramos seres sedentos de curtidas.
O problema é que curtidas não servem para nada – experimente tentar pagar o supermercado com uma bacia de joinhas virtuais para você ver o que o caixa vai te dizer. Nosso sistema de recompensas, desenvolvido ao longo de milênios para nos induzir a fazer coisas certas, foi sequestrado pela tecnologia e agora é obrigado a nos dar uma dose, mesmo quando não fazemos nada de muito útil para a espécie.
Até aí, tudo bem. Nada demais. Faz séculos que deturpamos a finalidade do sistema de recompensas do cérebro para gerar pequenos prazeres. Usar drogas, apostar no caça-níqueis, jogar videogame – não faltam exemplos de comportamentos inúteis ou mesmo nocivos que são premiados com dopamina, e que acabam gerando dependência. Só que, no geral, nada disso resulta em consequências muito sérias para a sociedade. O dependente de drogas ou jogo faz mal para si mesmo, às vezes para quem está em volta, mas dificilmente vai muito além disso.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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