Debate
Marcelo Frullani Lopes
A tecnologia pode ser aliada neste momento. Porém, é importante que a discussão não se restrinja a uma dicotomia simplista entre a saúde e a vida da população, de um lado, e a privacidade, de outro
A pandemia da covid-19 vem gerando respostas duras por parte dos governos. Muitas vezes, medidas tomadas produzem efeitos na privacidade e no âmbito de proteção dos dados pessoais dos cidadãos, já que o combate à doença exige acesso a informações de saúde, dados de localização, informações sobre pessoas com que os contaminados tiveram contato, dentre outros dados.
A China, primeiro país afetado pela doença, adotou medidas bastante restritivas de isolamento social no início do ano. Com o alegado fim de rastrear a disseminação da doença, as autoridades chinesas fizeram o tratamento massivo de dados coletados especialmente de celulares de centenas de milhões de cidadãos. Os algoritmos desenvolvidos são capazes, segundo o governo chinês, de estimar a probabilidade de uma dada vizinhança, ou mesmo um indivíduo, serem expostos à doença. O sistema gerou muitas críticas em virtude da falta de transparência do uso desses dados e de como esses algoritmos funcionavam.
Num primeiro momento, pode-se pensar que medidas rígidas como essa são adotadas com maior facilidade em regimes autoritários. Porém, a pandemia de covid-19 mostra que mesmo países democráticos vêm utilizando a tecnologia para garantir o isolamento de pessoas doentes ou potencialmente expostas ao vírus.
A Coreia do Sul, por exemplo, um país que obteve muito sucesso na contenção da disseminação da doença, disponibilizou um aplicativo que possibilita que os cidadãos saibam se houve algum caso de contaminação em suas vizinhanças. Os alertas chegam para as pessoas várias vezes ao dia, com informações sobre a idade da pessoa contaminada, além da região em que mora ou trabalha. Não são disponibilizados os nomes e os endereços exatos, mas em muitos casos as informações enviadas permitem a identificação dessas pessoas.
A discussão sobre os limites da vigilância estatal começou nos países asiáticos, mas já chegou aos ocidentais. Na segunda semana de março, o governo dos Estados Unidos se reuniu com gigantes do Vale do Silício, como Amazon, Google, Twitter e Facebook para discutir como essas empresas poderiam ajudar no combate ao novo coronavírus. Um dos pontos tratados foi o compartilhamento de dados com o governo. Segundo o Washington Post, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, comprometeu-se a fornecer dados anonimizados para pesquisadores que estudam a doença. Um representante da Amazon, por sua vez, afirmou que ferramentas de computação em nuvem da empresa podem ajudar as autoridades a rastrear turistas.
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