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Num teatro de aparência corporativa, lotado de empresários, vários deles engravatados, um jornalista entrevista um candidato a presidente, engravatados os dois também. Transcorria um evento organizado pela revista Veja. O ano é 2017, o candidato é Jair Bolsonaro, o assunto é a descoberta de que um grupo de 20 policiais militares causou a morte de 356 pessoas no Rio de Janeiro. “Esses policiais têm que ser condecorados”, Bolsonaro respondeu. “Policial que não mata não é policial.” Foi a primeira aparição pública num evento “respeitável” de Bolsonaro e, apesar do constrangimento de alguns, o candidato foi aplaudido com estrondo várias vezes.
Numa sala de conferências em Viena, na Áustria, uma pesquisadora brasileira discute a crise da segurança pública no Brasil. Já é março de 2019, o candidato da outra cena já é presidente da República. A língua falada é o inglês, o ambiente é formal: estamos numa reunião da ONU. A pesquisadora, Luciana Zaffalon, da Fundação Getúlio Vargas, chama atenção para um dado específico que está se comportando de maneira muito atípica: a letalidade policial, atualmente numa escalada apavorante. Hoje no Brasil a polícia mata bem mais do que o dobro do que matava apenas quatro anos atrás, quando já matava mais que em qualquer lugar do mundo.
De maneira desajeitada, com um inglês enrolado, um homem de terno interrompe a pesquisadora e discorda enfaticamente dela. O homem é um delegado da Polícia Federal, que recebeu cargo de comando do novo governo brasileiro. Demora um pouco para as pessoas na sala entenderem o que ele está dizendo – ele não discordava dos dados que Luciana mostrava sobre o número de pessoas mortas. O que o deixou indignado foi o uso da palavra “pessoas”. “São criminosos”, ele disse. Por vários minutos a seguir ele continuou discutindo, interrompendo a apresentação sob olhares incrédulos de gente do mundo todo.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
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