Acadêmico

O que diferencia a fala do dialeto caipira do português ‘padrão’

Rosicleide Rodrigues Garcia

12 de abril de 2017(atualizado 28/12/2023 às 02h14)
O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

Tese - A entoação do dialeto caipira do Médio Tietê: reconhecimento, características e formação

Autora

Rosicleide Rodrigues Garcia

Lattes

Orientador

Waldemar Ferreira Netto

Área e sub-área

Fonologia, Dialetologia e Sociolinguística

Defendida em

Universidade de São Paulo, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas 09/06/2015

Link para o original

Este estudo busca compreender se a fala do dialeto caipira é de fato muito diferente do chamado português padrão, aquele utilizado nos meios de comunicação. A tese analisou a entoação de idosos com baixo grau de escolaridade moradores da região paulista do Médio Tietê para observar se existe alguma especificidade nesse dialeto frequentemente estigmatizado.

Ao comparar a fala caipira com a fala dos índios guatós, guaranis paraguaios e de idosos do norte de Portugal, verificaram-se semelhanças entre eles em relação ao tom final da fala. A partir dessa pesquisa, a autora conclui que a escolaridade é responsável pela mudança entoacional da fala de uma pessoa, independentemente de sua cultura ou região.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

A fala do dialeto caipira é bastante estigmatizada nos programas de TV, piadas e afins, por isso nascem as questões: ela é tão diferente? E o que a diferenciaria? Por causa dessa peculiaridade, já em 1920, um importante autor e pesquisador, Amadeu Amaral, lançou a sua obra “O dialeto caipira” — primeiro estudo dialetológico brasileiro — e classificou o falar caipira como “lento, plano ou igual e sem inflexões”. Como esse estudo foi realizado de maneira intuitiva, ou seja, o autor escreveu o que ouvia e compreendia, foi notado que era necessária uma pesquisa utilizando ferramentas mais precisas, de modo a dizer o que diferencia, ou não, a entoação do dialeto caipira de demais falares. Logo, esta pesquisa não buscou determinar o som das palavras, mas como elas acontecem. E, ao ser realizada, notou-se que os entrevistados produziam elementos semelhantes a dados já coletados em análises com os índios guatós e dos guaranis paraguaios, o que levantou outra questão: haveria influência indígena na entoação caipira?

2Por que isso é relevante?

O dialeto caipira possui peculiaridades importantes de serem estudadas, de modo a não apenas saciar a curiosidade de se compreender o motivo de ele ser diferenciado, mas, com os exemplos apresentados, entendermos o funcionamento da língua portuguesa. O dialeto do Médio Tietê, por exemplo, reproduz elementos do idioma que são encontrados em todo o país e em Portugal. Dessa forma, ele não tem propriedades exclusivas, apenas faz uso de um montante de atributos capazes de o distinguirem. Porém, ao se pontuar tais qualidades e percebê-las em outras comunidades, compreende-se a formação do idioma, como ocorrem as variações e o porquê de elas se apresentarem. Ao notar que o idioma repete seus processos de formação, o ensino e a aprendizagem da língua materna tornam-se mais plenos, além de se reduzir o preconceito linguístico.

3Resumo da pesquisa

A tese analisou a entoação de idosos com baixo grau de escolaridade moradores da região paulista do Médio Tietê — em Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, Capivari, Itu, Piracicaba, Porto Feliz e Tietê — para observar se haveria alguma especificidade em seu dialeto. Por meio de uma análise automatizada realizada pelo programa ExProsodia, observou-se que a fala dos entrevistados possuía o que chamamos de finalização plagal, isto é, quando o tom médio da fala e o seu tom final são semelhantes, diferentemente do que ocorre com falantes com alto grau de escolaridade, cuja finalização é mais acentuada em relação ao tom médio. Tal característica também foi observada em pesquisas com os índios guatós e os guaranis paraguaios, realizadas por Costa e Baz (ambas de 2011). Por causa da coincidência, esta pesquisa estendeu-se até o norte de Portugal, nas cidades de Braga, Bragança e Vila Real, buscando idosos que teriam tido nenhum ou pouco contato com outras culturas. O fato é que o mesmo ocorre por lá, o que nos leva à conclusão de que a escolaridade é responsável pela mudança entoacional da fala de uma pessoa, independentemente de sua cultura ou região.

O URL do post não é válido.

4Quais foram as conclusões?

Primeiramente, no que diz respeito ao uso do dialeto caipira, entende-se que ele não é tão diferente do chamado português padrão (utilizado nas mídias). No estudo de entoação, percebe-se que a fala no interior paulista não é totalmente plana, como mencionado por Amaral, possuindo inflexões em diversos casos. O que pode diferenciá-la, no entanto, é o grau de escolaridade do falante. A conclusão se deu, pois, ao se comparar o dialeto caipira com as línguas dos índios guatós, guaranis paraguaios e o português setentrional, foi verificado que todos trazem dados parecidos quando se fala do tom final: há a finalização plagal. Dessa forma, percebe-se que a entoação é um aspecto social que pode ser modificado pela alfabetização, já que o baixo grau de escolaridade era o dado comum entre os entrevistados. Sendo assim, observamos que a forma como a língua é ensinada é o fator determinante na construção dos elementos que formam a prosódia, pois, se o falante passou por um processo de escolarização superficial, ou simplesmente não o teve, ele tende a continuar apresentando finalizações plagais, independentemente da cultura em que esse sujeito esteja inserido.

5Quem deveria conhecer seus resultados?

O estudo de entoação da fala caipira da região do Médio Tietê dá subsídio para que outras pesquisas aconteçam em áreas além de Letras, como em fonoaudiologia, educação e para a criação de novas tecnologias de reconhecimento de voz. Para os profissionais de Letras, a tese traz considerações que auxiliam a reduzir o preconceito linguístico e a trabalhar com dados físicos (estudo de ondas e tons) e estatísticos (comparação numérica e gráficos), de modo a obter informações verossímeis acerca da prosódia. Além disso, por meio deste estudo, podem-se estabelecer comparações com outros dialetos utilizados nos países de língua portuguesa. Em fonoaudiologia e educação, os profissionais poderão implementar estudos sobre o desenvolvimento da fala e aquisição da escrita, já que a mudança de entoação está ligada à fase em que a criança está sendo alfabetizada. Dessa forma, a tese amplia-se: além de ser um estudo dialetológico, ele se expande para a sociolinguística, linguística histórica e fonologia.

Rosicleide Rodrigues Garciaé doutora em Letras e mestra em Filologia e Língua Portuguesa pela USP (Universidade de São Paulo). É membro do Projeto de Pesquisa “História do Português Paulista” e especialista do dialeto caipira da região do Médio Tietê, realizando pesquisas acerca da fonética e fonologia de suas cidades. Tem dois livros sobre o tema: “The caipira dialect in Capivari: An individualized analysis to study the formation and expansion of the caipira dialect in Brazil”, pela editora VDM-Velarg; e “Testemunhos do Século XIX da História de Capivari”, pela editora Appris.

Referências

  • AMARAL, A. O dialeto caipira. São Paulo: Anhembi, 1955.
  • BAZ, D. G. M. As relações entre entoação frasal e melodia de músicas populares paraguaias. 2011, 161 p. Tese. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • BARROS, R. C. R. A natureza linguística da alfabetização: aspectos prosódicos. In Signótica. V. 6. Goiás: UFG, 1994. p. 119-129.
  • COSTA, N. S. A. Variações entoacionais na língua portuguesa falada por mulheres guatós. 2011. Tese. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • FERREIRA NETTO, W. Decomposição da entoação frasal em componentes estruturadoras e em componentes semântico-funcionais. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE FONÉTICA E FONOLOGIA, 2008, Niterói. Caderno de Resumos. Niterói: UFF, 2008. v. 1. p. 26-27.
  • ________. ExProsodia. Revista da Propriedade Industrial – RPI , 2038, pág. 167, item 120, em 26/out/2010. Disponível em http://revistas.inpi.gov.br/pdf/PATENTES2038.pdf Acesso em 20 jul 2013. FERREIRA NETTO, W. Variação tonal na finalização de frases de PB. III Colóquio Brasileiro de Prosódia. UFMG, 2011.

Navegue por temas