Acadêmico

O papel da sociedade civil na política pública de assistência social

Gabriela Horesh Brettas

31 de maio de 2017(atualizado 28/12/2023 às 02h31)
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Esta pesquisa discute os dilemas e tensões da relação entre organizações da sociedade civil e o Estado na política pública de assistência social no Brasil, no período de 2003 a 2014. Para isso, analisa como se constituiu o papel dessas organizações na área em questão e o significado da criação e implementação do Suas (Sistema Único da Assistência Social) para essa dinâmica.

Segundo a autora, entre os principais resultados identificados, está uma expressiva participação das organizações da sociedade civil na composição da oferta de serviços do Suas, uma realidade bastante heterogênea territorialmente no país. Ela ressalta ainda que o estudo ajuda a compreender as interações entre atores estatais e não-estatais para além da assistência social.

1Qual a pergunta a pesquisa responde?

A pesquisa pretendeu discutir os dilemas e tensões envolvidos na provisão de serviços públicos por atores não-estatais, por meio da compreensão da dinâmica de papéis e relações entre Estado e OSC (organizações da sociedade civil) na política pública de assistência social no Brasil no período recente (2003-2014). Para isso, procurou-se: analisar o processo de constituição do papel das OSC na área da assistência social no último século; discutir o significado da criação e implementação do Suas (Sistema Único da Assistência Social) no que se refere às relações entre Estado e OSC; e identificar as diferentes concepções a respeito do atual papel das OSC na política pública de assistência social. Questões centrais abordadas na pesquisa são: 1) de que maneira o Suas altera o papel das OSC nas políticas públicas?; 2) de que maneira são estabelecidos, pelo Estado, parâmetros mínimos que assegurem o caráter público dos serviços do Suas?; 3) da perspectiva das OSC, de que maneira a vinculação direta com o Estado influencia suas escolhas estratégicas, focos de atuação e serviços ofertados?; 4) quais são os espaços de autonomia e discricionariedade das OSC frente às regulamentações nessa área?

2Por que isso é relevante?

Ao longo do processo de produção de políticas públicas, é possível identificar diversos atores, além do Estado, agindo e influenciando-o, o que torna essas dinâmicas cada vez mais complexas. Dessa forma, revelam-se extremamente relevantes as análises que buscam compreender as interações entre atores estatais e não-estatais nas políticas públicas, uma vez que elas têm implicações nos conteúdos, formatos e decisões assumidos. Lavalle e Szwako (2015) defendem que a relação entre Estado e sociedade civil não se trata de uma dicotomia, mas, ao contrário, esses âmbitos se codeterminam. A análise voltada a essas interações é um importante e complexo campo de estudos, que, de acordo com esses autores, vem sendo expandido e passa por renovações analíticas. Ainda que relevante, o foco no papel das OSC nas políticas públicas é uma opção ainda pouco explorada no campo de públicas, sobretudo no que se refere a abordagens mais analíticas e explicativas (e não prescritivas) – como a pretendida neste trabalho, voltada à compreensão de como essas relações se estabelecem –, de modo que esse é um campo permeado por dilemas e perguntas em aberto, e com o qual esta pesquisa pretende contribuir.

3Resumo da pesquisa

A pesquisa discute os dilemas e tensões envolvidos na provisão de serviços socioassistenciais por atores não-estatais, por meio da compreensão da atual dinâmica de papéis e relações entre Estado e OSC na área da assistência social no Brasil – sobretudo frente às reconfigurações na política nacional a partir dos anos 2000, com a implementação do Suas. Entre as principais tendências e resultados identificados, observou-se uma expressiva participação das OSC na composição da oferta de serviços do Suas, realidade esta bastante heterogênea no país. É possível destacar também um processo de mudança de concepções hegemônicas a respeito da participação privada no Suas ao longo de sua implementação, com crescente reconhecimento, legitimação e regulação de sua atuação nessa política. Além disso, apesar do intenso esforço de regulamentação da atuação das OSC na política pública de assistência social, o modo como os direcionamentos do Suas são implementados pelas OSC não é uniforme, variando de acordo com os perfis organizacionais, os recursos de poder e os contextos territoriais e institucionais locais.

Equipamentos públicos e organizações da sociedade civil conveniadas com municípios e Estados na área da assistência social

Unidades governamentais e nã̃o-governamentais da rede socioassistencial dos municípios brasileiros

4Quais foram as conclusões?

Entre as principais tendências e resultados identificados, observou-se uma expressiva participação das OSC na composição (junto com o poder público) da oferta de serviços do Suas, realidade esta bastante heterogênea territorialmente no país. É possível destacar também um processo de mudança de concepções hegemônicas a respeito da participação privada na oferta dos serviços do Suas ao longo do processo de implementação desse sistema, passando de modelos de viés mais estatista ao crescente reconhecimento, legitimação e regulamentação de sua atuação na lógica da política – o que foi acompanhado de intensa produção de instrumentos de política pública destinados a estabelecer parâmetros mínimos e assegurar o caráter público dos serviços. Apesar desse intenso esforço de regulamentação da atuação das OSC, observou-se que o modo como os direcionamentos do Suas são implementados por elas não é uniforme e pode envolver diferentes dinâmicas, que variam enormemente de acordo com os perfis organizacionais, os recursos de poder e os contextos territoriais e institucionais locais – de modo que há espaços de escolhas, discricionariedade, adaptações e negociações pelas OSC.

5Quem deveria conhecer seus resultados?

Em termos acadêmicos e campos teórico-analíticos, o trabalho argumenta em favor de uma perspectiva abrangente de políticas públicas, que abarque o papel de outros atores (além do Estado), bem como a complexidade envolvida em seus processos, o que entendemos requerer análises que considerem os aspectos políticos, contingentes e relacionais neles envolvidos – campo este que pretendemos fortalecer e influenciar. Por meio do aprofundamento no caso da política de assistência social, procurou-se desenvolver reflexões acerca da relação entre os campos da sociedade civil e Estado que proporcionem elementos para se pensar para além dessa área específica, inclusive, problematizando interpretações e argumentos generalizantes acerca das interações sócio-estatais na produção de políticas públicas – de modo que suas contribuições, sem dúvida, vão além do recorte da assistência social. Finalmente, a pesquisa também traz contribuições diretas para se pensar os arranjos de provisão de serviços socioassistenciais em âmbito nacional e local, podendo contribuir com gestores públicos nas três esferas de governo.

Gabriela Horesh Brettasé mestra em Gestão de Políticas Públicas pela Each (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) e graduada em Ciências Sociais pela FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), ambas da USP (Universidade de São Paulo). Foi pesquisadora no CEM/Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), integrando grupo de pesquisa dedicado à investigação sobre a implementação da política pública de assistência social no município de São Paulo. Já trabalhou com gestão, facilitação de processos de desenvolvimento institucional e pesquisa em diferentes organizações do campo social e, atualmente, atua como pesquisadora na Move Social, com processos de consultoria em planejamento estratégico e desenvolvimento organizacional e na avaliação de projetos sociais.

Referências

  • IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. As entidades de assistência social privadas sem fins lucrativos 2014-2015: unidades de prestação de serviços socioassistenciais. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.
  • LAVALLE; A. G.; SZWAKO, J. Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate. São Paulo, Opinião Pública (UNICAMP. Impresso), v. 21, p. 157-187, 2015.

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