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Adriana Ferreira Silva

A arte de Samuel Fosso me tirou do detox digital

25 de janeiro de 2024

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Há quase um mês longe das redes, só não consegui me livrar do onipresente Big Brother Brasil. De resto, sinto não ter perdido nada

Agachado com uma perna levemente à frente da outra, o braço direito apoiado num dos joelhos, o rapaz encara a câmera com olhar seguro. Em seus pés, dá para entrever uma sandália que parece de couro, parcialmente coberta pela barra da calça modelo boca de sino. Não fosse o rasgo na camisa de mangas curtas, que deixa um pedaço de pele das costas à mostra, e a simplicidade do cenário, composto por uma cortina e piso quadriculado, a foto poderia parecer estar num editorial de moda.

Em outra imagem, o mesmo jovem aparece em pé, de perfil, com as pernas cruzadas, mãos na cintura e o olhar voltado para o chão, como se estivesse ensaiando um passo de dança. Desta vez, ele veste apenas uma sunga e luvas que vão até quase metade de seus antebraços. Num pulo no tempo, reconhecemos os traços do adolescente no rosto de um homem que aparenta ter não mais de 60 anos. Ele usa Gucci da cabeça aos pés.

O adolescente e o homem são o fotógrafo e performer camaronês Samuel Fosso, um dos artistas presentes na 22ª edição da Bienal Sesc_Videobrasil, em cartaz no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, até 25 de fevereiro. Com curadoria do brasileiro Raphael Fonseca e da queniana Renée Akitelek Mboya, a exposição reúne instalações, vídeos, fotografias, pinturas, esculturas assinadas por criadores de 38 países do chamado Sul Global, entre eles africanos, asiáticos, latino-americanos, europeus do leste, representantes da Oceania, do Oriente Médio e de povos originários.

Samuel Fosso é uma das estrelas da exibição. Depois dos malineses Malick Sidibé e Seydou Keïta, ambos de gerações anteriores a Fosso, ele é um dos mais conhecidos fotógrafos do continente africano, com obras em museus como o MoMA, em Nova York. Seu trabalho consiste em autorretratos nos quais Fosso encarna personagens que podem ser desde o papa e um imperador chinês a ícones do movimento negro como Malcolm X e Angela Davis.

Foi por acaso que Fosso deixou de ser um profissional de estúdio em Bangui, na República Centro Africana, para onde migrou ainda criança. Nos anos 1990, o fotógrafo e curador francês Bernard Descamps, à época responsável pela mostra Rencontres de la Photographie, que reuniu fotógrafos africanos em Bamako, capital do Mali, visitou seu ateliê para saber o que era feito ali. Então com 32 anos, Fosso tirou de uma caixa seus registros adolescentes. Eram as fotos em preto e branco que ele clicava sozinho, inspirado em revistas de moda e ídolos como James Brown. Batizada de 70’s Lifestyle Series, a força e originalidade da sequência, a mesma que está no Videobrasil, levou-o ao panteão da arte internacional.

Adriana Ferreira Silvaé jornalista, escritora, mediadora, curadora e palestrante. cofundadora da grená - agência de criação, atua como curadora da jornada galápagos de jornalismo e escreve para as revistas quatro cinco um e numéro brasil. em 25 anos de carreira, foi correspondente em paris e participou de coberturas internacionais, com destaque para reportagens durante os ataques ao world trade center, em nova york, em 2001; e os atentados terroristas na frança, em 2015. trabalhou nas redações das revistas marie claire, vogue brasil e veja são paulo; no jornal folha de s.paulo e como colunista da rádio cbn.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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