Coluna

Laura Carvalho

Bolsonaro no labirinto: entre o teto de gastos e programas sociais

17 de setembro de 2020

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A crônica da morte anunciada do Renda Brasil ajuda a entender a difícil situação fiscal em que país se encontra e as prioridades do governo ao tentar sair dela

Aborrecido, o presidente Jair Bolsonaro não quer mais ouvir juntas as palavras Renda Brasil até 2022. “Bolsonaro doesn’t want to hear about his own social plan anymore” [Bolsonaro não quer mais ouvir falar de seu próprio plano social], surpreendia-se a Bloomberg em reportagem publicada na terça-feira (15), logo após a divulgação do vídeo nas redes sociais do presidente. Apesar da contradição aparente, a crônica da morte anunciada do Renda Brasil pode nos ajudar a entender um pouco melhor o labirinto fiscal em que nos metemos.

Comecemos pelo fim. O Orçamento de 2021 enviado ao Congresso deixou claro para quem ainda se recusava a enxergar que não há espaço algum no atual desenho do teto de gastos para expandir gastos sociais. Na verdade, o governo teve de reduzir tanto as despesas discricionárias previstas para cumprir a regra que a dúvida é se ainda vai dar pra pagar as contas de luz dos Ministérios no ano que vem. Como então financiar um programa maior do que o Bolsa Família? Assumindo-se o cumprimento do teto, todas as possibilidades aventadas por membros da equipe econômica envolviam a retirada de recursos de programas existentes como o abono salarial, o Benefício de Prestação Continuada, o Farmácia Popular, o Salário Família e o Seguro Defeso, ou pela redução de despesas obrigatórias com benefícios sociais por meio de reajustes do salário mínimo abaixo da inflação.

Por que Bolsonaro não gostou dessa estratégia? Segundo o próprio presidente, porque não quer “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. A explicação faria todo o sentido se fosse oferecida por alguém comprometido com o combate às desigualdades no Brasil. De fato, nossa pirâmide distributiva tem como peculiaridade a altíssima concentração da renda no topo, com o 1% mais rico concentrando mais de um quarto da renda total. Isso significa que a diferença entre quem está no topo e quem está no meio da pirâmide ganhando um ou dois salários mínimos é muito maior do que a diferença entre quem está no meio e quem está na base. Por isso, do ponto de vista do combate às nossas desigualdades, faria muito mais sentido formular um programa que tirasse do topo para a base — por meio da tributação maior e do fim de isenções que beneficiam altas rendas, por exemplo — do que redistribuir do meio para a base como propuseram os membros da equipe econômica.

O problema é que o teto de gastos não abre espaço para expandir programas sociais mesmo se houver uma arrecadação maior de impostos cobrados sobre os mais ricos. Ou seja, esse caminho envolveria não apenas o desejo de enfrentar os interesses do topo da pirâmide por meio de uma tributação maior, como também a necessidade de se rever a atual regra do teto em direção a um limite para o crescimento das despesas que guarde alguma relação com a dinâmica de crescimento econômico e arrecadação de impostos. Bolsonaro não parece interessado em nenhuma das duas coisas: sua recusa em tirar dos pobres para dar aos paupérrimos sequer o levou a considerar a hipótese de tirar dos ricos para dar aos pobres e paupérrimos, o que deixa muito claro que suas razões para enterrar o Renda Brasil são exclusivamente políticas.

Sabemos que Bolsonaro nunca foi um fã de programas sociais: “virou essa demagogia que está aí. Entre seguro-desemprego e Bolsa Família, no ano passado, o governo gastou R$ 40 bilhões (…) Então isso aí é tudo voto de cabresto pro governo”, afirmou o então deputado em entrevista ao programa Brasil em discussão transmitida pela TV Record em 13 de maio de 2012. Mas ao se deparar com a necessidade de obter algum apelo popular durante a campanha em 2018 já tinha prometido o pagamento de um 13o para o… Bolsa Família.

Laura Carvalhoé doutora em economia pela New School for Social Research, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e autora de “Valsa brasileira: Do boom ao caos econômico” (Todavia). Escreve quinzenalmente às sextas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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