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Reinaldo Moraes

Confissões líricas do pior aluno da rede pública

11 de dezembro de 2015

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Há mais de meio século eu também estava sentado numa escola estadual paulista, "a" Caetano de Campos, considerada modelo na época

No fim do mês passado, novembro, quase 200 escolas públicas paulistas estavam ocupadas por estudantes secundaristas inconformados com a “reorganização” decretada pelo governo Alckmin com o intuito de concentrar os alunos por ciclo e faixa etária em cada escola. Uma pequena parcela das escolas públicas se viu na iminência de chutar 311 mil estudantes porta afora, despejando­-os em outros estabelecimentos de ensino, sem combinar nada com ninguém antes. E uns noventa e tantos colégios seriam sumariamente fechados, cedendo lugar a escolas técnicas ou creches ou… comitês eleitorais do PSDB, talvez?

Como se viu e ainda se está vendo, a estudantada chiou forte, escolas foram ocupadas e o tempo fechou, tanto nas ocupações quanto nas ruas, sob o tradicional pautrocínio da PM, encarregada de reprimir o movimento anti­reorganização escolar. Coagido pela força e repercussão dos protestos, Dom Geraldo Alckmin, agente secreto da Opus Dei infiltrado no mais alto cargo do governo paulista, acabou mandando seu secretário da educação passear e suspendeu o projeto de reorganização. Mas os alunos ainda estão em pé de guerra e clamam pela total extinção desse projeto, no que são apoiados até por uma chefa de cozinha importante, como a Paola Carosella, que foi até um colégio ocupado em Pinheiros pra fazer um refogado de escarola com aparência muito apetitosa nas fotografias divulgadas na imprensa.

Impossível, pra mim, não lembrar que há mais de meio século eu também estava sentado numa escola estadual paulista, “a” Caetano de Campos, no caso, instalada no belíssimo prédio neoclássico da praça da República, inaugurado em 1894 e hoje sede justamente da pouco estimada Secretaria da Educação. Fiz ali o primário, entre 1957 e 1960, mas, aluno relapso e dotado de uma cabeça de alho chôcho, como dizia minha mãe, não consegui entrar de cara pro ginásio na mesma escola, considerada modelo na época. Fato é que não logrei passar no vestibulinho que havia então na Caetano entre o primário e o ginásio, nomes dos dois primeiros ciclos na época. Tive que fazer fora um cursinho de um ano pra tentar de novo passar no exame de admissão, nome do tal vestibulinho.

Consegui, afinal, reingressar na prestigiosa escola pública, mas não por muito tempo. Pra desespero da família, logrei a proeza de tomar pau em todas as matérias, menos português, sendo jubilado no fim do ano. Não havia, então, nada parecido com “progressão continuada”. Escreveu, não leu, era pau direto, e sem direito a repetir o ano na mesma escola. Tomei um pé na bunda, sem apelação.

Na verdade, a única coisa que a minha cabeça voadora me permitiu aprender na Caetano foi escrever e ler. Eu era bom nisso, tanto que só passei em português na minha malograda primeira série do ginásio, e, mesmo assim, por conta da boa nota obtida em redação, que valia a metade da nota geral da disciplina. (Até hoje acho que verbo defectivo é um verbo com o intestino solto.)

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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