Coluna

Reinaldo Moraes

Pelos ares de Shangai

08 de julho de 2016

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'Gong Li pode ver, em todo caso, que ninguém caiu na calçada lá embaixo. Onde, então, estará seu amigo? Terá criado asas e saído voando pelos ares de Shangai, no dorso de um dragão alado que passou por ali?'

Deu na internet nesta semana e muita gente viu: um sujeito jovem, magro, só de cueca, se agarrando ao aparelho de ar condicionado do lado de fora de um apartamento. O andar é bem alto. Se o aparelho desgrudar da parede, ou se o homem não der conta de se segurar nele por muito tempo, é morte certa. O vídeo amador, veiculado inicialmente pelo site Live Leak, foi feito numa cidade chinesa não identificada, e veio a público na sexta-feira (1 o). Em segundos, as peripécias do homem-macaco chinês estavam rodando a blogosfera, para grande diversão de quem não tem amante casada e certa inquietação de quem tem.

Isto porque, segundo a imprensa chinesa, trata-se de um típico caso de adultério: o amante de uma mulher casada estava lá folgando com ela, provavelmente na própria cama da parelha oficial, quando o maridão voltou de inopino pra casa. Como é de praxe numa tal situação, ao amante cabe se enfiar no guarda-roupa, debaixo da cama ou pular pela janela do jeito que estiver e der. O da foto conseguiu ao menos botar a cueca antes de se defenestrar, de modo a não ter que responder depois por atentado ao pudor.

Sei lá se esse vídeo não é mais uma dessas armações calculadas pra virar meme na web. Mas pode muito bem ser autêntico, e digo isso por experiência própria. Não que eu tenha me pendurado em trajes menores num aparelho de ar condicionado de um vigésimo andar pra fugir da sanha assassina de um marido ultrajado. Seria uma boa história pra contar aos meus netinhos, mas não foi bem isso que me aconteceu. O que rolou, de fato, alguns milênios atrás, foi que, saindo de uma cantina no Bexiga, junto com uns amigos e amigas, topamos com uma ceninha desse quilate: um cara, mal enrolado num lençol, pulando a janela de um quarto do primeiro andar de um hoteleco que funcionava bem próximo do restaurante, numa esquina.    

O fulano aterrissou na marquise do edifício e, colado à parede, atrás do néon do hotel, de peito arfante, tentava decidir qual haveria de ser seu próximo passo. O vermelho do néon atribuía tonalidades dramáticas e francamente cinematográficas à cena burlesca, reforçada, um segundo depois, por uma mulher que, inteiramente nua, pulou pela mesma janela pra marquise e foi ter com seu foragido parceiro sexual.

Os dois pareciam apavorados. A pelada e seu visível matinho pubiano foram se aninhar debaixo do lençol do amante. Era uma fria madrugada de julho, como essas de agora. Péssima época pra se entrar numa fria daquelas. Nenhum deles sabia o que fazer. A marquise devia ficar a uns 3 metros do chão. Pular dali não era uma opção muito segura. E o que fazer, de qualquer jeito, sem roupa no meio da rua, com um sujeito em surto homicida querendo a pele deles pra tamborim? Enquanto se decidiam, contornaram a quina do edifício pela marquise, pondo-se para fora das vistas de quem porventura assomasse à janela aberta. Era a solução possível no momento.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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