Coluna

Reinaldo Moraes

Fricassê de galinha no caos do “Cosmos”

28 de julho de 2016

Compartilhe

Um mal-estar em plena segunda-feira, crise e um saldo bancário no vermelho são remediados pela obra de Gombrowicz, “Cosmos”

Fechei o jornal outro dia sentindo o mundo ruir em volta do meu apartamento. Me parecia questão de tempo que meu prédio também viesse abaixo. Crise, Trump, Temer, o terror político-psicopata e seus massacres, meu saldo bancário vermelho de vergonha, e mais uma infinidade de etcéteras desagradáveis. Todos os meus dias começam mais ou menos assim, na verdade, mas nesse dia, uma segunda-feira gelada de inverno, foi um pouco pior. Levantei do sofá com as mãos e a consciência encardidas de tinta de jornal.

Foi, pois, com esse humorzinho de fazer as flores murcharem pelo caminho que me lancei às estantes aqui de casa em busca de alguma leitura que ecoasse, repercutisse ou mesmo ampliasse aquela minha sensação de fim da picada. Sim, ampliar, porque, se você não consegue anular um estado depressivo, pode ser o caso de exacerbá-lo ao extremo, até alcançar uma epifania apocalíptica, ou algo do tipo. A partir daí, a impressão de caos começa a regredir e, quando você dá pela coisa, tá na rua chupando um chicabom e olhando a moda passar. Atua aqui o mesmo princípio da homeopatia: similia similibus curantur – o semelhante pelo semelhante se cura.

De maneira que eu dei de cara, logo na primeira estante, a da sala, com o remédio exato de que eu precisava: “Cosmos”, o último e melhor romance do Gombrowicz, dos três que eu li dele, sendo os outros “Ferdydurke”, primeiro romance que ele escreveu, ainda na Polônia, e “Pornografia”, todos os três editados pela Companhia das Letras. Levei o “Cosmos” pro sofá e já devorei metade dele numa sentada (aliás, deitada), dez anos, mais ou menos, depois da primeira leitura. E que o mundo desmoronasse à vontade lá fora.

Escapismo? Não, é só literatura mesmo.

                                                             <>

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&amp;PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas