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Há algumas semanas fui convidada para participar da campanha #MulheresViramOJogo respondendo à seguinte pergunta: “para você como mulheres têm virado o jogo por mais igualdade e menos violência?”. O processo de construção de minha resposta disparou vários gatilhos relacionados a uma situação que considero preocupante. Em muitos casos, a ascensão e o reconhecimento profissional que conquistamos está em desequilíbrio com as relações afetivas que estabelecemos com os homens. Isso me leva a pensar que os movimentos feministas – onde me incluo – precisam priorizar em suas agendas o fato de que sua decoração de interiores está repleta de ativistas que lacram em espaços de trabalho e ao mesmo tempo vivenciam no privado relacionamentos desastrosos, baseados em padrões do tempo em que o Brasil era colônia portuguesa.
Essa reflexão, baseada em vivências, leituras e histórias compartilhadas por mulheres variadas, fizeram-me percorrer caminhos que se cruzaram com temas tratados por Baco Exu do Blues em “Me desculpa, Jay-Z”. A faixa que integra seu novíssimo e incrível álbum Bluesman também mexeu com os sentimentos do geógrafo Caio Cesar e do ator Dan Ferreira . Eles publicaram suas próprias interpretações sobre a letra, que critica um padrão de masculinidade inconsequente representado pela imagem do rapper americano Jay-Z. À primeira vista, o teor da música, que parece carregar um pedido de ajuda ou autocrítica (não sei ao certo), abre um caminho para que homens falem de si. Para que busquem formas próprias de cura e superação para a maneira infantil, egoísta e irresponsável com a qual lidam com o medo de conhecerem a si próprios e assumirem seus medos e fraquezas.
“Eu não gosto de você sorrio ao te ver.” Os homens precisam cuidar da sua saúde mental, assumindo o compromisso de ter responsabilidade e inteligência emocional para estarem no mundo. Na busca de ferramentas para sua reeducação, é necessário que pratiquem a exposição. Que se disponham a aprender com os sonhos, medos, insuficiências que carregam. O fato de não investirem nessa agenda de autoconhecimento naturaliza o machismo, que é suportado pelo medo masculino de se ver e narrar através das suas fragilidades. Esse sistema de opressão fraqueza-medo-agressão produz consequências gravíssimas. Relacionamentos abusivos, feminicídios, transfobia, irresponsabilidade paterna, omissão do trabalho doméstico. Esse cenário gera violências de todas as ordens, fazendo com que mulheres precisem intensificar seus mecanismos de proteção. Identificar desejos, estabelecer prioridades, não abrir mão de projetos, evidenciar incômodos e discordâncias são parte da nossa lista de desafios. Metas que precisamos cumprir levando em consideração que todos os dias o machismo mata seis mulheres por hora no mundo .
“Se eu minto para você eu minto para mim, meu bem.” Em um momento político no qual os direitos e a própria existência de mulheres está ameaçada é necessário que homens recusem o conforto do silêncio. Que aprendam a falar e refletir sobre a cultura machista que rege nossas vidas. A opressão pela qual estamos tão impregnados que, muitas vezes, não conseguimos enxergar. Perguntamos preocupados “como discutir gênero na escola?” e passamos batidos pelo fato de que na educação infantil, os salários são menores e que a maioria esmagadora das profissionais são mulheres. Que mais de 70% dos casos de estupros e demais violências são praticados por parentes, amigos e familiares das vítimas . Que, na educação básica, meninas são desencorajadas a desenvolver o gosto pelas ciências exatas, a participar de competições esportivas, a assumir cargos de liderança. Lembro do namorado de uma amiga. Após perder uma partida de carteado para ela, o rapaz esforçou-se tanto que conseguiu convencer toda a mesa de que o verdadeiro vencedor do jogo era ele.
“Tô entre tirar sua roupa e tirar minha vida.” Tudo isso se relaciona à informação preocupante da pesquisa do Datafolha. Nela, 91% das pessoas entrevistadas responderam que é preciso ensinar meninos a não estuprarem . Se meninos precisam aprender a não serem violentos é porque espera-se que sejam agressivos, perigosos. Isso acontece porque na sociedade patriarcal são poucas as oportunidades de encorajamento para que homens falem sobre seus sentimentos. Quando o fazem sua masculinidade fica sob suspeita.
Giovana Xavieré professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Formada em história, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado, por UFRJ, UFF, Unicamp e New York University. É idealizadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras. Em 2017, organizou o catálogo “Intelectuais Negras Visíveis”, que elenca 181 profissionais mulheres negras de diversas áreas em todo o Brasil.
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